Nota de repúdio: Arayara se posiciona frente aos ataques sofridos por Guaranis Kaiowá (MS)
Na tarde do último domingo (14), fazendeiros armados atacaram uma comunidade Guarani Kaiowá em Douradina, no Mato Grosso do Sul. Segundo os indígenas, dezenas de caminhonetes com pistoleiros cercaram a área, localizada na Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica, onde pelo menos dois indígenas foram baleados. O ataque ocorreu em represália à retomada de uma área invadida pelos latifúndios, dentro do território ancestral já oficialmente reconhecido, delimitado e identificado, mas com a sua homologação estagnada desde 2011.
Na segunda-feira (15), outro ataque foi realizado a cerca de 110 km do local daquele ocorrido no domingo. Os crimes se destacam pela similaridade, uma vez que a segunda ocorrência também sucedeu em território indígena com pendências demarcatórias (na TI Amambaipeguá I), contou com a mesma estratégia de ataque, e resultou em uma indígena ferida.
Em nota, a organização Aty Guasu e os conselheiros das comunidades Itay, Guyra Kamby’i, Gaaroa’ka e Tajasu Iguá, afirmaram que os fazendeiros prometem um massacre, o que também ocorreu em 2015. Os indígenas acionaram o Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul (DPGE-MS), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), órgãos de segurança pública do estado e organizações de direitos humanos.
Violações aos indígenas do Mato Grosso do Sul
Às vésperas desses ataques, a Cacique Valdelice Veron retornava de São Paulo, onde esteve acompanhando o processo contra os mandantes do assassinato de seu pai, o Cacique Marcos Veron, espancado e morto em uma retomada em 2003. Em uma mobilização, ocorrida neste ano, Valdelice relata que mais de 20 de seus familiares foram mortos na TI Taquara, no Mato Grosso do Sul, e aqueles que restaram, inclusive ela, seguem sendo perseguidos pelos fazendeiros.
As violações de direito que afligem a Cacique e sua família também recaem sobre todo o povo Guarani Kaiowá, cujo histórico repleto de violência desencadeou o genocídio que se perpetua e é explícito em crimes como os que ocorreram nesta semana. Os incessantes ataques e ameaças fazem com que os indígenas sigam em sua luta permanente, na qual a morte é uma constante.
Perseguições, violência e massacres abrangem quase a totalidade das Terras Indígenas do Brasil, deixando seus habitantes em situação de extrema vulnerabilidade. O caso dos Yanomami ficou mundialmente conhecido; no entanto, sua condição é comparável à dos povos do Mato Grosso do Sul. A situação se agrava pela invisibilidade dos povos desse estado, ocultando altas taxas de mortalidade por assassinato, suicídio e inanição.
O socorro clamado pelos indígenas é silenciado na região, onde tal violência já é naturalizada. Frente a diversos desses crimes, os órgãos públicos permanecem inertes ou aderem à versão dos opressores, resultando na impunidade que os legitima.
Marco Temporal e a invisibilidade de direitos
A criminalidade também encontra respaldo na aprovação da Lei 14.701/2023, que ficou conhecida como Marco Temporal, a qual fere os direitos dos povos e a Constituição Federal brasileira.
Com isso, entende-se que a demarcação das Terras Indígenas é um fator determinante para mudar essa realidade, mas apenas isso não basta para garantir que os territórios sejam a base para a vida e cultura dos povos indígenas, como determina a Constituição Federal. Também se faz necessário o desenvolvimento de alternativas para vida digna e para a convivência pacífica entre indígenas e não indígenas, onde o agronegócio não se sobreponha às vidas humanas.
O Instituto Internacional ARAYARA se solidariza ao povo Guarani Kaiowá e se coloca ao lado dos indígenas, na guerra entre comunidades e indústrias. Ao mesmo tempo, reconhecemos a responsabilidade do Estado sobre essa violência, ao qual cabe a obrigação de tomar as devidas medidas para assegurar a proteção dos povos indígenas do Brasil.