O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta quarta-feira (5) um projeto de lei que regulamenta o garimpo e a exploração de energia e petróleo em terras indígenas. O envio do texto ao Congresso ocorrerá nos próximos dias e, na prática, é um complemento do artigo 231 da Constituição Federal. O projeto de lei precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
De acordo com a proposta, empresas poderão realizar a exploração de minério em território demarcado quando houver consentimento dos indígenas donos das terras. Os índios não terão poder de veto caso haja exploração de petróleo ou energia em seu território, mas, para que ocorra, será necessário “dialogar” para buscar um consenso com a comunidade local.
De acordo com a subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Verônica Sanches, a proposta é fruto de determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), que mandou o governo propor o mais rápido possível a regulamentação do artigo constitucional. Para ela, o projeto também levar desenvolvimento das comunidades indígenas e da região Norte.
Representantes indígenas não concordam com a proposta
Em novembro, ativistas de tribos indígenas mostraram inconformidade com o projeto. Em carta aberta lida no dia 26 daquele mês no Congresso Nacional, por iniciativa da coordenadora da Frente Parlamentar Indígena, deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), os indígenas afirmaram:
“Nós não queremos garimpo em nossa terra. Nós queremos que o governo cumpra seu dever de proteger a nossa terra. Queremos que o governo tire os garimpeiros que estão na nossa terra e impeça a entrada de mais garimpeiros. Nós conhecemos nossos direitos e sabemos que o garimpo na Terra Indígena Yanomami é ilegal.”
Em comunicado assinado por sete associações, os indígenas denunciam as consequências do garimpo. “A gente decide de forma coletiva, escutando vários pensamentos de homens, mulheres, xamãs, jovens, lideranças tradicionais, todos reunidos. Isso é decidir em nome do povo e não de maneira autoritária. E isso deve ser respeitado pelo governo brasileiro. O governo não decide por nós. Somos guerreiros Yanomami e Ye’kwana e dizemos todos juntos: Fora Garimpo!”.
E prosseguem: “Os garimpeiros estão envenenando as pessoas e contaminando nossos rios, nossos peixes, nossos alimentos e espantando nossa caça. Sabemos que o mercúrio usado no garimpo está contaminando nosso povo. No rio Uraricoera, mais de 90% das pessoas que foram analisadas apresentaram alto índice de contaminação. Recentemente soubemos que mais da metade dos Yanomami de Maturacá também estão contaminados. O governo tem o dever de acabar com isso e trabalhar para cuidar da saúde dos povos Yanomami e Ye’kwana e proteger a terra-floresta”, segue a carta.
As lideranças ianomâmis disseram que os garimpeiros “trazem todo tipo de bebidas, drogas e doenças”, que têm “muitas armas” e são “violentos também entre eles”.
“Eles matam uns aos outros e enterram os corpos na beira dos rios ou jogam nos rios. Quando os garimpeiros mexem na terra e destroem a natureza, eles estão ofendendo os seres que vivem na floresta. Esses lugares foram destruídos e ninguém mais pode usar lá. A natureza está se zangando, e todos nós vamos sofrer, indígenas e não indígenas. Os garimpeiros são invasores que roubam o ouro, que tem que ficar embaixo da terra.”
Os indígenas escreveram que as suas verdadeiras riquezas “são os conhecimentos tradicionais, a nossa saúde, nossos rios limpos e nossas crianças crescendo felizes. Os garimpeiros estão destruindo a nossa riqueza. O nosso trabalho não é o garimpo, o nosso trabalho é a roça, é o artesanato, temos nossas formas próprias de gerar renda a partir de nossos conhecimentos sobre a floresta. Nossos conhecimentos têm mais valor que o ouro”.
Há quase seis meses as praias do litoral nordeste brasileiro foram invadidas por toneladas de petróleo cuja origem ainda segue desconhecida. Já são mais de 10.000 toneladas de óleo e resíduos recolhidas da costa brasileira. A maior parte desses resíduos foram retirados por voluntários. O poder público segue sem dar à sociedade uma resposta concreta sobre o maior vazamento de óleo da história brasileira.
Diante desse cenário de total inoperância do poder público para conter o vazamento e de silêncio sobre os devastadores impactos do desastre ambiental, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou, no Rio de Janeiro, na tarde desta quarta-feira, 5, uma audiência pública de preparação novas rodadas de licitação de exploração de combustíveis fósseis.
Na audiência, Renan Andrade, gestor ambiental e representante da 350.org, provocou os agentes públicos. “Quanto custa explorar petróleo, gás e carvão? Quanto mais teremos que pagar com vidas para que poucos ganhem muito dinheiro e tenham uma vida confortável em detrimento da natureza e da vida de milhões? Quanto mais os estados e municípios terão que arcar com os prejuízos desta indústria atrasada e obsoleta? Pois o lucro é privado e os prejuízos coletivos”, disse.
O ativista cobrou respostas da ANP e das autoridades e, ao fim da audiência, entregou à presidente da audiência pública, um oil toy: um cavalo marinho de pelúcia manchado, simbolicamente, de óleo: “Ano passado lançamos uma campanha chamada Oil Toys em que pedimos que o maior vazamento de óleo da história não vire brincadeira. Se a ANP e a indústria fóssil insistir nessa postura, comprometerá o futuro de milhões de brasileiros. Por isso, entregamos o cavalo marinho à ANP como um símbolo de nossa luta pelo futuro das novas gerações, para que não tenham o seu futuro condenado pela ganância de quem ignora dados concretos sobre mudanças climáticas e insiste na exploração dos combustíveis fósseis”. A presidente da audiência pública se prontificou a entregar ao presidente da ANP, Décio Odone, o oil toy símbolo da campanha #MarSemPetróleo.
Suelita Röcker, diretora do Instituto Arayara e que também participou da audiência pública no Rio de Janeiro, cobrou da ANP licitude e transparência. “A Constituição é clara: a recusa a fornecer informações requeridas nos termos da Lei de Acesso à Informação, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-las intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa comprovam crime improbidade administrativa. A ANP faz isso ao cobrar valores estratosféricos para a obtenção de dados técnicos”, destacou.
Requerimento protocolado pede explicações
Antes da audiência, Suelita Röcker protocolou na ANP um requerimento do Instituto Arayara pede “o franqueamento gratuito de todas as informações e documentos atinentes ao certame – em especial ao conteúdo do pacote de dados técnicos para blocos exploratórios – aos cidadãos interessados em acompanhar o procedimento licitatório, inclusive sinalizando postura de deferência à Carta Política do Estado e à Lei Federal n. 12.527/2011, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal”.
Oil Toys
Criada ainda em 2019, a campanha cobra ações do poder público e convida a sociedade para uma mobilização social para impedir que o vazamento vire brincadeira. O primeiro vídeo da parceria entre o Instituto Arayara e agência INNOCEAN Worldwide foi exibido, na COP-25, em Madri, durante a exposição #MarSemPetróleo. O recado é claro: NÃO DEIXE O MAIOR VAZAMENTO DE OLEO DO BRASIL VIRAR BRINCADEIRA!
“Ouvimos que os peixes são inteligentes e fogem do petróleo no mar. Então, decidimos responder com humor ácido a esse tipo de manifestação. Não é brincadeira. Não pode ser tratado como brincadeira. Tudo isso diz respeito à vida de milhões de pessoas que dependem da pesca, do turismo e outras fontes de subsistência que vem do mar. Essas pessoas precisam sobreviver e estão sem resposta, sem dinheiro e não merecem ouvir piadas. Merecem respeito e dignidade”, enfatizou Nicole Oliveira, diretora da 350.org América Latina.
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