Amazônia perde mais uma batalha contra a indústria fóssil
Em um momento decisivo para o futuro ambiental do planeta, enquanto a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima participa da COP29, a Amazônia perde mais uma batalha contra a indústria fóssil. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou esta semana a atualização do cronograma do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC) para três blocos na Bacia do Amazonas, que estavam suspensos devido a ações judiciais.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) assinou o contrato para a área de acumulação marginal de Japiim – um campo com prospecção passada e com potencial de existência de petróleo – anteriormente suspensa por liminar, com o consórcio formado por Eneva (80%) e Atem Participações (20%).
Outras áreas, como os blocos AM-T-63, AM-T-64 e AM-T-107, arrematados pela Atem, também foram liberadas pela Justiça e receberam novos cronogramas, com entrega de documentação prevista para 20 de dezembro de 2024 e assinatura de contratos até 28 de fevereiro de 2025. Já os blocos AM-T-133 e PAR-T-335 permanecem com prazos suspensos devido a ações judiciais, algumas das quais movidas pelo Instituto Internacional Arayara em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Litígios e defesa do meio ambiente
O Instituto Internacional Arayara tem sido um dos maiores defensores da preservação ambiental na região. Em parceria com a APIB, a maior ong de litigância da América Latina entrou com ações judiciais contra 77 blocos de exploração ofertados no leilão da ANP de 2023.
Segundo o diretor presidente do Instituto Internacional Arayara e da COESUS, Juliano Bueno de Araújo, os bloqueios judiciais, embora temporários, são uma resposta direta aos impactos irreversíveis que a exploração de petróleo e gás pode causar. “Mais de sete ações movidas pela ARAYARA motivaram mudanças nas diretrizes da ANP, com a adoção de novos critérios socioambientais para a inclusão de blocos, porém essa é uma batalha contínua”, pontuou Araújo.
Com base em estudos da ARAYARA apresentados à ANP, 10 blocos foram totalmente excluídos do 4º ciclo da Oferta Permanente, como resultado de conflitos com unidades de conservação e a presença de Terras Indígenas. No total, 79 blocos da Consulta Pública nº 02/2024 sofreram recortes, com uma redução de 24 mil km² na área ofertada.
Araújo destaca com preocupação que a luta contra a exploração de petróleo na Amazônia ainda está longe de ser vencida. Dados do Caderno Técnico Leilão do Fim do Mundo revelam que 66 blocos ofertados continuam sem atender às salvaguardas mínimas exigidas pela própria ANP. “Embora ajustes no mapeamento tenham eliminado sobreposições com Terras Indígenas, muitos desses blocos ainda impactam diretamente assentamentos e ecossistemas críticos, abrigando fauna e flora ameaçadas de extinção”, alerta o diretor da ARAYARA.
Ele ainda ressalta a gravidade da situação: “Estamos falando de 31 blocos propostos na Amazônia Legal, 47 na Costa Amazônica e 2 que invadem áreas de Unidades de Conservação. Isso representa uma ameaça iminente à preservação desses territórios sensíveis e à biodiversidade que eles protegem.”
Resistência e proteção de territórios
Os blocos AM-T-107, adquiridos pela Atem Participações, ocupam a Área de Influência Direta (AID) da Sissaíma e outras terras indígenas dos Mura, o que legalmente dá a esse povo o direito à consulta prévia livre e informada. Os Mura, recentemente, promoveram o VII Encontro do Povo Mura da Resistência, na aldeia Moyray, em Autazes (AM). O evento reuniu lideranças indígenas e organizações parceiras para debater as crescentes ameaças ambientais e as pressões sobre seus territórios, intensificadas por projetos de mineração e mudanças climáticas.
Embora a mineração de potássio seja o principal foco de preocupação, a exploração de petróleo também representa uma ameaça significativa, com a proximidade de blocos que podem impactar diretamente as terras indígenas. Durante o encontro, a ARAYARA apresentou dados alarmantes sobre os efeitos do fracking e da exploração de petróleo na Amazônia, alertando para a contaminação do solo, ar e lençóis freáticos. A extração de petróleo, além de danificar fauna e flora, desrespeita os direitos dos povos indígenas à consulta, conforme prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Coalizão contra os combustíveis fósseis na Amazônia
A ARAYARA esteve presente na COP16, realizada no mês passado na Colômbia, participando da primeira audiência pública da Frente Parlamentar Global pelo Futuro Livre de Combustíveis Fósseis. Composta por mais de 800 legisladores de 95 países, a Frente tem como missão reduzir a dependência global de combustíveis fósseis e acelerar a transição para energias renováveis.
Durante o evento, parlamentares de 11 países apresentaram uma carta aberta exigindo novos compromissos internacionais para complementar o Acordo de Paris e frear a expansão da exploração de petróleo, gás e carvão.
Vinícius Nora, gerente-geral do Instituto ARAYARA, destacou a urgência de uma transição energética na Amazônia, ressaltando os graves impactos da exploração de combustíveis fósseis na biodiversidade e nas comunidades costeiras. Ele também apresentou dados do Monitor Oceano, uma ferramenta desenvolvida pela ARAYARA para acompanhar os impactos da exploração petrolífera nos ecossistemas marinhos brasileiros.
Fundo Amazônia em Jogo
No mesmo mês, a diretora executiva da ARAYARA, Nicole Oliveira, liderou uma série de reuniões na Alemanha e Noruega, em parceria com a Fundação Urgewald. O objetivo foi expor as contradições entre o discurso ambiental do governo brasileiro e a concessão de licenças para exploração de petróleo na Amazônia. As reuniões, que incluíram gestores do Fundo Amazônia e parlamentares europeus, teve o objetivo de pressionar os principais doadores a condicionar futuras contribuições à implementação de políticas ambientais mais consistentes por parte do Brasil.