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O que o coronavírus pode nos ensinar no enfrentamento à crise climática?

O que o coronavírus pode nos ensinar no enfrentamento à crise climática?

Mesmo com ações negligentes por parte do governo federal e da população diante do avanço do coronavírus Covid-19, iniciativas globais e unilaterais frente ao cenário têm sido muito mais rápidas e eficazes do que aquelas em resposta à crise climática. Há cerca de 30 anos, a comunidade científica internacional busca coordenar esforços para reverter o aumento da temperatura média do planeta. A resposta coletiva à pandemia atual, por sua vez, pode trazer importantes lições para o enfrentamento das mudanças climáticas e demais desafios deste século.

Os coronavírus são um grupo de vírus comuns em humanos e responsáveis por até 30% dos resfriados comuns. Corona vem do latim “coroa”, pois sua superfície se parece com uma coroa quando observada em um microscópio eletrônico. O surto da Covid-19 começou na China no final de 2019 e alcançou o status de pandemia em 11 de março de 2020. Uma semana depois, casos confirmados da doença já passavam da marca de 200 mil no mundo, atingindo mais de 150 países. Embora 81% dos casos tenham sido leves, mais de 8 mil pessoas já morreram em decorrência de pneumonia severa que tem atingido, principalmente, pessoas com 80 anos ou mais.

Surtos como SARS, em 2003, e MERS, em 2012, resultaram juntos em menos de 2 mil mortes pelo mundo. A média global, contudo, oculta mais do que revela. Países como China e Coréia do Sul adotaram medidas restritivas que têm diminuído com sucesso a contagem de novos casos. Por outro lado, em países como Itália e Espanha, os números continuam subindo rapidamente.

O coronavírus tem transformado a vida cotidiana de maneira tão significativa que os efeitos são visíveis do espaço. Os satélites de monitoramento de poluição da NASA e da Agência Espacial Européia (ESA) detectaram reduções significativas de dióxido de nitrogênio (NO2) sobre a China. A partir do dia 23 de janeiro de 2020, as autoridades chinesas começaram a bloquear Wuhan (local de origem do surto) e outras cidades da região a fim de reduzir a propagação da doença, o que resultou em reduções significativas na poluição do ar.

Em termos econômicos, tais medidas resultaram em reduções de 15% a 40% na produção dos principais setores industriais da China, comparados com o mesmo período do ano passado. Em conjunto, as reduções no consumo de carvão e petróleo na China indicam uma redução nas emissões de CO2 de 25% ou mais, o que equivale a cerca de 6% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) globais.

Medidas internacionais que visam reduzir a propagação da Covid-19 podem salvar mais vidas devido à redução da poluição do ar e da intensidade das mudanças climáticas do que complicações de saúde causadas pelo vírus. Estima-se que só na China, por esse motivo, já foi possível salvar vinte vezes mais o número de vidas do que as que foram perdidas pelo vírus até agora.

É incorreto e imprudente concluir que pandemias são benéficas para o clima ou para a própria saúde da humanidade, tendo em vista todo o sofrimento e demais consequências negativas de interrupção social e econômica. Contudo, tais estimativas funcionam como um lembrete dos custos ocultos, de curto e longo prazo, que envolvem o nosso modo de viver moderno.

Em vários países do mundo, à medida que o número de casos da Covid-19 cresce rapidamente, empresas têm autorizado funcionários a trabalharem de casa, há cancelamento de conferências internacionais e de aulas em escolas e universidades, bem como orientações de governos para evitar ambientes com aglomerações populacionais. Tais mudanças repentinas são impulsionadas pelo amplo reconhecimento de uma emergência.

A comunidade científica está oferecendo avisos claros sobre o que fazer, tanto diante da pandemia quanto da crise climática. Ambas as questões envolvem saúde pública, dado que mudanças no clima já estão causando escassez de comida e água, problemas migratórios e outros desastres naturais causados pela própria humanidade. Mudanças no clima também devem aumentar ainda mais o número de epidemias, sobretudo doenças infecciosas, como malária e dengue.

Além do seu alcance global, as crises compartilham também uma causa em comum: o consumo de alimentos de origem animal. No caso da crise climática, alimentos de origem animal, principalmente a carne de gado, apresentam elevada pegada de carbono e têm contribuído para elevar a concentração de GEE na atmosfera. Já o coronavírus tem como principal causa suspeita o consumo de animais silvestres nos mercados chineses. Repensar hábitos alimentares, passando pela redução e substituição de produtos de origem animal, será essencial para conter ambos tipos de crise..

De acordo com artigo recente publicado pela revista Nature, para limitar o aquecimento médio global em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, os países deverão cortar acima de 7% ao ano suas emissões a partir desse ano. Nas taxas atuais (antes do coronavírus), em 10 anos o mundo vai aquecer em média 1,5°C; em 25 anos, 2°C. Isso significa que governos, setor privado e comunidades deveriam trabalhar com um cenário de crise, empenhando quatro vezes mais esforços do que fizeram até o momento – ou três vezes mais rápido – para conseguir cumprir o Acordo de Paris.

Infelizmente, a sociedade parece ainda não estar preparada a choques de realidade como os incêndios na Austrália ou a pandemia da Covid-19. Estamos assistindo ao colapso de sistemas de saúde em muitos países devido a falta de leitos e capacidade de atendimento, o que tem aumentado a letalidade da pandemia. O mesmo pode acontecer com a intensificação das mudanças climáticas nos próximos anos. Resiliência, portanto, passa por uma reflexão sobre a capacidade das próximas gerações em responder mais rapidamente e minimizar danos.

O custo da prevenção sempre será menor do que os gastos oriundos da inação. E no estágio em que as duas crises se encontram, os esforços de prevenção devem ser acompanhados por medidas de adaptação ao impacto existente e projetado.

Se a comunidade internacional tivesse levado mais a sério os seus compromissos assumidos desde Paris em 2015, da mesma forma como para a Covid-19 nas últimas semanas — levando em conta o nível de urgência que a ciência diz ser necessário — provavelmente teríamos uma perspectiva futura drasticamente diferente.

Compreender que tipo de risco se enfrenta, seja como indivíduo, país, empresa ou mundo, é essencial para estarmos preparados para o antes, o durante e o depois em um momento de crise. A pandemia tem mostrado que conseguimos agir rapidamente, promovendo mudanças de comportamento e nas atividades econômicas, quando há interesse da sociedade e vontade política, ao mesmo tempo em que a ciência se esforça para encontrar uma solução. Que saibamos replicar a mesma fórmula para conter a crise climática enquanto ainda há tempo.

Fonte: UOL

*Cassia Moraes é mestre em administração pública e desenvolvimento pela Universidade de Columbia, CEO do Youth Climate Leaders (YCL) e coordenadora de redes e captação no Centro Brasil no Clima.
*Bruno Cunha é pós-doutorando e pesquisador associado do laboratório CENERGIA (PPE/COPPE/UFRJ), revisor especialista do IPCC e membro do conselho acadêmico do Youth Climate Leaders (YCL).

Poluição do ar pode tornar as pessoas mais vulneráveis ao coronavírus

Poluição do ar pode tornar as pessoas mais vulneráveis ao coronavírus

Uma coisa notável sobre o COVID-19, a doença causada por coronavírus que tem se espalhado pelo mundo, é que ela induz condições graves e mortais em algumas pessoas, enquanto outras ficam apenas levemente doentes. Até agora, sabemos que idade avançada ou condições de saúde preexistentes colocam uma pessoa em maior risco de sintomas graves. Infelizmente, para muitas pessoas, o ar poluído que respiram todos os dias provavelmente já danificou seus pulmões e as tornou mais vulneráveis ​​ao novo coronavírus.

A doença COVID-19 tende a apresentar febre e tosse seca. O vírus ataca o sistema respiratório e se torna fatal quando os pacientes sucumbem à síndrome do desconforto respiratório agudo, que faz com que os pulmões se encham de líquido. O vírus tem sido mais mortal para pessoas com mais de 60 anos de idade, além de pessoas com doenças cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias crônicas.• Poluição do ar por combustíveis fósseis mata mais pessoas por ano do que cigarro
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Adivinhe qual é o principal fator de todas as doenças acima? Poluição do ar. E quem é mais provável de ser exposto à má qualidade do ar nos EUA? Famílias de baixa renda e comunidades de minorias étnicas. Quem tem maior probabilidade de morrer prematuramente devido à qualidade do ar reduzida? Os idosos. Hoje, os negros têm uma probabilidade três vezes maior de morrer de asma do que os brancos. Isso se torna 10 vezes mais provável para crianças negras. Os negros também sofrem as maiores taxas de mortalidade por doenças cardíacas.

É por isso que o surto de COVID-19 é uma questão de justiça ambiental, e a ex-administradora da Agência de Proteção Ambiental Gina McCarthy disse isso no Twitter na segunda-feira (16).

“Esta crise não é simplesmente uma questão de saúde pública. Está diretamente relacionada à equidade social e à justiça ambiental”, escreveu McCarthy. “Está diretamente relacionada à nossa luta por ar limpo, água potável, um ambiente saudável e comunidades saudáveis. #COVID19 está afetando todos nós — nossa saúde e nosso modo de vida, mas comunidades de baixa renda e comunidades de minorias étnicas podem enfrentar riscos adicionais.”

“A estimativa é que haverá taxas muito mais altas de infecção e morte em comunidades de baixa renda e ainda mais em comunidades de baixa renda de minorias étnicas.”

Até o momento, nenhuma pesquisa examinou a demografia das comunidades que observavam maiores incidências do coronavírus. Também não houve nenhuma pesquisa sobre como a má qualidade do ar poderia exacerbar os sintomas do vírus. A ironia do vírus ter começado na China, que tem uma das piores qualidades do ar do mundo, também foi observada por Stephanie Lovinsky-Desir, professora assistente de pediatria no Columbia Medical Center. Ela disse ao Gizmodo:

“É possível que uma das razões pelas quais o vírus tenha sido tão nocivo possa estar ligada a exposições ambientais como a poluição do ar”, disse Lovinsky-Desir.

Sabemos, porém, que a poluição do ar afeta o sistema imunológico respiratório quando partículas tóxicas entram e inflamam os pulmões. A má qualidade do ar mais o COVID-19 podem ser uma mistura mortal para as comunidades que já sofrem nas mãos de uma economia global que depende da queima de combustíveis fósseis tóxicos.

A recente suspensão das atividades diárias normais devido ao COVID-19 causou uma redução drástica na poluição do ar em toda a China e Itália, os dois países com o maior número de casos. No entanto, em situações normais e na ausência de uma crise global de saúde, veículos lançam toxinas no ar regularmente ao nosso redor, enquanto as refinarias e usinas que queimam combustíveis fósseis emitem ativamente material particulado e substâncias cancerígenas nos quintais de alguns selecionados.

“Se você está exposto à poluição, há um risco aumentado. Se houver um número desproporcional de norte-americanos de minorias raciais nessas áreas, então, por extensão, eles ficarão mais doentes, com certeza”, Rey Panettieri, médico do pulmão e vice-chanceler do Instituto de Medicina e Ciência Translacional da Universidade Rutgers, disse ao Gizmodo. “Populações vulneráveis ​​– e eu uso isso em um sentido mais amplo — certamente são desproporcionalmente afetadas por todas as doenças e, com a natureza rápida da disseminação do vírus, acho que essas serão afetadas desproporcionalmente, então sim, estou preocupado.”

O resultado de toda essa poluição do ar, globalmente, é de 7 milhões de mortes por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. Nos EUA, a poluição do ar tem aumentado pela primeira vez em uma década. (Obrigada, Donald Trump.)

As melhorias na qualidade do ar de 1999 a 2013 reduziram o número de mortes prematuras entre os idosos, resultando em US$ 24 bilhões por ano em economia, mas eles continuam sendo os que apresentam maior risco. A poluição do ar é tão mortal que os profissionais de saúde a chamam de pandemia, observando que os combustíveis fósseis são a principal fonte dessa morte e desespero em todo o mundo.

Agora, o COVID-19 provavelmente está aumentando ainda mais o risco de morte para essas comunidades.

“A estimativa é que haverá taxas muito mais altas de infecção e morte em comunidades de baixa renda e ainda mais em comunidades de baixa renda de minorias étnicas por causa de todas as condições pré-existentes — tanto médicas como sociais”, disse Mark Mitchell, um professor associado de mudança climática, energia e saúde ambiental da Universidade George Mason e presidente do Conselho Nacional de Associação Médica de Legislação Médica, ao Gizmodo.

Essas condições sociais incluem taxas mais altas de pobreza, desigualdades na assistência à saúde e disparidades no acesso a férias remuneradas. Existem também práticas de estilo de vida, como moradias multigeracionais, onde avós, filhos e netos podem viver sob o mesmo teto. Isso é mais comum entre famílias de imigrantes e pessoas de minorias étnicas. O mesmo acontece com o uso regular de transporte público.

É por isso que alguns organizadores comunitários em cidades que enfrentam taxas mais altas de poluição do ar devido à atividade da indústria estão fazendo todo o possível para se conectar com os locais e mantê-los informados sobre o vírus.

Em Richmond, Califórnia, sede da Refinaria Chevron Richmond, que foi alvo de críticas nos últimos anos por liberar gases tóxicos, a Rede Ambiental da Ásia e do Pacífico (APEN, na sigla em inglês) tenta fornecer aos membros informações vitais sobre como se proteger contra o vírus.

Muitos dos membros do grupo são idosos e muitos sofrem de asma ou câncer. Até agora, a organização não relatou nenhum caso confirmado de COVID-19. Como a APEN trabalha com asiáticos-americanos, também se preocupa especialmente com o aumento do preconceito racial e crimes de ódio, disse Megan Zapanta, diretora organizadora da rede em Richmond, ao Gizmodo. Por fim, os recursos de que essas comunidades precisam durante o período do COVID-19 — habitação estável, acesso à saúde, empregos seguros — são o que precisam sempre, independente da pandemia.

“Queremos realmente pensar em resiliência em todos os tipos de termos, onde não é apenas resiliência quando há um desastre ou pandemia gigante”, disse Zapanta. “Ou também resiliência quando há uma crise econômica, com todas essas coisas relacionadas, ou quando há uma crise imobiliária.”

O governo dos EUA tem um controle limitado sobre a disseminação do COVID-19. No entanto, a resposta do governo — melhorar a limpeza do transporte público e injetar mais de um trilhão de dólares no mercado — mostra o que é possível, haja uma pandemia ou não. A resposta ao coronavírus nos dá uma ideia do que o governo dos EUA está disposto a fazer quando entra no modo de emergência. A vergonha é que nossos líderes tenham que esperar pelo desastre para implementar essas políticas.

“Sabemos que agora temos a tecnologia para fechar essas instalações [poluentes] e mudar para energias renováveis ​​mais limpas e parar essa exposição que afeta predominantemente comunidades de baixa renda e comunidades de minorias étnicas”, disse Mitchell. “E que isso terá efeito imediato na melhoria da saúde e ajudará a reduzir a suscetibilidade a outras doenças como o COVID-19.”

O governo federal pode optar por salvar vidas o ano todo, se também enfrentar essa pandemia de poluição do ar. Fazer isso pode salvar vidas em semanas. Comunidades mais saudáveis ​​são sempre a resposta certa e estão melhor equipadas para sobreviver a esses tipos de desastres globais de saúde. Vamos começar por aí.

Fonte: Gizmodo