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Por territórios livres de veneno – em defesa da Lei Zé Maria do Tomé

Por territórios livres de veneno – em defesa da Lei Zé Maria do Tomé

Imagem: Reprodução (VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz)

Dentre tantas ameaças que impactam diretamente a vida dos povos do campo está a pulverização aérea de agrotóxicos, responsável por despejar grandes quantidades de veneno nas lavouras do agronegócio e que também contaminam o solo e os corpos d’água, bem como as pessoas que estiverem no caminho da chuva tóxica, acarretando graves problemas de saúde. O Brasil todo sofre com os agravos da pulverização aérea, exceto um único estado, o Ceará, em função da aprovação da Lei 16.820 de 2019, que proíbe o despejo de agrotóxicos por aeronaves em território cearense. Trata-se de um grande e importante passo para a produção de territórios livres de veneno e com mais dignidade no campo.

A aprovação da Lei 16.820/19, chamada de Lei Zé Maria do Tomé, representou uma conquista muito importante para todas e todos que sofriam cotidianamente com os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos em suas comunidades. Na Chapada do Apodi, no leste do Ceará, isso era uma realidade constante e que tirava o sono e a saúde dos moradores, já que era comum a prática do despejo de agrotóxicos por aeronaves nas plantações de banana, e que por vezes banhava também os quintais, os reservatórios d’água e as casas das comunidades. Empresas do agronegócio tinham na pulverização aérea a forma mais viável de expurgar veneno em seus cultivos de banana, expondo o ambiente, os trabalhadores e os moradores aos riscos de contaminação. É nesse contexto que emerge a figura de Zé Maria do Tomé, um camponês que se voltou contra a prática da pulverização aérea e mobilizou as comunidades, entidades, movimentos sociais e universidades na luta contra o uso de agrotóxicos. Por conta disso, Zé Maria foi assassinado, revelando a ganância dos poderosos do agronegócio em seu projeto de morte para a Chapada do Apodi.

Reunidos no Movimento 21 de Abril (M21), essas comunidades, entidades, movimentos sociais e universidades, apoiadas em inúmeras pesquisas científicas, que atestaram os danos à saúde das pessoas e do ambiente em decorrência da contaminação por agrotóxicos, continuaram a luta de Zé Maria do Tomé e conseguiram, por intermédio do deputado estadual Renato Roseno (do Psol), a aprovação da Lei 16.820/19. Essa Lei proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará e foi pioneira no Brasil, representando uma grande esperança de territórios livres de veneno, sem o risco de as pessoas serem literalmente banhadas de agrotóxicos e terem seus alimentos e a água de beber contaminados. A Lei é uma garantia de um mínimo de dignidade para as populações camponesas que se veem ameaçadas pela invasão do agronegócio em seus territórios, com a expansão do latifúndio, da monocultura e do uso em larga escala de agrotóxicos.

Os efeitos dessa Lei, vigente há apenas dois anos, são visíveis e significativos. Há um importante impacto positivo do ponto de vista ambiental e social na vida das pessoas que residem em comunidades cercadas pelo agronegócio, especialmente naquelas onde as monoculturas de bananas eram banhadas de veneno, como ocorria na Chapada do Apodi. Só em saber que a contaminação por agrotóxicos não virá mais pelo ar já é motivo de grande alívio para as comunidades, diferente do que recentemente temos observado em outros estados pelo Brasil, como ocorreu no Maranhão, no Pará, em Goiás e no Rio Grande do Sul, para citar apenas os casos mais recentes, quando agrotóxicos foram lançados sobre as pessoas. Nesse sentido, o Ceará é o exemplo a ser seguido no Brasil e no Mundo. É uma Lei que garante a manutenção da vida nesses territórios vulnerabilizados pela ameaça do agronegócio e dos agrotóxicos.

Por isso é importante e necessário defendermos a Lei Zé Maria do Tomé, que vem sendo ameaçada por representantes do agronegócio que alegam perda de produtividade e redução das áreas cultivadas por banana, especificamente. Todavia, essa alegação não se sustenta cientificamente, visto que dados divulgados pelo IBGE comprovam justamente o oposto. Em 2018, o Ceará produziu 337.636 cachos da fruta, em 2019 foram 406.334 cachos – dados da PAM/IBGE. Já as projeções para 2020, segundo dados do LSPA/IBGE, apontam que a produção de banana pelo Ceará chegou aos 430.336 cachos. Ou seja, um aumento de 100.000 cachos em dois anos, antes e depois da aprovação da Lei, em 2019. Apenas de posse desses números, e com uma análise rápida, é possível contrapor o discurso defendido pelo agronegócio, de modo a demonstrar que a Lei não impactou de modo negativo diretamente a produção de banana no Ceará, muito pelo contrário.

Apesar da grande importância da Lei, fruto de muita luta do ativista Zé Maria do Tomé, dos coletivos que compõem o M21 e do mandato do deputado estadual Renato Roseno, é preciso que faça muito mais. Apenas proibir a pulverização aérea de agrotóxicos não é suficiente para impedir o aumento do consumo de veneno nos cultivos agrícolas, como observado em todo o país. É preciso que haja políticas públicas e uma legislação específica que reduza progressivamente a utilização de agrotóxicos, ao passo que incentive e potencialize a produção de alimentos orgânicos e agroecológicos. Não há como descansarmos enquanto for permitido o uso de veneno nas plantações, já que não haverá saúde para os trabalhadores do campo, os moradores das comunidades e os consumidores dos alimentos contaminados. Defender o fim do uso de agrotóxicos é, antes de mais nada, ter um compromisso com a vida! Viva a Lei Zé Maria do Tomé e a luta contra os agrotóxicos!

O texto acima é do professor da UFRN, Doutor em Geografia e Ativista do M21, Leandro Cavalcante.

Ele reflete uma preocupação com o retrocesso que vem ameaçando o estado do Ceará. O Movimento 21 tem como objetivo lutar contra a chuva tóxica que ameaça famílias e agricultores que vivem nas regiões impactadas.

“O movimento 21 foi criado para dar continuidade à luta de Zé Maria do Tomé, um ativista ambiental que lutava contra a pulverização aérea, assassinado em 21 de abril de 2010. Por seis meses, Limoeiro do Norte (CE) foi a única cidade do Brasil, no ano de 2009, a ter uma lei específica que proibia a pulverização no território. Após o assassinato de Zé Maria, essa lei foi revogada pela mesma câmara que a aprovou. E a luta continuou com o movimento 21, que é composto por várias organizações e pesquisadores”, explicou Reginaldo Ferreira de Araújo, pesquisador, ativista ambiental e social do Vale Jaguaribe e do Movimento 21.

“Hoje, o Ceará é o único estado do Brasil e da América Latina que conta com uma lei específica que proíbe a pulverização aérea em todo o estado e carrega o nome de Zé Maria do Tomé. E agora essa lei está sob ataque, sendo questionada, inclusive, no Supremo. Precisamos divulgar ao máximo essa conquista para que não haja retrocesso como o que houve em Limoeiro”, ressaltou Reginaldo, que também é membro do Movimento climático, apoiado pelo núcleo Arayara no Nordeste.

“A Arayara tem, há 29 anos, um programa de agricultura de baixo carbono, agricultura sustentável e orgânica. Já capacitamos 32 mil famílias de agricultores em 17 estados do Brasil e encaminhamos a abertura de 214 cooperativas agrícolas orgânicas e familiares e 479 associações produtivas. Também recuperamos mais de 30 mil hectares em áreas degradadas, com o plantio de florestas e culturas em sistema sintrópico”, diz o engenheiro e diretor do Instituto Internacional ARAYARA, Juliano Bueno de Araújo.