Intervenções de Bolsonaro nos combustíveis miram 2022, diz pesquisador
Privatização de refinarias atinge capacidade da Petrobras.
As duas recentes intervenções do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no preço do óleo diesel e do gás de cozinha e no comando da Petrobras nada têm de justiça fiscal ou sequer de guinada nacionalista na maior empresa brasileira, como alguns analistas chegaram ver na indicação do general Joaquim Silva e Luna para o cargo máximo da estatal.
As ações, em verdade, miram o calendário eleitoral e, principalmente, a possibilidade de Bolsonaro e sua base política manterem-se no Palácio do Planalto.
“Bolsonaro e os militares estão muito preocupados com a eleição presidencial de (20)22 e estão olhando para as tarifas do combustível, porque isso afeta a base (eleitoral) deles. Ele (Bolsonaro) está olhando um elemento da Petrobras que é a política de preços, no momento em que ele tira o auxílio-emergencial. Ele vai mexer nesse ponto (das tarifas), suavizando os preços e dizendo que manterá a privatização”, avalia o economista Eduardo Costa Pinto, professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Pesquisas de Estudos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), que entre outras áreas se dedica à transição energética.
Eduardo, entretanto, faz uma ressalva: “Há uma incerteza muito grande sobre o que são os anúncios (de intervenção na direção e nos preços), o que vai de fato ser feito e quanto isso é a nova configuração mais geral nos rumos da empresa ou se representa uma mudança na política de preços (dos derivados)”. “Bolsonaro olha muito o curto prazo, e os militares avaliam que, se o Bolsonaro sair, eles perdem o governo”.
Em outras palavras, tudo pode mudar logo nos próximos meses, a depender dos cenários nos campos da política e da economia. E a Petrobras já está sendo utilizada como instrumento desse jogo eleitoral. “Bolsonaro e (Paulo) Guedes (Ministro da Economia) já não conseguem entregar o que entregavam para o pessoal financista do andar de cima, e aí começa a aumentar a tensão entre esse pessoal e a base do Bolsonaro. Eles se perguntam: os meus interesses particulares, eleitorais vão se compatibilizar com o interesse do pessoal das finanças? Se ele tiver de tensionar na marra, ele vai tensionar por conta de (20)22”, completa Eduardo. “
Através de decreto presidencial válido a partir do último dia 2, e somente nos meses de março e abril, Bolsonaro reduziu de R$ 0,35 por litro para zero as alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que incidem sobre a receita bruta das empresas médias e grandes. A redução, mas de forma permanente, estendeu-se para o gás de cozinha para uso residencial no botijão de 13 quilos. A renúncia custará R$ 3,6 bilhões em 2021.
Quanto ao Joaquim Luna e Silva, que é general de quatro estrelas (o topo da carreira militar), sua nomeação ainda depende da aprovação por parte do Conselho de Administração da Petrobras, que tem autonomia para rejeitá-lo, mesmo tendo sido indicado pelo sócio majoritário da empresa (o governo).
O Conselho requereu ao Comitê de Pessoas da Petrobras parecer sobre a real qualificação de Joaquim para presidir a maior empresa brasileira. Para ser aceito no cargo, de acordo com os critérios estabelecidos pela Lei das Estatais (2017), ele precisa comprovar experiência prévia no mesmo cargo em empresas de porte equivalente ao da estatal – algo que ele não tem.
As dúvidas têm enorme importância em si, mas aumentada ainda mais quando em um quadro de aprofundamento da crise econômica (em 2020, o PIB brasileiro caiu 4%). A situação deve se agravar ainda mais ao longo de 2021, à medida que a pandemia de coronavírus avança e o governo Bolsonaro não demonstra qualquer intenção de enfrentá-la com as medidas adequadas (a massiva importação e aplicação de vacinas) e o bloqueio total (lockdown) , que os especialistas indicam como única maneira de frear a proliferação do coronavírus.
Aumentam, também as incertezas sobre o próprio destino da Petrobras, como empresas que tem por finalidade garantir a distribuição de gasolina e demais derivados de petróleo em todo o território nacional.
Segundo o engenheiro e professor titular Roberto Moraes, do Instituto Federal de Ensino de Campos dos Goytacazes (RJ), a privatização de ativos importantes da empresa – como as várias malhas de distribuição de gás natural e as refinarias – colocam um ponto de interrogação sobre o futuro da Petrobras.
“Uma grande empresa desse setor precisa ser verticalizada, desde a extração do petróleo até o refino e a comercialização de seus derivados. Ao que parece, os fundos financeiros que vêm comprando ativos da empresa querem reduzi-la a um companhia que fica apenas com a parte mais cara da cadeia produtiva, que é a extração do petróleo”, avalia Roberto, que pesquisa geopolítica da energia.
Foto: Agência Brasil