No próximo dia 12 de março , às 18h, acontecerá a audiência pública para discussão do licenciamento ambiental da Usina Termelétrica (UTE) Brasília dentro do rito do processo de licenciamento ambiental junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Durante o evento, a empresa Termo Norte Energia apresentará o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), mas a comunidade local e ambientalistas questionam a instalação da usina fóssil, chamando atenção para os riscos irreversíveis que o empreendimento pode trazer ao meio ambiente e à população, sobretudo, pelo contexto de poluição e contaminação hídrica no rio Melchior.
Impacto hídrico grave
Com capacidade instalada de 1.470 MW e abastecida por gás natural, a UTE Brasília será implantada na Região Administrativa de Samambaia, com infraestrutura se estendendo até o Recanto das Emas. O gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA, John Wurdig alerta que para operar, o empreendimento captará 110 mil litros de água por hora do Rio Melchior, devolvendo 94% desse volume já tratado. “Isso significa que, diariamente, mais de 144 mil litros de água serão perdidos, um impacto alarmante para uma região que enfrentou uma histórica escassez hídrica entre maio e outubro de 2024″, pontua o engenheiro ambiental.
Wurdig destaca que o Rio Melchior, um dos principais cursos d’água do Distrito Federal, já sofre com poluição severa. Classificado como Classe IV — a pior categoria de qualidade da água segundo a legislação brasileira —, ele recebe despejo de esgoto tratado e não tratado, resíduos de indústrias, frigoríficos, aterros sanitários e atividades agropecuárias. “A implantação da usina pode ser o golpe final para a sobrevivência do rio”, completa.
De acordo com informações do próprio empreendedor, a UTE será construída em parte do imóvel Fazenda Guariroba, cobrindo uma área total de 191,895 hectares, enquanto a área designada para a usina abrange 70,38 hectares e destes 31,91 hectares de vegetação nativa do Bioma Cerrado serão suprimidas. Também para a instalação desta usina será removida/realocada a Escola Classe Guariroba que possui mais de 500 estudantes.’,
“Se instalada, a UTE estará a aproximadamente 38 km do Aeroporto Internacional de Brasília e a 35 km da Praça dos Três Poderes”, relata Wurdig.
Dados defasados e impactos socioambientais
A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (ADASA) concedeu à Termo Norte Energia a outorga prévia de uso de água com base em dados de 2012, ignorando a realidade hídrica atual.
Würdig destaca que a análise do EIA RIMA da UTE Brasília revelou níveis alarmantes de arsênio nos sedimentos do Rio Melchior, ultrapassando os limites ambientais permitidos. “Apesar da contaminação associada a diversas atividades humanas, a usina prevê captar 2,64 milhões de litros de água por dia. Alertamos que a presença desse elemento tóxico representa um grave risco à saúde pública, podendo causar doenças como o câncer”, adverte.
Outra preocupação é que a usina será erguida em uma área de 191,8 hectares, incluindo a remoção de 31,9 hectares de vegetação nativa do Cerrado. Além do impacto ambiental, há o fator social: a Escola Classe Guariroba, que atende mais de 500 alunos, será removida para dar lugar ao empreendimento.
Outra preocupaçao diz respeito ao impacto gerado no setor de energia solar que emprega milhares de pessoas no DF e movimenta a economia e mais de uma centena de empresas, pois a instalaçao de uma termelétrica a Gás Natural ira utilizar infraestrutura de transmissão e distribuição que hoje é de uso deste pujante setor da economia, o que poderá inclusive gerar desemprego, pois hoje Termeletricas a Gas Natural Fóssil após a construção emprega poucas pessoas, devido o alto índice de automação e especialização da mão de obra.
Já sob o aspecto da qualidade do ar e a poluição atmosférica, estudos e simulações realizadas pelo departamento de GeoCiências e Saúde Ambiental da ARAYARA, demonstram que 100% de todo plano piloto e regiões administrativas do DF serão atingidas pela massa de poluentes tóxicos a serem lançados pela queima do GNL na produção de energia elétrica, acarretando danos a saúde e prejuízos ao encarecimento da saúde da população, como o acometimento de mais doenças respiratórias, bem como outras questões ainda em estudo, devido às particularidades dos ventos em predominância no DF e o fato do ar extremamente seco e as plumas de poluentes que devem pesar sobre a atmosfera de Brasilia, atesta os especialistas.
CPI para investigar responsabilidades pela poluição do Rio Melchior
Diante da grave degradação do Rio Melchior, que abastece 1,3 milhão de pessoas e alcançou o nível 4 de contaminação – a pior classificação ambiental no Brasil –, e da ameaça representada pela instalação da UTE Brasília, na sessão ordinária da Câmara Legislativa do Distrito Federal da última terça-feira, deputados distritais anunciaram a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para para apurar os responsáveis pela poluição do Rio Melchior.
A deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania), autora do pedido, enfatizou a urgência da investigação: “Há uma comunidade sendo prejudicada pela poluição do rio, e essa população é extremamente carente. Precisamos garantir dignidade para essas pessoas”.
Mobilização e resistência
A ARAYARA, o Movimento Salve o Rio Melchior entre outras organizações da sociedade civil, repudiam a emissão da outorga dada à Termo Norte Energia e afirmam que continuarão pressionando as autoridades para barrar a instalação desta usina.
O pós-doutor em Energias e diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno de Araújo, alerta que, em 2024, o Distrito Federal registrou o maior período de seca de sua história, com 167 dias sem chuva. “Agora, a população da região do Rio Melchior teme a instalação da UTE Brasília, um verdadeiro ‘vampiro hídrico’, que agravará ainda mais a crise e aprofundará o contexto de racismo ambiental na localidade”, afirma.
Apesar de ser um dos países mais ricos em recursos hídricos, o Brasil já perdeu 40% de sua água disponível e enfrenta uma gestão cada vez mais precária, ressalta Araújo. Ele também destaca que o Instituto Internacional ARAYARA, eleito segundo suplente no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), tem acompanhado os desafios crescentes na distribuição e preservação da água no país. Segundo ele, há uma preocupante limitação da participação social nas decisões sobre os recursos hídricos, mesmo diante de promessas de mudança.
Com a audiência pública se aproximando, cresce a pressão sobre os órgãos reguladores para revisarem a concessão da licença. “A população do DF e entidades da sociedade civil esperam que as denúncias sejam levadas a sério e que a instalação da UTE Brasília seja barrada antes que seja tarde demais”, conclui Araújo.