Consulta Pública aberta pelo Ministério de Minas e Energia (MME) recebeu contribuições da sociedade civil para pensar o papel da indústria de óleo e gás na transição energética.
Em seu posicionamento, o Instituto Arayara destacou o agravamento da emergência climática global e a grande responsabilidade dos combustíveis fósseis neste cenário, apontando que impulsionar o petróleo não é imperativo para a transição.
Aberta para discutir com a sociedade “os princípios de Transição Energética Justa, Inclusiva e Equilibrada”, segundo o documento da proposta, a Consulta Pública (CP-163), porém, continha um complemento: “Caminhos para o setor de O&G viabilizar a nova economia verde”. Essa e outras ações da política brasileira demonstram um país ainda inclinado a impulsionar a indústria de petróleo, gás natural e carvão para viabilizar a transição energética.
Em entrevista ao programa de rádio Voz do Brasil, em 16 de maio, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi enfática: “Nós temos que parar de explorar carvão, petróleo e gás; isso é a fonte (das mudanças climáticas)”.
Na mesma semana, em entrevista ao Valor Econômico, o climatologista brasileiro, Carlos Nobre, um dos autores do 4º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), também pontuou: “Nenhum de nós, cientistas climáticos, dá qualquer apoio para aumentar a exploração de combustíveis fósseis. Não se pode abrir novas minas de carvão, poços de petróleo e gás natural e não podemos usar o que já está aberto. Tem que reduzir o uso do que já está aberto”.
De um lado o país avança, se comprometendo com acordos e instrumentos legais globais de mitigação climática. De outro, através de diferentes instrumentos de sua política interna, impulsiona e subsidia indústrias intrinsecamente relacionadas ao agravo das mudanças climáticas e que comprometem tanto os planos nacionais de adaptação quanto os acordos internacionais de mitigação.
Segundo o gerente de Energia e Clima do Instituto Internacional Arayara, Anton Schwyter, “o país tem capacidade de transição maior por dispor de maior potencial de energia renovável, e portanto deve buscar reduções mais rápidas do que a média global”.
Se a grande preocupação do setor é a lacuna financeira que se acarretaria pelo não-impulsionamento da exploração de óleo e gás e que se refletiria em a) perda de empregos; b) estacionamento da infraestrutura representada pelos navios, plataformas, usinas e minas; ou c) desparticipação no mercado internacional que comprometeria a balança comercial de importação-exportação do país, ele demonstra, ao mesmo tempo, um descompromisso em colocar esforços na construção de um novo modelo de negócios que acompanha as necessidades socioambientais globais, além de uma insensibilidade em face à conta final de suas atividades.
Ao passo que muitos países com menos oferta de fontes naturais que poderiam subsidiar uma produção energética de baixo carbono estão desde já construindo soluções criativas em resposta à demanda social, fruto de uma maior consciência ambiental da contemporaneidade, e também diante dos sinais de alerta da natureza condensados em eventos climáticos extremos, o Brasil demonstra morosidade em alavancar políticas internas que impulsionem a transição energética, que significa construir e subsidiar as estruturas de fontes renováveis, treinar e formar os profissionais para essa indústria, e minimizar os impactos econômicos dessa mudança de rota, ou seja, preparar o caminho para o chamado “shut down” (desligamento das fontes fósseis).
Em sua contribuição para à Consulta Pública do Ministério de Minas e Energia, o Instituto Internacional Arayara reforçou que transição energética não é impulsionar a indústria de petróleo e gás “até a última gota” a fim de se extrair ou reservar os recursos necessários para a construção da nova política energética que o mundo precisa. Não haverá tempo nem planeta para isso, pois os sinais já nos chegam que a transição deve ser feita já, com os recursos que existem – tanto os naturais quanto os financeiros. E eles estão prontos e disponíveis, esperando decisão política e empenho.
O que pensa o Instituto Internacional Arayara
Leia, a seguir, um trecho da contribuição do Instituto Internacional Arayara à Consulta Pública 163/2024 do Ministério de Minas e Energia.
“O papel da Petrobras na transição energética é um assunto complexo que envolve considerações econômicas, sociais e ambientais. Além disso, dada a sua relevância como a maior empresa do país, tem enorme capacidade de influenciar a direção e o ritmo da transição energética no país.
A Petrobras pode desempenhar um papel crucial na transição energética investindo em energias renováveis, como solar, eólica, e biomassa, além de contribuir no desenvolvimento de projetos de geração de energia renovável, aquisição de empresas de energia limpa, assim como na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.
O plano estratégico da Petrobras para 2023-2027 destina 83% dos recursos para exploração e produção de petróleo e gás. A atenção com renováveis no plano é irrelevante.
As consequências das mudanças climáticas são evidentes, as últimas décadas de 1990 e 2000 foram as mais quentes dos últimos mil anos e de acordo com as projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), os próximos 100 anos indicam um aumento da temperatura média global entre 1,8°C e 4°C, como também um aumento no nível médio do mar entre 0,18 m e 0,59 m, o que pode afetar de maneira significativa as atividades humanas e os ecossistemas (INPE, 2024). Outro fator extremamente importante é que o aumento das concentrações de GEEs e o aquecimento global constante, contribuem na mudança de outras variáveis climáticas, como alterações no regime, na quantidade e na distribuição das chuvas, acarretando em eventos climáticos extremos (IBAMA, 2022).
O início das ocorrências de tais eventos era prevista para 2030 (IPCC, 2023), no entanto, o avanço acelerado da indústria e da devastação, antecipou o prognóstico catastrófico, fazendo com que esses desastres já ocorram no presente, com incidências cada vez mais frequentes e com ocorrência em diversas localidades do globo, incluindo o Brasil. Entre os anos de 2023 e 2024, a Amazônia e o Pantanal registraram secas históricas, ao passo que, no Rio Grande do Sul registrou-se inundações sem precedentes.
Os desequilíbrios ambientais impactam significativamente a vida humana, como o exemplo citado dos eventos no RS. Sendo fatores como gênero, etnia e renda predominantes para a vulnerabilidade frente às mudanças climáticas. De acordo com o Observatório do Clima, entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas em todo o mundo vivem em regiões ou em contextos atualmente vulneráveis às mudanças climáticas (UNICEF, 2022).
Cumprir as metas das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) é crucial para o Brasil enfrentar os desafios das mudanças climáticas, proteger seu meio ambiente, impulsionar sua economia e garantir sua posição como um líder global na luta contra as mudanças climáticas.”