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“A história nos ensinou que as pessoas são resilientes”, diz autor do livro A psicologia da pandemia

“A história nos ensinou que as pessoas são resilientes”, diz autor do livro A psicologia da pandemia

Por Rafael Oliveira, Agência Pública

Nas últimas semanas, a população e os governos de todo o mundo têm dedicado esforços para frear o rápido avanço da pandemia de Covid-19, que no momento em que este texto é publicado já matou mais de 17 mil pessoas e infectou ao menos 395 mil, em 169 países. Além de mortes, problemas econômicos e o colapso dos sistemas de saúde dos países afetados, o espalhamento da pandemia provocou pânico generalizado, fazendo as pessoas correrem para drogarias e supermercados, esgotando estoques de máscaras, álcool em gel e até papel higiênico. Além disso, a imposição de isolamento social, necessária para achatar a curva de transmissão do vírus, mudou radicalmente o cotidiano de milhões de pessoas ao redor do mundo, que se viram obrigadas a permanecer dentro de casa.

O comportamento das pessoas em pandemias, bem como o papel da psicologia na disseminação e na contenção de infecções, é o objeto de estudo de Steven Taylor, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Em dezembro de 2019, poucas semanas antes de o coronavírus começar a se espalhar e ganhar proporções pandêmicas, Taylor lançou o livro A psicologia da pandemia, resultado de dois anos de pesquisas sobre os grandes surtos que afetaram a humanidade em décadas e séculos passados.

“[O comportamento dos governantes] é extremamente importante por várias razões. Os líderes do governo precisam liderar pelo exemplo, precisam mostrar às pessoas quais são as coisas importantes que elas devem fazer”, afirma Taylor. Para ele, “se o público não confiar em seu líder ou não confiar nas autoridades de saúde, não fará o que elas dizem”.

Em entrevista exclusiva à Agência Pública, o pesquisador destacou a importância de estabelecer uma rotina e manter contato virtual com amigos e parentes para conseguir sobreviver ao período de isolamento social. “A história nos ensinou que as pessoas são resilientes, as pessoas são fortes. Nós não gostamos dessa situação, estamos estressados com essa pandemia, mas ela vai acabar e vamos passar por isso.”

O que é a psicologia da pandemia? E o que você tratou nos seus estudos e livro que diz respeito ao momento que vivemos com a Covid-19?

Bem, é uma grande área. Eu olhei para as pandemias quando comecei minha pesquisa, há dois anos. Eu percebi que a psicologia desempenha um grande papel na disseminação e na contenção de infecções, e no sofrimento emocional e no comportamento que as pessoas exibem. Isso é a psicologia da pandemia.

Há muitas coisas para aprender. O que estamos aprendendo com a pandemia atual é que as coisas que vemos agora são muitas das que vimos nas pandemias passadas: a ascensão do racismo, grande número de pessoas hipocondríacas que interpretam mal sintomas comuns e se dirigem para hospitais preocupadas com terem Covid-19. Vimos compras motivadas por pânico nas pandemias anteriores, como estamos vendo novamente. Mas também estamos vendo a ascensão da solidariedade das pessoas, se unindo, se apoiando e se ajudando mutuamente.

Pandemias não são as representadas nos filmes de Hollywood, com caos e tumultos.

Como lidar com o sofrimento emocional associado às pandemias?

Isso depende do que mais preocupa a pessoa. É importante entender a fonte de sua angústia. Algumas pessoas têm problemas emocionais preexistentes que as levam a ficar muito angustiadas com a pandemia, e esses problemas precisam ser resolvidos. Algumas pessoas estão passando muito tempo lendo informações assustadoras na mídia ou em redes sociais e obtendo desinformação. Para essas pessoas, pode ser melhor limitar a quantidade de notícias e posts em redes sociais que elas leem sobre a pandemia. Outras pessoas têm preocupações legítimas. Algumas têm sérias condições médicas que as colocam em risco em caso de infecção. Outras estão ansiosas porque sofrem dificuldades econômicas reais provocadas pelo distanciamento social.

O que há de semelhanças e de diferenças no comportamento das pessoas nesta pandemia em relação às anteriores?

O que estamos vendo hoje é muito semelhante ao que vimos nas pandemias anteriores. A ansiedade, o aumento do racismo, mas também da solidariedade, da ajuda mútua. O que torna esta diferente das anteriores é que é a primeira vez na história da humanidade que temos as redes sociais e a internet durante uma pandemia. Então, nesta pandemia, estamos todos conectados globalmente, e isso significa que a desinformação pode se espalhar muito mais rapidamente. Isso inclui informações úteis, mas também informações falsas que podem assustar as pessoas. Mas o que também torna essa pandemia diferente é que, como todos nós estamos conectados globalmente pela internet e pelas redes sociais, somos capazes de oferecer apoio uns aos outros, mesmo que estejamos socialmente isolados.

Há muito mais fluxo e velocidade de informação hoje do que na época de outras pandemias. De que forma isso influencia o comportamento das pessoas em um cenário como esse? O efeito é mais positivo ou negativo?

Isso pode influenciar o comportamento das pessoas de várias maneiras. Pode influenciá-las a estocar produtos por medo. Por exemplo, no início da pandemia, as pessoas de países onde não havia infecção estavam vendo reportagens sobre países infectados, então isso poderia aumentar a ansiedade das pessoas. Se você vê pessoas em um país estocando mantimentos, isso pode levar as pessoas de outro país a fazer o mesmo. Isso pode fazer o medo se espalhar.

Aqui no Brasil, apesar do aumento do número de casos, o presidente já chamou a pandemia de “fantasia” e “histeria”. Contra todas as recomendações, ele incentivou a realização de manifestações populares a seu favor, cumprimentou e tirou selfies com apoiadores. Qual a importância e de que forma o comportamento dos governantes pode influenciar a população em uma pandemia?

É extremamente importante por várias razões. Os líderes do governo precisam liderar pelo exemplo, precisam mostrar às pessoas quais são as coisas importantes que elas devem fazer. O líder do governo no Canadá, por exemplo, o primeiro-ministro Trudeau, está em autoisolamento, porque sua esposa foi infectada pela Covid-19. Ele está mostrando às pessoas o que se deve fazer: ao entrar em contato com alguém [infectado], você deve se isolar. Ele está liderando pelo exemplo. Isso é realmente importante, porque as pessoas buscam nos líderes inspiração e conselhos de como se comportar. Outra razão é a confiança pública. Se o público não confiar em seu líder ou não confiar nas autoridades de saúde, não fará o que elas dizem. Você pode garantir a confiança pública fornecendo informações precisas em tempo hábil, ser visto como confiável e transparente, além de reconhecer as incertezas.

Agora, se não se confia no governo, isso tem implicações realmente importantes. Foram realizadas pesquisas durante o surto de ebola na África e em Monróvia, na Libéria. Essa pesquisa mostrou que pessoas que não confiavam no governo não cumpriam o distanciamento social, e isso para o ebola, que é uma doença muito, muito séria. Isso mostra o quão importante é para o governo garantir que o público o veja como confiável.

Quais são os efeitos psicológicos do distanciamento social e de uma quarentena? Isso impacta mais as pessoas idosas?

Os idosos são uma preocupação porque eles sofrem com o isolamento social, muitos deles já estão sozinhos. E agora estão pedindo a eles que se isolem por meses. Isso aumenta a preocupação de que os idosos se sintam solitários ou deprimidos. Por isso é importante que todos nós ofereçamos ajuda às pessoas idosas de nossa comunidade, que ofereçamos qualquer apoio que eles precisarem.

Durante o surto de Sars, nós descobrimos que houve um aumento no número de suicídios entre os idosos em Hong Kong, que estavam preocupados em se tornar um fardo para a família ou outras pessoas. Esse é um problema realmente sério, nós devemos nos certificar de que os idosos recebam todo o apoio que quiserem ou precisarem.

Como manter a sanidade em tempos de pandemia? Como recuperar a sanidade quando ela acabar?

Essa é uma boa pergunta. Se você estiver em isolamento, é importante planejar o que vai fazer, ter uma estrutura durante o dia, organizar o seu tempo. É importante entrar em contato com familiares ou amigos por meio de redes sociais ou mensagens de texto. Também limite a quantidade de tempo que você gasta lendo conteúdo assustador nas redes sociais. Tenha cuidado com o que você lê.

As pessoas precisam se perguntar: “Essas histórias que estou lendo são verdadeiras ou falsas?”. As pessoas estão ficando muito boas em divulgar notícias falsas; portanto, tenha cuidado com as notícias alarmistas. Essa é uma questão importante.

Considerando o impacto na vida das pessoas, essa pandemia de Covid-19 tem precedentes?

Em algumas pandemias anteriores, a taxa de mortalidade foi muito maior. A pandemia de Covid-19 é séria, mas a gripe espanhola matou muito mais pessoas, assim como a peste bubônica. Portanto, sim, outras pandemias também tiveram enormes impactos.

Mas, no estilo de vida das pessoas, tem algum precedente?

Sim. Em pandemias anteriores, as pessoas também foram solicitadas a se isolar e houve um aumento do racismo em alguns lugares. Nós temos precedentes. A boa notícia é que os humanos sobreviveram a muitas pandemias no passado. Muitas, muitas outras mais sérias que esta, então vamos sobreviver. As pessoas costumam esquecer, mas é importante saber, perceber ou lembrar que os seres humanos são resilientes. Nenhum de nós gosta de ficar socialmente isolado, não gostamos do fato de não podermos continuar com nossa vida, achamos estressante, mas vamos sobreviver. Nós vamos lidar com isso. Assim como as pessoas no passado lidaram com pragas e outras pandemias.

Aqui no Brasil, assim como em outros lugares do mundo, as pessoas correram aos supermercados e farmácias e esgotaram os estoques de papel higiênico, máscaras e álcool em gel. Por que isso acontece?

Isso ocorre porque as pessoas estão assustadas. Elas estão com medo de escassez, de que haja desabastecimento, então as pessoas saem e compram demais. E outras pessoas ao redor veem essas pessoas assustadas comprando muitas coisas, e assim elas fazem o mesmo e o medo se espalha. Em Vancouver, estamos tendo excesso de compras motivadas pelo pânico, assim como no Brasil. Mas aqui [Vancouver] algumas pessoas estão estocando maconha e álcool. A maconha é legal aqui, então as pessoas estão estocando maconha. Pessoas que estão muito, muito assustadas e com medo de que a infraestrutura entre em colapso estão saindo, estocando comida etc.

Em um dos capítulos do seu livro você fala sobre um “retrato da próxima pandemia”. O que você previu certo? E o que não previu?

Primeiro, eu pensei que seria influenza, mas acabou sendo Sars-CoV-2, então não acertei isso. E quem preveria essa corrida atrás de papel higiênico? Mas todo o resto estava certo, previsto a partir de pesquisas sobre pandemias anteriores. A ascensão do racismo, a ansiedade antecipada, o medo crescente, a panic buying [o estoque de produtos], a corrida dos worried well [hipocondríacos] aos hospitais, preocupados com estarem doentes com a Covid-19, quando não estão. O aumento da solidariedade e do apoio social, e o fato de a maioria das pandemias no passado não ter se caracterizado por tumultos e conflitos sociais – embora isso tenha acontecido ocasionalmente, mas eram raros. E estamos vendo que desta vez também houve alguns saques, assaltos, roubos de bancos de alimentos etc. Mas isso tem sido relativamente raro. Nesta pandemia, assim como nas outras, tem havido um aumento das teorias da conspiração. Vimos isso em todas as outras pandemias, essa previsão também estava certa. Uma previsão que coloquei no livro, mas que espero que não se torne realidade é em relação às vacinas. Em pandemias passadas, muitas pessoas não foram se vacinar, mesmo que houvesse uma vacina. Minha preocupação é que isso também aconteça desta vez. A hesitação com vacinas é um grande problema, porque será difícil conter a propagação da infecção se as pessoas não forem vacinadas.

Você afirma em um artigo que passou a estudar o tema após ler com frequência que a próxima pandemia estava chegando. Por que essa previsão estava certa?

Porque as pandemias sempre estiveram por aí. Elas sempre ocorreram, várias por século, mas agora as pessoas têm tanta mobilidade, com viagens aéreas e outros, que isso facilita muito a disseminação de infecções. Os virologistas previam, por conta disso, que haveria outra pandemia em breve, nos próximos anos, e foi por isso que pensei que uma pandemia estava chegando. Eu [só] não pensei que chegaria tão cedo.

Que recado você daria aos brasileiros que estão, como outras pessoas no mundo, vivendo isolamento social e ansiosos com essa situação? O que a história ensina sobre o presente?

A história nos ensinou que as pessoas são resilientes, as pessoas são fortes. Nós não gostamos dessa situação, estamos estressados com essa pandemia, mas ela vai acabar e vamos passar por isso.

E podemos superá-la focando em como lidar com isso de maneira sensata. Precisamos nos isolar neste momento, mas não precisamos nos isolar socialmente, por isso precisamos manter contato e nos conectar com amigos e familiares. Isso vai passar, e vamos superar isso.

Colaboraram: Anna Beatriz Anjos, Bárbara D’Osualdo e Giulia Afiune.

Poluição do ar provavelmente aumentará a taxa de mortalidade por coronavírus, alertam especialistas

Poluição do ar provavelmente aumentará a taxa de mortalidade por coronavírus, alertam especialistas


Os danos à saúde causados ​​às pessoas pela poluição do ar de longa data nas cidades provavelmente aumentarão a taxa de mortalidade por infecções por coronavírus, disseram especialistas. Sabe-se que o ar sujo causa danos nos pulmões e no coração e é responsável por pelo menos 8 milhões de mortes por ano. Esse dano à saúde subjacente significa que infecções respiratórias, como o coronavírus, podem muito bem ter um impacto mais sério nos moradores da cidade e nos expostos a vapores tóxicos do que em outros.

No entanto, medidas estritas de confinamento na China, onde o surto de coronavírus começou, e na Itália, o país mais afetado da Europa, levaram a quedas na poluição do ar, à medida que menos veículos são movidos e as emissões industriais caem. Um cálculo preliminar feito por um especialista norte-americano sugere que dezenas de milhares de mortes prematuras devido à poluição do ar podem ter sido evitadas pelo ar mais limpo da China, muito superior às 3.208 mortes por coronavírus.

Os especialistas enfatizaram, no entanto, que ninguém está reivindicando a pandemia pode ser vista como boa para a saúde e é muito cedo para estudos conclusivos. Eles disseram que, em particular, outros impactos indiretos do coronavírus na saúde, via perda de renda e falta de tratamento para outras doenças, também serão grandes.

Embora a poluição do ar urbano tenha diminuído nos países desenvolvidos, a compreensão dos danos generalizados que causa à saúde aumentou e o ar tóxico aumentou para níveis extremos nos países em desenvolvimento, como a Índia.

“Pacientes com doenças pulmonares e cardíacas crônicas causadas ou agravadas pela exposição prolongada à poluição do ar são menos capazes de combater infecções pulmonares e mais propensas a morrer. Provavelmente também é o caso do Covid-19 ”, disse Sara De Matteis, da Universidade de Cagliari, Itália, e membro do comitê de saúde ambiental da Sociedade Respiratória Europeia. “Ao reduzir os níveis de poluição do ar, podemos ajudar os mais vulneráveis ​​na luta contra esta e qualquer possível pandemia futura”.

Há evidências de surtos anteriores de coronavírus de que aqueles expostos ao ar sujo correm mais risco de morrer. Os cientistas que analisaram o surto de coronavírus Sars na China em 2003 descobriram que pessoas infectadas que viviam em áreas com mais poluição do ar tinham duas vezes mais chances de morrer do que aquelas em locais menos poluídos.

Pesquisas sobre o surto de coronavírus Mers, vistas pela primeira vez na Arábia Saudita em 2012, mostraram que os fumantes de tabaco eram mais propensos a contrair a doença e mais propensos a morrer. Pesquisas iniciais sobre Covid-19 sugerem que fumantes e ex-fumantes são mais suscetíveis ao vírus. Mas uma diferença é que o Covid-19 parece ter uma taxa de mortalidade geral menor do que Sars ou Mers.

“Dado o que sabemos agora, é muito provável que as pessoas que estão expostas a mais poluição do ar e que estão fumando produtos de tabaco se saiam pior se infectadas com [Covid-19] do que aquelas que estão respirando um ar mais limpo e que não não fume ”, disse Aaron Bernstein, da Escola de Saúde Pública de Harvard TH Chan, ao Washington Post.

Reduções na poluição do ar foram registradas no norte da Itália, o centro do surto do país. A poluição do ar também caiu drasticamente em toda a China nas quatro semanas após 25 de janeiro, quando as regiões fecharam em resposta ao surto. O nível de PM2,5, pequenas partículas perigosas de poluição, caiu 25%, enquanto o dióxido de nitrogênio, produzido principalmente por veículos a diesel, caiu 40%.

A ligação entre esses poluentes e mortes precoces é bem conhecida e Marshall Burke, da Universidade de Stanford, nos EUA, usou os dados para estimar os impactos na mortalidade por poluição do ar. Os jovens e os idosos são os mais afetados pelo ar sujo e, usando premissas conservadoras, Burke calculou que o ar mais limpo pode ter evitado 1.400 mortes prematuras em crianças menores de cinco anos e 51.700 mortes prematuras em pessoas com mais de 70 anos.

“Parece claramente incorreto e imprudente concluir que as pandemias são boas para a saúde”, disse ele. “Mas o cálculo talvez seja um lembrete útil das conseqüências muitas vezes ocultas do status quo para a saúde, ou seja, os custos substanciais que nossa maneira atual de fazer as coisas implica em nossa saúde e meios de subsistência”.

Ele disse que os impactos indiretos do Covid-19 são provavelmente muito maiores do que os atualmente conhecidos. “Parece provável que quaisquer ‘benefícios’ da redução da poluição do ar sejam dominados pelos custos diretos e, principalmente, indiretos do vírus, como os efeitos na saúde da perda de renda e os custos de morbimortalidade dos Problemas de saúde ocultos que não são tratados.

Sascha Marschang, secretário-geral interino da Aliança Europeia de Saúde Pública, disse: “Quando a crise terminar, os formuladores de políticas devem acelerar as medidas para tirar veículos sujos das nossas estradas. A ciência nos diz que epidemias como o Covid-19 ocorrerão com frequência crescente. Portanto, limpar as ruas é um investimento básico para um futuro mais saudável. ”

Fonte: The Guardian

Quarentenas e restrições reduzem poluição na Itália, China e em NY

Quarentenas e restrições reduzem poluição na Itália, China e em NY

Em quarentena há doze dias, os moradores de Veneza viram pela primeira vez em muitos anos as águas dos canais da cidade ficarem claras – e até golfinhos, cisnes e cardumes de peixes foram flagrados nadando por ali. Com fábricas paradas e trânsito quase inexistente, a Itália registrou considerável melhora qualidade do ar. Mas a nação não foi a única em que a natureza se beneficiou da pandemia de coronavírus: cientistas já registraram redução da poluição na China e nos Estados Unidos.

Estudos mostraram uma melhora de 21,5% na qualidade do ar na China, onde é comum os moradores da capital, Pequim, usarem máscaras para se proteger da poluição. Um pesquisador na Universidade Stanford calcula que, apesar das muitas vidas tiradas pela Covid-19, a paralisação das fábricas e do trânsito no país pode ter salvo entre 50.000 e 75.000 pessoas que poderiam morrer de forma prematura por causa da poluição. O pesquisador, Marshall Burke, porém, advertiu que seria “incorreto e imprudente” concluir que “pandemias são boas para a saúde” por causa disso.

O surto de coronavírus começou no final de dezembro em Wuhan, na China. Com uma propagação rápida para as cidades e regiões vizinhas, a doença levou ao total isolamento de dezesseis cidades. Ao menos 60 milhões de pessoas ficaram confinadas em toda a província de Hubei, da qual Wuhan é a capital.

Com as restrições, as operações industriais em toda a região foram suspensas. A proibição de que os chineses viajassem entre as cidades da província e para fora dela também diminuiu o fluxo de circulação de carros, ônibus, trens e aviões em todo o país.

Segundo o Centro de Pesquisa sobre Energia e Limpeza do Ar, cuja sede está localizada na Finlândia, todas as mudanças observadas na China levaram a uma redução de 25% nas emissões de dióxido de carbono durante quatro semanas entre o final de janeiro e meados de fevereiro, quando comparado ao mesmo período do ano passado.

A organização aponta ainda que as operações industriais foram reduzidas de 15% a 40% em algumas regiões do país. Em alguns setores, o consumo de carvão mineral caiu 36%. O país é o atual campeão mundial dessas emissões.

Os satélites de monitoramento de poluição operados pela Nasa e pela Agência Espacial Europeia (ESA) também observaram reduções drásticas na poluição do ar sobre a China durante duas semanas em fevereiro, quando a quarentena estava em vigor em várias províncias. Os satélites mediram as concentrações de dióxido de nitrogênio, que é liberado por carros, usinas e instalações industriais, de 1º a 20 de janeiro e novamente de 10 a 25 de fevereiro. A diferença entre os dois períodos é notável.

Os cientistas da Nasa disseram que reduções de emissões semelhantes foram observadas em outros países durante crise econômicas, mas que a queda na poluição do ar na China durante o período de quarentena foi especialmente rápida. “É a primeira vez que vejo uma queda tão dramática em uma área tão ampla para um evento específico”, disse Fei Liu, pesquisador de qualidade do ar da agência americana, em um comunicado. 

A China teve até o momento quase 81.000 casos de Covid-19 e 3.248 mortes. O país registrou no domingo o primeiro caso de transmissão local em três dias – consequência dos mais de quarenta casos importados do exterior.

Itália

As concentrações de dióxido de nitrogênio na atmosfera da Itália também caíram de forma acentuada, assim como na China. Novos dados do satélite Copernicus Sentinel-5p da ESA mostram que, entre 1 de janeiro e 11 de março, a redução foi especialmente visível no norte do país, que foi particularmente afetado pelo surto de Covid-19.

“O declínio nas emissões de dióxido de nitrogênio sobre o norte da Itália é particularmente evidente”, disse Claus Zehner, gerente de missão da ESA Copernicus Sentinel-5P, em comunicado.

A inalação do dióxido de nitrogênio pode aumentar o risco de asma, irritação e inflamação dos pulmões. Embora o gás nocivo não seja considerado um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas, o estudo de sua concentração na atmosfera pode ajudar os cientistas a entender os outros gases de efeito estufa que aprisionam o calor e que impulsionam o aquecimento global.

Em Veneza, a imposição de uma quarentena obrigatória não reduziu apenas o trânsito de automóveis e aviões, mas também o de barcos pelos canais da cidade. Sem a grande circulação de gôndolas e vazia de turistas, as águas da famosa atração turística italiana ficaram mais claras e os moradores puderam ver peixes nadando nos canais pela primeira vez em muitos anos.

Alguns internautas compartilharam vídeos de golfinhos e cardumes nas águas em suas redes sociais. “Veneza não vê a água dos canais limpa há muito tempo”, escreveu um dos usuários.

A Itália tem 59.138 infecções e 5.476 mortes por coronavírus. O número de óbitos no país superou o registrado na China em seu pico de casos.

Nova York

Embora ainda seja cedo para avaliar o impacto das quarentenas nos Estados Unidos, dados coletados em Nova York nesta semana sugerem que a instrução do governo estadual para os moradores evitarem deslocamentos desnecessários e ficarem em casa já traz impacto significativo.

O trânsito automotivo na cidade caiu 35%, em comparação com o mesmo período do ano passado. As emissões de monóxido de carbono, principalmente de carros e caminhões, caíram cerca de 50% por alguns dias esta semana, de acordo com pesquisadores da Universidade de Columbia.

A pesquisa também apontou uma queda de 5% a 10% na concentração de gás carbônico e metano em Nova York. Os cientistas, contudo, alertaram que os níveis podem subir rapidamente assim que a situação se normalizar.

O governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, decretou quarentena obrigatória por conta do coronavírus a partir desta sexta-feira, 20. Os dados coletados pela Columbia, contudo, avaliam apenas os dias anteriores à decisão.

Nova York registrou 3.954 casos de Covid-19, além de 26 mortes. Em todo os Estados Unidos são mais de 16.000 infecções e 213 óbitos.

Embora o coronavírus já tenha tirado muitas vidas, cientistas apontam que esse período pode oferecer ao mundo lições sobre como se preparar – e idealmente evitar – os impactos mais destrutivos das mudanças climáticas no planeta.

Fonte: Veja

Afinal, quem deve usar máscaras de proteção contra o coronavírus?

Afinal, quem deve usar máscaras de proteção contra o coronavírus?

Com a pandemia de Covid-19 se alastrando dia após dia, há um grande alarde entre as pessoas e, consequentemente, um aumento gradual na demanda por mecanismos de prevenção. Além do álcool em gel, as máscaras de proteção também são um dos itens mais procurados e, a prova disso, é que ambos estão em falta no mercado.

Mas a pergunta que cabe é: quem realmente precisa usar máscaras, tendo em vista que a procura está maior que a oferta? A reportagem entrou em contato com o médico Enrique Falceto de Barros, que é Médico de Família e Comunidade na Clínica da Família Teewald, em Santa Maria do Herval, para entender há quem se estende a necessidade prioritária do uso do equipamento.

De acordo com Enrique, de forma geral o usa de máscaras é restrito para os ambientes da saúde. “A Organização Mundial da Saúde recomenda que as pessoas deixem o uso de máscaras para os profissionais da saúde”, disse, destacando que o pico da pandemia ainda não chegou no Brasil. “Há uma onda de pânico entre as pessoas, até entre os profissionais da saúde. Eu até entendo o temor, mas se continuar assim, vai faltar máscaras para quem trabalha na saúde e nós ainda nem chegamos no pico da proliferação do vírus. E se isso acontecer, haverá um colapso no sistema da saúde”, explicou.

De acordo com a OMS, as máscaras faciais descartáveis devem ser utilizadas por profissionais da saúde, cuidadores de idosos, mães que estão amamentando e pessoas diagnosticadas com o coronavírus. As demais pessoas devem utilizar lenço descartável para higiene nasal. Deve-se cobrir o nariz e a boca com um lenço de papel quando espirrar ou tossir e jogá-lo no lixo.

Prioridade

“Quem está usando máscaras indevidamente nesse momento, está queimando a máscara de um profissional da saúde”, alerta o médico, ressaltando que, na Itália, 10% dos contaminados (de acordo com os dados mais recentes da Federação Nacional da Ordem dos Médicos) são dos profissionais que atuam na área da saúde já em consequência da falta de equipamentos de proteção. O médico teme que a mesma situação possa acontecer no Brasil, devido à falta de material para os profissionais que terão que trabalhar desprotegidos, sem equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados.

“Quem está usando máscaras indevidamente nesse momento, está queimando a máscara de um profissional da saúde”

Colapso

Enrique destaca que até mesmo a própria equipe médica dos profissionais de Saúde da Família só deve usar máscaras caso estejam diante de um paciente sintomático. “Se não fizermos algo o sistema de saúde vai entrar em colapso. Vai ser um ‘salve se quem puder’. E se isso acontecer, teremos que adotar a Medicina de Guerra, na qual os médicos terão que escolher quem vai para o respirador e quem vai morrer”, disse, dando como exemplo novamente a situação da Itália.

Máscaras de pano

O médico orienta que, quem se sentir mais seguro usando uma máscara, pode faze-las de forma manual. “As pessoas podem produzir máscaras em casa, usando pano ou, até, filtro de café”, disse ele, enfatizando que todos os procedimentos para evitar o alastramento do vírus são importantes pois apesar de a maioria ser assintomática, podem contaminar mais pessoas, inclusive que possuem algum tipo de vulnerabilidade. “Todos precisam ajudar para que o sistema de saúde não entre em colapso”, disse.

O médico destaca que quem tiver alguma dúvida relacionada ao assunto, pode buscar esclarecimentos no Protocolo de  Manejo Clínico do Coronavírus, que segue em anexo no final da reportagem.

Produção de máscaras parada

A reportagem entrou em contato com uma das principais empresas de fabricação desses materiais de segurança na área da saúde do país, que possui sua matriz em Limeira-SP e fornece o material para todo o Brasil. Na entrevista, se confirmou o temor do médico Enrique. De acordo com a empresa, a produção de máscaras – assim como de outros produtos, está parada devido à falta de matéria prima. A empresa informou ainda que não há prazo de quando as atividades serão retomadas.

Protocolo de  Manejo Clínico do Coronavírus: Protocolo de  Manejo Clínico do Coronavírus

Fonte: O Diário