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CARTA ABERTA AO EXMO SENHOR PRESIDENTE DAVI ALCOLUMBRE

CARTA ABERTA AO EXMO SENHOR PRESIDENTE DAVI ALCOLUMBRE

As organizações, coletivos e redes signatários desta carta, membros e parceiros da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), do Observatório do Clima (OC), da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, do Observatório do Código Florestal (OCF) e do GT Infraestrutura requerem a V. Exa, Sr. Presidente do Senado e do Congresso Nacional Senador Davi Alcolumbre, a suspensão de apreciação e votação de matérias polêmicas, de relevante interesse público e que possam causar efeitos deletérios ao meio ambiente, à economia e à sociedade brasileira, enquanto durarem as restrições de acesso às dependências do Senado, excetuadas as matérias de urgência relativas ao enfrentamento da crise associada aos impactos da pandemia. 

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o coronavírus responsável pela transmissão da síndrome respiratória Covid-19 já causou mais de 290 infecções em todo território nacional, tendo sido anunciada essa semana 2 mortes confirmadas por essa causa, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Decretada a pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 11 de março, uma série de recomendações vêm sendo emitidas por agências sanitárias e outros órgãos públicos de saúde para evitar o crescimento exponencial de contaminações e uma possível sobrecarga no sistema de saúde. 

Por conta disso, diversas organizações, órgãos públicos e empresas suspenderam nas próximas semanas o trabalho presencial de seus funcionários e eventos públicos – a própria Câmara dos Deputados cancelou suas agendas e restringiu significativamente o acesso de cidadãos a suas dependências, assim como várias sessões do Senado estão sendo canceladas desde segunda-feira (17). Além disso, a dispensa de senadores com idade acima de 65 anos indica que cerca de ⅓ da composição da Casa estará afastada das principais discussões que tiverem continuidade nesta semana.

O País corre sério risco de assistir temas de grande importância para a cidadania, direitos fundamentais e indisponíveis serem votados no Parlamento com baixíssimo quórum e quase nenhum debate público transparente e participativo, na medida em que cancelamentos ou confirmações de sessões deliberativas (ainda que virtuais) estão acontecendo em tempo real e alguns em cima dos horários agendados de sessão.

Dentre essas matérias de relevantíssimo interesse público de caráter nacional, que podem ser votadas a qualquer momento, *destacamos a Medida Provisória (MPV) 910/2019, que trata da regularização fundiária, em todo o Brasil, que notadamente estimula e premia grileiros, criminosos e infratores ambientais, não somente, mas sobretudo na Amazônia, com facilidades, incentivos, anistias e descontos inaceitáveis para aquisição de título da terra ilegalmente ocupada. De acordo com estudos da Esalq/USP e UFMG *serão 43 milhões de hectares de terras públicas (equivalente aos Estados de São Paulo e Paraná juntos), apenas na Amazônia Legal, onde se aplicam as regras dessa MPV, e 35% de todo o desmatamento ocorrido entre 2018/19 na região ocorreu justamente nessas áreas.

Nesse sentido lembramos compromisso assumido por V. Exa, durante a Conferência das Partes da Convenção de Clima (COP 25) em Madri, em dezembro de 2019, no sentido de não deixar avançar, nesta Casa, medidas legislativas que impliquem em retrocessos nas normas de proteção do meio ambiente e impactos em populações tradicionais.

Durante a COP 25 V. Exa afirmou expressamente:

“Não aceitaremos retrocessos na política ambiental. Não iremos pautar matérias que possam ameaçar as florestas e os povos tradicionais.”

Matérias como essa, de tamanha relevância e impacto ao patrimônio público nacional devem ser discutidas ampla e democraticamente, sem quaisquer restrições de acesso das pessoas (cidadãos e organizações da sociedade), aos parlamentares, partidos, lideranças e assessorias da Casa Legislativa, com ampla e total transparência e participação da sociedade civil.

Brasília, 17 de março de 2020.

Assinam:

  1. Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
  2. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  3. Coalizão Não ao Fracking Brasil (COESUS)
  4. Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS)
  5. Conselho Nacional de Populações Extrativistas
  6. FBOMS Fórum Brasileiro de ONGs e movimentos sociais para desenvolvimento e meio ambiente
  7. FORUM de Mudanças Climáticas e Justiça Social
  8. GT Infraestrutura na Amazônia
  9. Observatorio do Clima (OC)
  10. Observatório do Carvão Mineral (OCM)
  11. Observatorio do Código Florestal (OCF)
  12. Observatório do Petróleo e Gás (OPG)
  13. Rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)
  14. Rede de ONGs da Mata Atlantica (RMA)
  15. Amigos da Terra
  16. Amazônia Brasileira
  17. APREC Ecossistemas Costeiros
  18. APREMAVI
  19. Artigo 19
  20. ASCEMA Nacional
  21. Associacao Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA)
  22. Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro (Anga)
  23. CLIMAInfo
  24. Clímax Brasil
  25. Conectas Direitos Humanos
  26. Engajamundo
  27. Fundación Avina
  28. Fundação Grupo Esquel Brasil
  29. Fundação SOS Mata Atlântica
  30. Gestos
  31. Soropositividade, Comunicação e Gênero
  32. Greenpeace Brasil
  33. Hivos
  34. Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento
  35. ICLEI América do Sul
  36. IDESAM
  37. IMAZON
  38. Iniciativa Verde
  39. InPACTO
  40. Instituto Akatu
  41. Instituto BVRio
  42. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
  43. Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
  44. Instituto Centro de Vida (ICV)
  45. Instituto Democracia e Sustentabilidade
  46. IDS
  47. Instituto de Estudos Ambientais Mayer Natura
  48. Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
  49. Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA)
  50. Instituto Internacional Arayara
  51. Instituto Internacional de Educação para o Brasil (IEB)
  52. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
  53. Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)
  54. Instituto Socioambiental (ISA)
  55. International Rivers Network (IRN)
  56. Imaflora
  57. Instituto de Políticas de Transporte Sustentável (ITDP Brasil)
  58. Movimento Nossa BH
  59. Open Knowledge Brasil
  60. Projeto Saúde & Alegria
  61. Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem é Educação Ambiental (SPVS)
  62. SOS Amazônia
  63. 350.org
  64. Uma gota no Oceano
  65. WWF Brasi
Funai atropela regimento e libera acesso a índios isolados por causa de coronavírus

Funai atropela regimento e libera acesso a índios isolados por causa de coronavírus

Decisão ignora o que está previsto no processo de contato com os povos isolados

Fundação Nacional do Índio  (Funai) atropelou o próprio estatuto e autorizou que suas coordenações regionais possam fazer contato direto com povos indígenas isolados na floresta, desde que entendam ser necessário, por causa da pandemia do coronavírus.

A decisão ignora frontalmente o que está previsto no processo de contato com os povos isolados. Por lei, é a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGiirc) que discute, estuda e decide sobre a necessidade ou não de contato com esses povos. São ações extremamente complexas, por envolver acesso a regiões remotas e, principalmente, por colocar em risco a saúde desses povos indígenas sem convivência com não índios.

A Funai tem hoje 11 frentes de proteção aos isolados em todo o País, que executam as políticas e decisões da coordenação-geral. Já no âmbito regional, há 39 coordenações.

A portaria publicada na terça pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, afirma que esses povos seguirão sem contato, mas que esse comando “pode ser excepcionado caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado e deve ser autorizada pela CR (coordenação regional)”. 

A portaria publicada pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, determina que “ficam suspensas todas as atividades que impliquem o contato com comunidades indígenas isoladas”, mas adiciona que a esse comando “pode ser excepcionado caso a atividade seja essencial à sobrevivência do grupo isolado e deve ser autorizada pela CR (coordenação regional) por ato”.

A portaria define ainda que o contato entre agentes da Funai, bem com a entrada de civis em terras indígenas, estão “restritas ao essencial de modo a prevenir a expansão da epidemia”.

Hoje, há 107 registros da presença de índios isolados em toda a Amazônia Legal, área que abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e parte dos Estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. A maior presença de povos isolados do Brasil se dá no Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, onde já foram registradas 16 referências desses grupos. A população total da terra oscila entre 3,8 mil e 5,5 mil pessoas, sem incluir as estimativas da população de índios isolados. 

Procurada, a Funai não se manifestou sobre o assunto até a publicação desta reportagem. 

Fonte: Estadão