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Brumadinho: leia um relato de quem viu de perto a tragédia

Brumadinho: leia um relato de quem viu de perto a tragédia

Três dias após acontecer a maior tragédia ambiental da história do Brasil, o gestor ambiental Renan Andrade, da 350.org e Arayara, chegou a Brumadinho, Minas Gerais. Com 18 anos de experiências atuando com meio ambiente, desastres e crimes ambientais, Andrade ficou paralisado ao ver de perto a imensidão de lama e rejeitos que romperam a barragem do Córrego Feijão. “Foi um impacto físico. De um lado a população chorando a perda de familiares, amigos, sonhos, vida. De outro, a devastação provocada pela sanha humana por dinheiro e lucro. Ao mesmo tempo que sentia uma dor e uma tristeza, me solidarizava com os moradores locais, sentia raiva e o peso da injustiça, tão presente no Brasil”.

Hoje, um ano após a tragédia/crime de Brumadinho, Renan Andrade ainda se emociona. Ele cobra justiça e afirma que, “mesmo havendo justiça, o sentimento de tristeza e devastação serão eternos”.

Confira a entrevista:

Qual foi o cenário que você encontrou ao chegar na cidade de Brumadinho no dia 28 de janeiro, três dias após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão?
Meu primeiro contato foi com o rio Paraopeba cheio de lama, um vermelho escuro que parecia que aquele rio estava sangrando. Um morador local olhando incrédulo para aquilo que me disse: “Mataram nosso rio, o que vamos fazer agora?” O cenário era desolador, famílias desesperadas em busca de informações sobre vítimas desaparecidas, autoridades chegando a todo momento, mas sem tomada de decisões efetivas, a imprensa do mundo todo buscando respostas e a Vale, a empresa que cometeu o maior crime socioambiental da história do Brasil, cerceando o acesso aos locais do crime, o que gerou muita revolta e reação dos moradores.

Havia muitas pessoas de fora do Brasil em Brumadinho? Se sim, qual a impressão delas sobre a tragédia e a capacidade de resposta do poder público?
Sim, muita gente da imprensa, analistas técnicos, ONGs, voluntários, enfim, uma infinidade de setores que buscavam, no primeiro momento, se solidarizar com as famílias das vítimas, e a impressão deles, acredito, que parecida ou igual a minha, algo que jamais poderia ter acontecido, uma mistura de angústia e tristeza que é inexplicável.  Já o estado, não conseguia dar as respostas necessárias, primeiro porque foi conivente com tudo que aconteceu, flexibilizando a legislação ambiental para que licenças fossem emitidas, não fiscalizando como deveria a barragem e a empresa, ou seja, tinha que dar uma resposta que não o comprometesse ainda mais; e depois porque o poder econômico da empresa sequestrou a capacidade de resposta do estado, o tornando dependente. Porém, os lucros que a empresa teve, inclusive pós-tragédia, é dos acionistas; já os custos com o deslocamento de aeronaves, bombeiros, médicos, hospitais, fomos nós que pagamos. Infelizmente esse é o modelo que temos de mineração no país e no mundo.

E sobre a atuação de voluntários e o sentimento deles diante da tragédia?
Eu julgo importante dizer que não foi uma tragédia. Tragédia pra mim tem outro sentido. Vejo o ocorrido como um crime premeditado, com requinte de crueldade, haja vista que a Vale sabia de tudo, o número de pessoas que morreriam e quanto iriam ter que gastar caso isso acontecesse. Sabiam em Mariana, sabiam em Brumadinho, e sabem de mais um monte de locais onde operam. Isso posto, como já disse anteriormente, o sentimento era de angústia e tristeza, que se transformava em revolta, pois quem deveria cuidar da sociedade (estado) não teve a capacidade de fazê-lo e é, na verdade, aliado de uma empresa que mais parece uma máquina de moer gente para fazer dinheiro. 

Você conheceu parentes e amigos de vítimas? Qual era o sentimento deles diante de tudo o que houve?
O sentimento principal era de revolta, pois tinha muita gente querendo ajudar e não podia. Além do que, grupos e movimentos daquela região, como o Movimento pelas Serras e Águas de Brumadinho, há muito tempo vinham denunciando os desmandos governamentais e os perigos que a empresa oferecia para toda a comunidade e, ainda assim, nada foi feito.

Pelo que viu e ouviu nos dias em que esteve em Brumadinho, era possível ter evitado essa tragédia?
Sim, se a legislação vigente no país fosse respeitada teríamos uma chance. Se os esquemas milionários de corrupção que envolvem a mineração não permeassem os setores governamentais, outra chance. E, lógico, se as empresas que fazem os laudos técnicos de estabilidade tivessem responsabilidade com as pessoas, se tecnologias avançadas no processo e sistemas de gerenciamento ambiental e de riscos fossem aplicados… Tudo isso ajudaria a minimizar os riscos. Mas o que vimos foi o contrário, empresas e governos num conluio criminoso que vitimou centenas de pessoas e deixou famílias inteiras desamparadas. Infelizmente o modelo minerário no país e no mundo fez, faz e continuará fazendo milhares de vítimas. 

Quais histórias mais impactantes você viu e ouviu em Brumadinho?
Foram inúmeras histórias, mas três me marcaram mais. A primeira foi de uma vítima que estava dentro de uma caminhonete que depois do ocorrido, estava soterrado e ligou para pedir ajuda, diante da quantidade de lama que ali estava foi impossível socorrer a pessoa, o que me fazia pensar no desespero e sofrimento da vítima antes do fim da sua vida.

A segunda foi de um amigo meu que chegou na hora do ocorrido para ajudar nos resgates e se deparou com 17 cabeças sem seus corpos, teve que ajudar a lavar essas cabeças para que pudessem ser reconhecidas e as famílias pudessem dar um enterro digno para essas pessoas. E é assim que funciona, quando falam que encontraram mais “corpos” na sua grande maioria, é apenas um membro ou parte do corpo, que é encaminhado pra família. Isso trazia profunda angústia e dor naquele momento.

E a última, foi quando fui buscar informação com uma senhora muito humilde, moradora do bairro do Córrego do Feijão, e no decorrer da conversa perguntei se ela tinha perdido alguém. Ela disse que sim, uma filha, e como não tinha visto o corpo dela, pra ela a filha ainda estava ali e iria voltar, e aquilo não passava de um sonho ruim que ela tava vivendo. Neste momento a única reação que tive foi de dar um abraço e chorar junto com ela.

Acho que ninguém merece isso, mas aquele povo, humilde, solidário e humano merecia menos ainda.

É possível fazer uma correlação entre o que aconteceu em Mariana e o que aconteceu em Brumadinho? 
Sim: a ausência do estado na fiscalização. Flexibilização de leis para atender interesses das empresas. Corrupção permeando todos os setores. E o interesse no lucro acima da vida.

Você é mineiro, está acostumado com a história do seu estado e a mineração. Pelo que tem visto em sua atuação como gestor ambiental, a mineração gera o que promete: desenvolvimento e crescimento econômico e social?
Não. A mineração nos moldes que está estabelecida hoje só faz o contrário. Eles trabalham num tripé para se manter: violação dos direitos humanos, violação dos direitos ambientais e violação dos direitos trabalhistas. Um tripé que não é nada sustentável.

O desenvolvimento econômico prometido nunca chega, o que chega são os problemas sociais e ambientais e ainda o sequestro do poder público que fica refém das empresas por não conseguirem desenvolver outras atividades nos seus municípios, além da conta que chega sob os aspectos da saúde de quem vive no entorno de uma mineradora. 

Um mundo sem minérios não é possível. Ou seja, a mineração é uma atividade que precisa ser realizada. Há um caminho para que seja realizada essa prática de forma que respeite a vida em todas as suas formas?
Entendo que sim. Com o endurecimento da fiscalização das atividades das empresas, cumprimento da legislação ambiental e trabalhista, responsabilidade sobre os direitos humanos e principalmente com controle social efetivo.

Mina Guaíba será um desastre para a saúde da região metropolitana

Mina Guaíba será um desastre para a saúde da região metropolitana

Por Profa. Dra. Olga Falceto
Professora aposentada da Faculdade de Medicina da UFRGS
Coordenadora de Ensino do Instituto da Família

Sou médica e professora universitária. Sou avó de 7 netos. Por eles e pelas outras crianças tenho extrema preocupação com as mudanças climáticas que já aumentaram em mais de um grau a temperatura média mundial. Em Porto Alegre nos últimos dez anos cada verão vimos sentindo uma novidade: o efeito de pequenos ciclones. Recém tivemos novamente essa experiência.

Já está bem estabelecido que temperaturas extremas afetam a saúde de forma intensa: aumentam as mortes de velhos e crianças, os suicídios e surtos, as brigas e a violência.

O impacto é ainda mais grave quando se examina a poluição do ar. O material particulado 2.5 (PM 2.5), tão pequeno que não pode ser visualizado, penetra nos pulmões e na corrente sanguínea e causa morte em populações mais sensíveis com risco pulmonar ou cardiovascular. Também causa doenças crônicas, inclusive câncer. Seu efeito está bem documentado com evidencias na literatura médica.

Poluição do ar e aumento da temperatura se combinam no chamado efeito estufa que aumenta o teor de CO2 e outros gases a ponto que, em países como a China, com frequência é necessário usar máscaras para sair à rua.

Poluição do ar e aumento da temperatura são resultado de fábricas, meios de transporte e mineração entre outros. Trazem também o envenenamento do solo e da água pelos químicos que eliminam.

Os países avançados já decidiram que em 50 anos ou menos só usarão energia limpa renovável. Mesmo a China está diminuindo todos os poluentes e em especial diminuindo o uso de carvão mineral que era fundamental em sua indústria.

E qual a consequência dessas decisões? Estão querendo transferir para nós essa produção, são grandes financiadores da Mina Guaíba que está querendo se instalar em Charqueadas e Eldorado do Sul.

Essa mina em seus 23 anos de exploração explodirá nosso solo com a potência de 2 bombas de Hiroshima. Serão muitas explosões por dia para extrair o carvão mineral. E para onde irá o pó, já que ela estará situada a apenas 16 km do centro de Porto Alegre?

Afora isso, a mineradora não detalhou no EIA-RIMA a composição do carvão mineral da área, sabidamente uma compactação ao longo dos tempos, de quase todos os elementos químicos da tabela periódica, inclusive os mais tóxicos e radioativos. Estes provavelmente serão lavados para dentro do rio Jacuí em uma de suas muitas inundações, afetando a nossa água do Lago Guaíba.

Também planejam esgotar o aquífero subjacente à área para chegar ao carvão e com isso acabarão com potencial reserva de água para Porto Alegre e prejudicarão toda a agricultura e pecuária ao redor. Além disso comprometerão a fauna e flora do Parque Estadual do Jacuí que serve de filtro natural de nossa água.

Todos esses fatores afetarão a saúde dos habitantes da região metropolitana de Porto Alegre, mas o mais agudo e diário é sem dúvida o nível de PM 2.5 no ar que já é de risco moderado em alguns dias conforme mostram os monitores de poluição do ar colocados em 5 unidades básicas de saúde da cidade pelo grupo Porto Ar Alegre.

As mudanças climáticas já estão prejudicando a saúde de crianças no mundo todo e vão determinar o bem-estar da próxima geração, a menos que o mundo cumpra as metas do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a abaixo de 2 °C. O novo paradigma em saúde, a Saúde Planetária (para além da saúde pública e saúde global) chama a uma reestruturação radical de nossa forma de produzir e consumir. Está centrado na ideia de pensar global e agir localmente. A poluição do ar já existente em Porto Alegre e os riscos trazidos pela mina de carvão mineral Guaíba que quer se instalar aqui ao lado são dois importantes problemas a enfrentar. A saúde da região está em risco. E quem quererá morar na cidade coberta de pó escuro  em que vamos nos transformar?