A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) realizou, ontem (18/9), o 2º Seminário Nacional dos Consumidores de Energia, em Brasília. O evento reuniu governo, especialistas e sociedade civil para debater a redução do custo da energia, os desafios da transição energética e o combate às mudanças climáticas no Brasil
Durante o evento, os participantes receberam a “Conta de Luz do Consumidor Brasileiro”, com estimativas dos custos de energia para 2024. Além disso, puderam acessar o “Subsidiômetro” da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), exposto em um totem interativo.
Painéis abordaram subsídios, custo da energia e justiça energética
De acordo com uma pesquisa encomendada pelo Instituto Pólis, 36% das famílias brasileiras gastam mais da metade do orçamento mensal com energia elétrica e gás de cozinha. “Nas regiões Norte e Nordeste, esses gastos superam até as despesas com alimentação, comprometendo a segurança alimentar das famílias”, destacou Mónica Banegas, especialista em Justiça Energética do Instituto Pólis, durante o painel sobre justiça energética. Ela também apontou que 60% das famílias das classes D e E, com renda de até um salário mínimo, estão com a conta de luz atrasada.
Rosimeire Costa, presidente do CONACEN, reforçou a necessidade de uma fiscalização firme por parte da Aneel, ressaltando a importância de uma agência reguladora forte e independente para garantir tarifas mais justas aos consumidores cativos.
Impacto da energia elétrica na vida das pessoas
No segundo painel, com foco no impacto da energia elétrica na população, o deputado federal Joaquim Passarinho (PL/PA) defendeu um ciclo completo para os subsídios, enfatizando que muitos deles não têm fim definido, o que sobrecarrega os consumidores.
Kayo Moura, da Rede de Favela Sustentável, trouxe dados mostrando que 31% das famílias mais pobres gastam mais de 10% da renda com energia. Já Cássio Bitar, do Comitê Gestor do Pró-Amazônia Legal, destacou que 2,7 milhões de pessoas na Amazônia Legal ainda não têm acesso à energia, e que novos projetos para áreas isoladas estão previstos para serem implementados até o fim do ano.
Clima e energia: desafios da transição energética
No painel da tarde, a secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, ressaltou que o debate sobre energia precisa ser transversal e inclusivo, sem soluções simples, pois cada fonte energética traz seus desafios. Carol Marçal, do Instituto ClimaInfo, alertou para o aumento das fontes fósseis na matriz energética brasileira, o que eleva as emissões e encarece a energia. Ela criticou o lobby a favor dos combustíveis fósseis no Congresso, que insere emendas prejudiciais à transição energética.
Por outro lado, João Francisco Paiva Avelino, do MDIC, destacou que a participação da indústria brasileira nas emissões globais é relativamente pequena, enquanto Lucien Belmonte, da Abividro, defendeu a competitividade da indústria e questionou o foco em carvão nas discussões, que, segundo ele, prejudica a competitividade.
O Diretor Técnico do Instituto Internacional ARAYARA, Eng. Juliano Bueno de Araújo, Phd. em Energia, propôs a extinção da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e anunciou a intenção de entregar uma carta ao Ministro Alexandre Silveira e ao Presidente Lula, solicitando a revisão dessa política. Ele também criticou a inclusão dos chamados “jabutis” em projetos de lei, alertando que, se essas emendas continuarem sendo aprovadas, a transição energética justa estará seriamente comprometida.
Igor Britto, diretor executivo do IDEC, afirmou que a verdadeira transição energética só ocorrerá quando houver um compromisso real em beneficiar os consumidores. Ele destacou que as distribuidoras de energia são a segunda maior fonte de reclamações de consumidores no país, atrás apenas dos bancos, e que muitos consumidores não compreendem o que é cobrado nas suas contas. Britto defendeu mudanças no setor, especialmente na forma de cobrança, para garantir que as pessoas sejam informadas e se mobilizem para uma transição energética justa.
Encerramento e próximas ações
No encerramento, o presidente da FNCE, Luiz Eduardo Barata, criticou a desorganização do setor energético e propôs uma revisão do arcabouço regulatório, afirmando que esse processo será gradual e complexo. Barata também anunciou a elaboração de uma correspondência ao CNPE para revisar os subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e uma nova edição do ranking de parlamentares sobre energia elétrica, a ser publicada até o final do mês.
O seminário destacou a importância de ações coordenadas para enfrentar os desafios da transição energética e promover um sistema energético mais justo e sustentável no Brasil.
A Ação Civil Pública movida pelo Instituto Internacional ARAYARA contra o Governo do RS contesta o apoio a políticas que priorizam o carvão mineral como matriz energética, considerado um dos principais responsáveis pelos eventos climáticos extremos no estado
Aconteceu, na semana passada, a audiência de conciliação entre o Instituto Internacional Arayara e o Estado do Rio Grande do Sul. A Ação Civil Pública Cível Nº 5157467-55.2024.8.21.0001/RS foi movida pelo Instituto ARAYARA em julho, exigindo a implementação imediata de medidas para reconstrução do Estado do RS com base em uma transição energética justa em 30 dias.
A ação ocorreu após as tragédias climáticas que atingiram milhões de cidadãos do RS, expondo a ineficácia das ações governamentais para lidar com os impactos das mudanças climáticas. A ACP também busca impedir a concessão de incentivos fiscais ou a reconstrução de infraestruturas voltadas ao setor termoelétrico. Mesmo diante de centenas de mortes e prejuízos superiores a R$200 bilhões, o governo segue apoiando políticas que priorizam o carvão mineral como matriz energética, considerado um dos principais responsáveis pelos eventos climáticos extremos no estado.
“Era esperado que o governo reforçasse políticas de adaptação climática, como melhorias nos sistemas de drenagem e infraestrutura resiliente. No entanto, as ações têm sido tímidas e insuficientes”, afirmou Juliano Araújo Bueno, diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara.
Audiência de Conciliação
A audiência de conciliação, que aconteceu em tempo recorde, teve o objetivo de iniciar tratativas para uma composição entre as partes, principalmente quanto à efetiva participação da sociedade civil na elaboração de um Plano de Transição Energética Justa para o Rio Grande do Sul.
O estado, através do Departamento de Mineração da SEMA/RS, havia lançado em 8 de novembro de 2023, um edital para contratação de uma consultoria para a elaboração de seu Plano de Transição Energética Justa, entretanto, não havia no documento a previsão de efetiva participação da sociedade civil neste processo de elaboração do plano. Esse edital foi lançado após a ocorrência do evento climático extremo que atingiu o estado em setembro daquele ano, onde cerca de 359 mil pessoas foram atingidas, 5 mil ficaram desabrigadas e mais de 21 mil desalojadas, além de 47 mortes e 10 desaparecidos.
No fim de abril e início de maio de 2024 novas inundações afetaram o estado atingindo um total de 469 cidades, o que corresponde a mais de 95% dos municípios. Conforme a Defesa Civil Estadual, mais de 2,3 milhões de pessoas foram impactadas pelo maior evento climático do RS, onde o volume de chuvas passaram de 800 milímetros em mais de 60% do estado, deixando mais de 55.813 pessoas em abrigos; 581.638 desalojados, 806 feridos, 42 desaparecidos e 172 óbitos.
Durante a audiência, o Instituto ARAYARA manifestou a importância da participação de duas entidades técnicas, qualificadas, sem dependência política e econômica na participação do plano de ação. O Ministério Público propôs a criação de uma Câmara Técnica (com composição plural), específica, dentro do Fórum de Mudança Climática, capaz de analisar progressivamente a entrega das etapas do projeto e contribuir com o resultado final. A Juíza, Dra. Patricia Antunes Laydner, destacou que essa proposta favorece a participação da sociedade civil a cada etapa da elaboração do plano, mantendo o diálogo entre as empresas selecionadas com esse Comitê.
Quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, foi concedido o prazo de 15 dias para a análise e aprovação da proposta do MP. Também foi determinada a suspensão do prazo contestatório.
Do Instituto Internacional Arayara, estiveram presentes na 20ª Vara Cível e de Ações Especiais da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, Dr. Rafael Echeverria Lopes, Dr. John Würdig e Dr. Juliano Bueno de Araújo, diretor da instituição. O Estado do Rio Grande do Sul foi representado pela Procuradora do Estado, Dra. Lívia Deprá Camargo Sulzbach; o Procurador do Estado, Dr. Felipe Lemons Moreira; e a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura, foi representada por Otávio Pereira de Lima e Alexandre Pantaleão da Silva Priebe.
Plano ProClima 2050 e suas contradições
Lançado em 2023, o programa ProClima 2050 prometia enfrentar as mudanças climáticas com base em pilares como a Transição Energética Justa e a redução de emissões de gases de efeito estufa. Contudo, o Instituto ARAYARA questiona sua eficácia diante das catástrofes climáticas sem precedentes. A concessão de licitação para um Plano de Transição Energética pró-carvão contradiz os objetivos do ProClima 2050 e reforça um modelo energético poluente.
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA-RS) afirma que o Plano de Transição Energética Justa (PTEJ) segue os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para a mineração de carvão e geração termelétrica nas regiões carboníferas do estado, alinhado ao ProClima 2050. No entanto, o processo de contratação do plano segue uma legislação pró-carvão, semelhante ao que ocorreu em Santa Catarina, onde a transição energética justa foi distorcida pelo lobby da indústria do carvão. O edital para consultoria do PTEJ foi publicado após as inundações de setembro de 2023, que afetaram milhares de pessoas no RS.
O Papel do Carvão e o Futuro Energético do RS
A indústria de carvão mineral e geração termelétrica tem grande importância econômica em municípios do Rio Grande do Sul, especialmente nas regiões de Baixo Jacuí e Campanha, onde cinco minas estão ativas. Candiota possui a maior jazida de carvão do Brasil, mas com baixo rendimento devido ao alto teor de cinzas e enxofre. Duas usinas termelétricas, Candiota III e Pampa Sul, operam na região, com contratos até 2024 e 2043, respectivamente.
Apesar da relevância socioeconômica, várias usinas a carvão foram desativadas entre 1974 e 2017, e outras mais podem ser fechadas devido ao fim de subsídios e concessões. Diante do compromisso do Rio Grande do Sul de neutralizar emissões de gases de efeito estufa até 2050, o Plano de Transição Energética Justa visa substituir essa matriz energética poluente e reduzir emissões, levando em conta os impactos sociais e econômicos.
Nos últimos 22 anos, o Rio Grande do Sul extraiu e processou volumes significativos de carvão mineral. A Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), formada em 2006, tem sido criticada por greenwashing ao tentar passar uma imagem de sustentabilidade, enquanto, na prática, faz o oposto.
Em 2022, o Brasil produziu 11,5 milhões de toneladas de carvão bruto (ROM), com o Rio Grande do Sul contribuindo com 5 milhões de toneladas. A produção de carvão vendável para fins energéticos no estado foi de 4,2 milhões de toneladas, majoritariamente consumidas pelas usinas Pampa Sul e Candiota III. A COPELMI, CRM e Seival Sul foram as empresas responsáveis pela maior parte dessa produção.
Compromisso com a transição energética
O Instituto Internacional Arayara defende uma Transição Energética Justa no Rio Grande do Sul e denuncia o impacto devastador das políticas pró-carvão. Nicole Oliveira, diretora-executiva da instituição, reforça que o futuro do estado depende de um compromisso real com a proteção climática.
“A insistência no uso de carvão coloca o estado em uma trajetória perigosa. Somente com uma mudança estrutural nas políticas energéticas e ambientais será possível mitigar os impactos climáticos e proteger as gerações futuras”, concluiu.
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