O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) realizou nesta quarta-feira uma audiência pública para debater os impactos da crise climática sob a ótica dos direitos humanos, com foco especial nas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024.
O evento, transmitido ao vivo pelo canal do CNDH no YouTube, teve como destaque a apresentação do relatório da Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A audiência reuniu representantes da sociedade civil, autoridades públicas, especialistas e o próprio relator da REDESCA, Javier Palummo Lantes. O objetivo foi ampliar o diálogo democrático sobre os desafios enfrentados durante a tragédia climática e discutir estratégias para a implementação das 24 recomendações apresentadas no relatório.
Impactos desiguais e falhas estruturais
O documento da REDESCA destaca que as inundações afetaram de forma desproporcional grupos historicamente vulnerabilizados — como povos indígenas, quilombolas, mulheres, crianças, pessoas com deficiência, idosos e migrantes — em razão de desigualdades estruturais e da ausência de políticas eficazes de mitigação e adaptação climática.
A relatoria identificou falhas graves na resposta emergencial, como o acesso precário a abrigos, saúde e educação. Também foram apontadas vulnerabilidades ambientais agravadas pelo desmatamento, avanço do agronegócio e substituição de ecossistemas. A degradação acumulada resultou em deslizamentos, erosão, poluição e na falência de diques mal conservados.
Participação da sociedade civil
Jonn Wurdig, gerente de Transição Energética da organização, e também atingido pelas enchentes, participou ativamente da missão da REDESCA. Durante a audiência ele parabenizou as recomendações apresentadas, celebrando também algumas contribuições da ARAYARA que foram incorporadas no documento.
“Cada enchente ou deslizamento representa perdas humanas e materiais que poderiam ser evitadas com um sistema robusto de monitoramento ambiental, alertas eficientes da defesa civil e ações educativas em comunidades de risco”, afirmou.
Wurdig também destacou estudos da ARAYARA que apontam a responsabilidade das indústrias de carvão, petróleo e gás na intensificação da crise climática, especialmente no contexto gaúcho. “O Rio Grande do Sul concentra 90% das reservas de carvão mineral do Brasil, e a cidade de Candiota detém 40% dessas reservas. A Usina Termelétrica Candiota III, sozinha, já emitiu 21,5 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (tCO₂e)”, completou.
Principais recomendações
Entre as 25 recomendações do relatório da REDESCA, a ARAYARA teve contribuição em algumas, das quais destacam-se:
-A ratificação do Acordo de Escazú, essencial para ampliar a participação social, garantir o acesso à informação ambiental e fortalecer mecanismos de prevenção e reparação de danos. O tratado ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados.
-A promoção de uma transição energética justa, com descomissionamento de termelétricas a carvão, como a Candiota III.
-A titulação de territórios indígenas e quilombolas, com incentivo à agroecologia como alternativa sustentável e inclusiva.
Outras diretrizes incluem o fortalecimento da governança ambiental, restauração ecológica, inclusão de catadores e pescadores em políticas públicas, melhoria da infraestrutura resiliente, e apoio psicossocial às populações atingidas.
Caminhos para o futuro
A REDESCA reconheceu os esforços emergenciais adotados pelo governo brasileiro, mas reforçou a urgência de uma abordagem intersetorial e preventiva, com foco na justiça socioambiental. A participação ativa das comunidades afetadas, o combate à desinformação climática e a valorização dos saberes tradicionais foram destacados como elementos fundamentais para a construção de políticas públicas eficazes e inclusivas.
A Relatoria também manifestou disposição para acompanhar e oferecer apoio técnico ao Brasil na implementação das medidas recomendadas, com foco na proteção e promoção dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCA).
No encerramento do evento, foi reforçada a urgência de um plano estadual de transição energética no Rio Grande do Sul, com participação popular e foco no fim do uso do carvão, em sintonia com o Programa ProClima 2050 do governo estadual.