Seleções do Pacífico sofrem com o risco de desaparecer do futebol
Consequência das mudanças climáticas, elevação do nível do mar na região provoca suspensão de jogos e competições, além de enchentes, erosão do solo e deslocamentos forçados
Por Rodrigo Lois — Rio de Janeiro
Jordi Tasip tem o sonho de jogar a Copa do Mundo. Ele é o camisa 10 da modesta seleção de Vanuatu, país no Oceano Pacífico formado por cerca de 80 ilhas. Só que esse desejo se desenrola em meio à dura realidade de problemas que a nação enfrenta — e a região no geral. O mais grave é o risco de desaparecer do mapa, por causa da elevação do mar.
As eliminatórias da Oceania começaram para valer em outubro, com a fase de grupos, e têm nova rodada nesta semana. A confederação de futebol da região (OFC) é composta por 11 federações: Samoa, Samoa Americana, Ilhas Cook, Fiji, Caledônia, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão, Taiti, Tonga e Vanuatu.
É a primeira vez na história da Copa do Mundo que a região da Oceania tem garantida pelo menos uma representante. Há chance de outra entrar pela repescagem. Só a Nova Zelândia já participou do torneio. A Austrália fica na Oceania, mas disputa as eliminatórias asiáticas.
Foi em Tonga que o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, emitiu em agosto um alerta por causa da rápida elevação do Oceano Pacífico: “Catástrofe em escala mundial”. As temperaturas nos mares da região estão subindo muito mais rápido do que as médias globais.
Águas sobem, países desaparecem
As nações do Pacífico são formadas por ilhas de baixa altitude em relação ao nível do mar. A elevação média é de até dois metros. Essas ilhas estão mais expostas às mudanças climáticas e eventos extremos. Cerca de 90% da população vive a 5 km da costa, e metade da infraestrutura está a 500 metros do mar. O futebol não está imune a isso.
— Mais ciclones, cada vez mais poderosos. Também enfrentamos erupções vulcânicas e tsunamis. Enchentes nas Ilhas Salomão e no Taiti. O impacto é óbvio, às casas e à infraestrutura do futebol. Quando isso acontece, não dá para você organizar mais competições. Não tem um campo para praticar. No fim, a comunidade é cada vez mais afetada, não tem como pensar em futebol — comentou o secretário-geral da confederação da Oceania, Franck Castillo, em entrevista ao ge.
O aquecimento global, provocado pela humanidade — principalmente pela emissão dos chamados gases do efeito estufa —, leva ao derretimento das calotas polares e geleiras, aumenta o calor no mar e expande o volume da água. Aí temos o avanço dos oceanos.
— O Pacífico já vive com mudanças climáticas, o aumento do nível do mar é um deles. É um processo cíclico, entrelaçado. Há 18 meses os oceanos quebram recordes de temperatura, e não conseguimos baixar isso. Esses lugares são excepcionalmente vulneráveis pela sua condição baixa de litoral — explicou Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima no Instituto Internacional Arayara.
De acordo com relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento de 1,5°C da temperatura média da Terra significará que 4% da área terrestre ficarão submersos, afetando drasticamente a sobrevivência na região do Pacífico. A humanidade já provocou o aquecimento global de 1,1°C.
Para manter esse aumento abaixo de 1,5°C, é necessário reduzir as emissões dos gases de efeito estufa pela metade até 2030.
Os impactos no futebol do Pacífico
Devido à erosão do solo, as Ilhas Salomão perderam praias em que havia campos de futebol para as comunidades rurais. Ligas em diferentes países foram interrompidas por enchentes, maremotos e elevação do mar. Instalações da federação de Fiji serviram de abrigo durante um ciclone, em 2021.
— Nós tivemos uma piora do tempo adverso, em termos de aumento de temperatura, impactos que nunca tínhamos visto. Temos mais intervalos para hidratação durante os jogos. O custo de levar água ao campo aumentou também. Nosso país é o primeiro a ter refugiados por mudanças climáticas — contou o secretário-geral da federação de Nova Guiné, Gordon Manub.
As federações se veem obrigadas a elevar os campos, reforçar edifícios e estádios, mudar materiais, repensar o sistema de água. Tonga estabeleceu que suas instalações de futebol podem ser usadas como centros de evacuação em caso de desastre.
— Nosso país é uma nação insular, que tem cerca de 999 ilhas. Um dos desafios em relação às mudanças climáticas é a erosão da terra, por causa do aumento do nível do mar. Perdemos muitas praias, em especial aquelas em que construímos campos de futebol para as comunidades rurais. Isso realmente afetou o desenvolvimento do futebol — comentou Leonard Paia, diretor geral da federação de futebol da Samoa, à Fifa.
A Federação de Vanuatu conseguiu isenção do governo local para a importação de materiais para o Estádio Freshwater.
A confederação de futebol da Oceania (OFC) lançou em 2014, em parceria com a Unicef, o programa de emergência “Just Play”, para dar apoio a crianças traumatizadas por eventos climáticos extremos. A intenção é fazer uma iniciativa semelhante de prevenção.
Entre 2009 e 2016, 32 desastres naturais afetaram as ilhas do Pacífico. Em um ano (2015), Vanuatu e Fiji foram atingidas por dois ciclones de categoria 5, alterando a vida de 1 milhão de pessoas, sendo quase metade disso crianças. Elas foram depois ensinadas a lidar com situações de emergência.
— Através do programa eu conheci várias crianças afetadas pelos ciclones. Muitas perderam escolas, casas, pertences… Não se sentiam mais seguras. Durante o programa, muitas se sentiam aliviadas por estarem fora do estresse de recuperação — contou Salaseini, coordenadora do programa em Fiji.
A Fifa informou que investiu US$ 21 milhões no desenvolvimento da infraestrutura do futebol na Oceania, desde 2016. A entidade promoveu em abril deste ano um workshop sobre infraestrutura e manutenção de instalações, em Papa Nova Guiné, no qual esteve em foco o combate às mudanças climáticas. A crise do clima foi tratada como a maior ameaça a todos os países do Pacífico.
Resumidamente, o aquecimento global é provocado pelos gases de efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2), que são lançados pela homem na atmosfera, através da geração de energia, fábricas, transporte, desmatamento e queimadas, entre outros.
As nações insulares do Pacífico respondem por só 0,02% das emissões dos gases do efeito estufa no mundo.
Cenário se repete no Brasil e deve piorar
O aumento do nível do oceano não se deu apenas no Pacífico (acima da média). Esse é um problema global. As consequências disso já são sentidas no Brasil, onde 55% da população mora a 150km do litoral.
— O oceano “com febre” nos leva a mais eventos extremos, como vimos no litoral de São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas, Bahia, Pernambuco… Esses eventos extremos, que têm levado ao cancelamento de jogos no Reino Unido, no Pacífico, vários lugares, serão cada vez mais comuns. Chuvas, dias de extremo calor. Isso é impacto associado à mudança do clima, a um oceano mais quente — comentou Ronaldo Christofoletti, professor na Instituto do Mar (UNIFESP).
Outro problema é a erosão da costa. Cerca de 40% da costa brasileira enfrenta efeitos do aumento do nível do mar. Isso tem sido visto em diferentes estados, do Sul do país ao Nordeste. Um exemplo emblemático é a cidade de Atafona, localizada no município de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro.
A elevação do nível do mar será um dos muitos temas da Conferência do Clima (COP 29) em Baku, no Azerbaijão. O evento começou na segunda-feira e vai até o dia 22. A próxima edição será em Belém, no Pará, e há grandes expectativas sobre o que vai acontecer no Brasil.