A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados realizou, nesta quarta-feira (27), uma audiência pública para discutir a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas. A iniciativa, solicitada pelos deputados Júnior Ferrari (PSD-PA), Sidney Leite (PSD-AM) e Silvia Waiãpi (PL-AP), aconteceu no plenário 14, em Brasília, reunindo representantes do governo, ambientalistas e especialistas.
Potencial energético e desafios Ambientais
A Margem Equatorial Brasileira, que se estende do Rio Grande do Norte ao Amapá, é considerada uma das últimas fronteiras exploratórias de petróleo e gás do país. A região ganhou atenção internacional após descobertas significativas no Suriname e Guiana, mas também é reconhecida pela sua rica biodiversidade e vulnerabilidade socioambiental.
Durante a audiência, Vinícius Nora, gerente de operações do Instituto Internacional Arayara, defendeu a exclusão da Costa Amazônica dos planos de exploração de petróleo. Ele apresentou dados dos Monitores Oceano e Amazônia Livre de Petróleo, que indicam o aumento do nível do mar e os impactos irreversíveis na fauna e flora locais. Nora também criticou a ausência de diálogo com comunidades tradicionais e pesqueiras e o Ministério da Pesca e denunciou ameaças sofridas por membros da ARAYARA e outras organizações que atuam na região, atribuindo-as a esforços para silenciar a oposição à exploração.
Confira a participação do Instituto Arayara representado pela exposição de Vinicius Nora:
Petrobras e o Plano de Exploração
A gerente-geral de Licenciamento e Meio Ambiente da Petrobras, Daniele Lomba, destacou a importância da Margem Equatorial para o plano estratégico da companhia. Segundo Lomba, a Petrobras pretende perfurar 15 novos poços na região nos próximos cinco anos, como parte de um investimento de US$ 7,9 bilhões. No total, 51 poços serão perfurados em diferentes bacias do país.
“Já perfuramos mais de 700 poços na região, mas buscamos avançar agora para águas profundas. Essa iniciativa é essencial para garantir a autossuficiência energética do Brasil”, afirmou Lomba.
Ibama e o Impasse na Licença Ambiental
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) esteve no centro de uma controvérsia envolvendo o pedido de licença para exploração do bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas. Apesar das recomendações técnicas para o arquivamento do processo devido a falhas nos estudos apresentados pela Petrobras, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, decidiu manter a tramitação do pedido.
Na audiência de hoje, Agostinho ressaltou que as licenças ambientais são emitidas com base em rigorosos critérios técnicos, assegurando a viabilidade ambiental dos empreendimentos.“Embora sejamos sensíveis aos apelos sociais e econômicos relacionados a esses projetos, é fundamental destacar que o trabalho dos nossos técnicos, reconhecidos como alguns dos mais qualificados do país, está estritamente focado nos aspectos técnicos e ambientais”, afirmou. Sobre a transição energética, Agostinho reforçou sua relevância e urgência no contexto global, mas esclareceu que essa pauta não se encontra no âmbito de responsabilidade do IBAMA.
Conflito de Interesses e Pressões Internacionais
A exploração na Margem Equatorial tem dividido opiniões dentro e fora do governo. Enquanto representantes como a deputada Silvia Nobre (PL-AP) defendem a atividade como solução para os desafios econômicos do Norte do Brasil, ambientalistas alertam para os riscos à biodiversidade e ao clima global.
“A oposição do Ibama à exploração está condenando o povo do Norte e do Amapá à miséria. Queremos ser soberanos e explorar nossa floresta”, declarou a então Deputada, criticando o órgão ambiental.
Por outro lado, Juliano Bueno de Araújo, diretor-presidente da ARAYARA, destacou as pressões enfrentadas pelo Brasil. “O governo está dividido. De um lado, o Ministro de Minas e Energia e a presidência da Petrobras pressionam pela exploração, alertando para a necessidade de evitar a importação de combustíveis a partir de 2030. De outro, há uma demanda internacional crescente por compromissos concretos de proteção ambiental e climática”, afirmou.
2024-11-27 Audiencia Publica Petroleo foz do Amazonas Congresso-17
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Cinco dias antes do início da COP 29 (29a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – CQNUMC/ UNFCCC), a Diretoria Executiva da Petrobrás aprovou uma medida esperada há anos: a Petrobrás Biocombustível S.A. (PBio) não será vendida tão cedo. A decisão atende ao pleito de trabalhadores do setor de energia que se mobilizam nas últimas décadas em defesa da PBio.
Artigo de Opinião
Por Renata de Loyola Prata – advogada, assistente da Diretoria Executiva da ARAYARA
A PBio foi fundada em 2008 como subsidiária integral da Petrobrás e, desde então, houve sucessivas iniciativas de minguar a empresa, sempre resistidas pelos trabalhadores da PBio e petroleiros. Os trabalhadores da subsidiária, assim como da Transpetro, se organizam nos Sindipetros, tendo em vista que a atividade econômica preponderante da empresa matriz é a exploração, produção, refino e transporte de petróleo e gás. Em 2021, houve uma greve nacional contra a privatização da PBio, chegando à adesão, na Bahia, de 100% dos trabalhadores da usina. A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) ingressou com uma ação popular contra a tentativa de privatização. Além disso, o Sindipetro/MG, Sindipetro/BA, Sindipetro CE/PI, em convergência, propuseram uma ação civil pública. No bojo dessa ação judicial, o Ministério Público Federal apresentou parecer favorável à suspensão do processo de concessão.
Atualmente, a PBio é proprietária de três usinas de biodiesel: duas em funcionamento localizadas na Bahia e em Minas Gerais e uma hibernada no Ceará. Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), a subsidiária foi pioneira no desenvolvimento de tecnologias e da produção de biodiesel no Brasil, atingindo a colocação de maior produtora de biodiesel no país, também atuando na produção de etanol. Entretanto, em 2023, a subsidiária produziu o menor resultado em toda sua história: apenas 91 mil m³ de biodiesel.
De acordo com a cartilhaapresentada na COP 27, desenvolvida pelo Instituto Internacional ARAYARA, Sindipetro-RJ entre outras organizações de ensino e pesquisa e da sociedade civil, a empresa de economia mista é uma das melhores apostas para o Estado brasileiro de fato promover uma transição energética justa no país, mesmo após sua abertura para o investimento privado nos anos noventa, e o início dos leilões, possibilitando a venda de blocos de petróleo e gás para empresas privadas explorarem. Embora longe do cenário ideal, a empresa ainda é controlada pela União e, no início deste ano, o Estado detinha diretamente mais 50,26% de suas ações ordinárias.
A emergência climática é assunto de caráter público e coletivo, tendo em vista que gera danos para toda a população e perpetua injustiças sociais, raciais e de gênero. A necessidade de abandonar o petróleo, gás e carvão e zerar o desmatamento, como premissas para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, impõe tarefas transversais, coordenadas, robustas e que, necessariamente, reduzirão a margem de lucro do setor de combustíveis fósseis e da agropecuária insustentável e irresponsável. Inclusive, após anos de letargia desde o Rio 92, finalmente na COP do ano passado, constou no acordo aprovado no final da conferência, pela primeira vez na história da CQNUMC/ UNFCCC, que é necessária a “transição em direção ao fim dos combustíveis fósseis”. Devido a sua natureza, essas tarefas dificilmente serão orquestradas por outro ator senão o Estado imbuído de participação popular sobretudo de comunidades já afetadas pelo caos climático e poluição gerada por esses setores.
Por isso, a reversão de privatizações no setor elétrico é mais comum mundo afora. Em junho do ano passado, a França concluiu a reestatização da Électricité de France (EDF), geradora de energia. Desde o ano 2000, a Alemanha reestatizou 284 empresas do setor de energia, a Austrália 13, a Holanda 6, a Espanha 19, o Reino Unido 15 e os Estados Unidos 11. Nesse sentido, a luta dos trabalhadores da PBio e petroleiros continua, tendo em vista que o horizonte é mais ambicioso do que retirar a subsidiária do rol de privatizações. A demanda é para que os empregados da PBio sejam incorporados ao Sistema Petrobrás, havendo um plano de cargos único e firmando acordos coletivos unitários, assim valorizando os trabalhadores e fortalecendo a atividade.
Medidas como essa, que trazem maior potência à PBio contribuem para que o país aprimore sua estrutura institucional na mitigação climática. A nova NDC (Contribição Nacionalmente Determinada) que a delegação brasileira apresentou na COP hoje em curso, está longe de prever todas as medidas que de fato nos afastem do precipício climático e social. Entretanto, o destaque que o Brasil dotou aos biocombustíveis é um importante passo e precisa ser materializado em uma agenda de fortalecimento da PBio, dando continuidade às boas novas sobre a subsidiária. Essa tarefa, evidentemente, deve ser trilhada com salvaguardas, compreendendo que a indústria de biocombustíveis deve ser fortalecida para a mitigação climática e justiça ambiental.
Nesse sentido, conforme idealizado desde seu início, o Programa Nacional de Biodiesel, a produção de biocombustíveis deve ser integrada à agricultura familiar, priorizando pequenos fornecedores locais produtores de óleos (mamona, macaúba, caroço de algodão, entre outras), evitando monoculturas, gerando emprego e renda, fortalecendo uma cadeia de suprimentos sustentável e estimulando uma economia regenerativa. Aliado a isso, deve haver um firme compromisso da Petrobrás para afastar definitivamente de sua política a possibilidade de privatizar a PBio e que a subsidiária, bem como a Petrobrás sejam 100% estatais.
As soluções para a mitigação climática devem ser articuladas com ampla participação de comunidades atingidas e das categorias laborais mais próximas aos setores geradores de gases de efeito estufa. Essa troca mútua historicamente rendeu bons frutos, conforme argumenta Stefania Barca em “Workers of the Earth: Labour, Ecology and Reproduction in the Age of Climate Change” (2024). Recentemente no Brasil, experiências como as mobilizações contra os leilões de petróleo e gás da oferta permanente são escolas de ação climática, agitadas por quilombolas, indígenas, trabalhadores do Sindipetro-RJ e organizações da sociedade civil. Muito também nos ensina a luta vitoriosa dos petroleiros contra a privatização da PBio.
Em uma decisão que reflete o impasse entre as áreas técnica e administrativa, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) analisou a concessão de licença para exploração de petróleo pela Petrobras no bloco 59 da Bacia da Foz do Amazonas
A nota técnica, assinada por 26 técnicos do órgão, recomendou o arquivamento do pedido da Petrobras, apontando graves lacunas nos estudos ambientais apresentados pela empresa. Contudo, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, contrariou o parecer técnico e decidiu manter a tramitação do processo.
A negativa dos técnicos se baseia no novo Plano de Proteção e Atendimento à Fauna (PPAF), atualizado pela Petrobras, considerado insuficiente para mitigar os riscos ambientais. O parecer destaca falhas específicas nos estudos de impacto, afirmando que estes não garantem a segurança da biodiversidade marinha nem contemplam de forma satisfatória os riscos para comunidades indígenas, altamente sensíveis a um eventual desastre de vazamento de óleo.
A diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira, parabenizou a recomendação técnica do Ibama, que reforça preocupações antigas sobre os riscos que a exploração de petróleo traz para a Amazônia. “Há riscos evidentes e os estudos realizados são inadequados. Mesmo com modificações, o plano de emergência da Petrobras ainda não atende aos requisitos técnicos necessários para que o licenciamento prossiga. Agora esperamos que o processo seja arquivado pelo órgão.”, declarou.
Entenda os principais pontos da decisão técnica
Impactos socioambientais: Segundo o Ibama, a exploração de petróleo no bloco 59 poderia gerar impactos profundos em áreas de alta biodiversidade e em comunidades indígenas da região. Contudo, a Petrobras não abordou completamente as medidas de mitigação necessárias para minimizar esses impactos.
Plano de Proteção à Fauna (PPAF): A análise concluiu que o plano proposto pela Petrobras não detalha adequadamente a resposta em caso de vazamento. Pontos como equipes de atendimento, deslocamento de recursos e dificuldades meteorológicas que impactam resgates não foram especificados, comprometendo a eficácia do plano.
Ausência de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS): A falta de uma AAAS foi considerada um dos pontos críticos, pois essa avaliação permite analisar de forma abrangente os impactos acumulados das atividades petrolíferas na região. De acordo com o Ibama, a ausência desta análise amplifica o risco ambiental.
Impactos sobre comunidades indígenas: O órgão também questionou a análise da Petrobras sobre os efeitos das operações aéreas nas comunidades indígenas. A empresa argumentou que o ruído das aeronaves está associado ao aeródromo de Oiapoque, e não diretamente às atividades de perfuração. O Ibama, contudo, classificou essa justificativa como insuficiente e indicou que a análise de impactos indiretos deve ser mais detalhada.
Em resumo, a nota técnica sustenta que o pedido de licença ambiental da Petrobras não atende às normas exigidas, recomendando o arquivamento do processo. Apesar dessa recomendação, o presidente do Ibama optou por permitir que a discussão continue, alegando que a empresa poderia apresentar novos esclarecimentos.
Biodiversidade e comunidades tradicionais da Margem Equatorial em risco
A Margem Equatorial brasileira, considerada um potencial “novo pré-sal”, estende-se da foz do rio Oiapoque ao norte do Rio Grande do Norte e inclui bacias próximas à foz do Amazonas. A área, que abriga 80% dos manguezais do país e recifes fundamentais para a pesca, enfrenta forte oposição de ambientalistas e organizações internacionais, que alertam para os riscos de vazamento de óleo e os impactos climáticos da exploração fóssil.
Em 2023, o Ibama negou um pedido da Petrobras para exploração na costa do Amapá, solicitando mais dados sobre os potenciais danos ambientais. Apesar dos riscos, a região abrangida pelo bloco 59 é prioridade no plano estratégico da Petrobras para 2024-2027, que defende a exploração como essencial para a sustentabilidade dos negócios da empresa, mesmo em meio à transição energética.
“Lamentamos que o processo não tenha sido arquivado, pois isso abre margem para que o diálogo continue, quando, em nossa visão, o correto seria interromper qualquer avanço em direção à exploração de petróleo na Amazônia”, pontuou Oliveira.
Críticas de organizações e movimentos ambientais
A rejeição do parecer técnico pelo presidente do Ibama ocorre em meio a uma pressão internacional por parte de parlamentares latino-americanos que participam da Frente Parlamentar Global pelo Futuro Livre de Combustíveis Fósseis. Na semana passada, durante a COP16, ocorreu a primeira audiência pública da coalizão, com o apoio de mais de 800 legisladores de 95 países, que apelam pelo fim da expansão de petróleo, gás e carvão.
A ARAYARA marcou presença na audiência, onde apresentou dados alarmantes do Monitor Oceano sobre os impactos da exploração de combustíveis fósseis nos ecossistemas marinhos brasileiros. “Defendemos a interrupção e a saída gradual dos combustíveis fósseis na Amazônia”, declarou o gerente-geral da Arayara, Vinícius Nora.
Durante o evento, uma carta aberta de parlamentares de 11 países da América foi apresentada à ministra colombiana Susana Muhamad. O documento solicita novos compromissos concretos e tratados internacionais, complementando os acordos já estabelecidos pelo Acordo de Paris.
Aumenta a pressão do mercado para que a Petrobras seja autorizada a fazer estudos de exploração na foz do rio Amazonas. Por outro lado, a sociedade civil se organiza e tenta impedir que a região seja alvo da atividade petroleira.
Enquanto mantém um discurso de liderança na diplomacia ambiental, o Brasil enfrenta uma contradição dentro do seu próprio território. O país produz mais de 3 milhões de barris de petróleo por dia, é o nono maior produtor no planeta e o primeiro da América Latina. E a petroleira estatal Petrobras quer expandir ainda mais as perfurações, desta vez na Amazônia. A exploração seria bem próxima do estado do Pará, cuja capital, Belém, será sede da Conferência das Nações Unidas, a COP30, em 2025.
Passaram-se 16 meses desde que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu o pedido inicial da Petrobras de começar a perfurar poços para pesquisar se realmente há potencial de extração no local. A decisão foi baseada em diversas justificativas, como a falta de estrutura de atendimento à fauna em um eventual acidente. Isso porque, mesmo que apenas para pesquisa, as medidas de precaução devem ser praticamente as mesmas que no cenário de produção, já que os riscos são similares.
Essa é a segunda negativa para atividades de perfuração na região. Em 2018, o Ibama negou a emissão de licença para cinco blocos sob controle da empresa Total. Apesar da decisão técnica, a Petrobras não desistiu de obter a autorização. Desde então, a empresa continua insistindo com o órgão e, em paralelo, realizando expedições científicas para subsidiar seus argumentos. Em maio de 2023, a empresa protocolou um pedido de reconsideração da decisão, na qual se prontificou a ampliar seus esforços, inclusive investindo na base de estabilização de fauna na cidade de Oiapoque, para atuar em conjunto com a base já existente em Belém.
Ainda não se sabe ao certo quando o Ibama deve dar uma nova resposta, em cima do pedido de reconsideração da petroleira. Em nota, o Instituto informou que “a análise do processo está em andamento” e que “a equipe técnica continua avaliando as informações para elaborar um novo parecer técnico”, após “as complementações relativas ao Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF) pela Petrobras”, concluído em 02 de agosto de 2024.
No entanto, a pressão é grande. O próprio Governo Federal vem se dividindo sobre o tópico. O Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, defendem a perfuração o quanto antes, alegando que o país vai precisar importar o combustível a partir de 2030 se não for por esse caminho.
Já a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou em diversas ocasiões que a decisão do Ibama será puramente técnica. O presidente do Instituto, Rodrigo Agostinho, por sua vez, declarou em junho, em entrevista ao O Globo, que “o brasileiro não vai ficar sem gasolina por causa disso” e trouxe como um dos pontos de complexidade a falta de estudos na região.
Esperança por desenvolvimento e medo pelos riscos separam a população
A população do Amapá também se divide em opiniões. É o que observa Luene Karipuna, liderança indígena residente em Oiapoque, no Amapá, município no extremo Norte do Brasil, o mais próximo do local onde se planeja a exploração do petróleo. A cidade fica a 160km do bloco F-59, como é chamada a área da bacia sedimentar, no meio do oceano Atlântico, que está em discussão.
“Há um sentimento de que a pobreza vai acabar se começar a exploração de petróleo e tem até mesmo um discurso de que é preciso explorar esse petróleo para poder fazer a transição energética”, enfatiza. Ela nota que essa opinião é defendida por muitos moradores da zona urbana.
Oiapoque é uma cidade que enfrenta vários problemas de infraestrutura. O último Censo divulgado (2010) mostrava que apenas 0,2% das vias públicas eram urbanizadas e somente 24,8% da população tem acesso ao esgotamento sanitário adequado. Nas áreas indígenas, o principal impacto percebido pela liderança é em relação à nova dinâmica aérea. Há dois anos, o aeródromo de Oiapoque começou a receber investimentos da Petrobras e transportar aeronaves com funcionários da empresa. Segundo ela, foi quando a população das Terras Indígenas Galibi do Oiapoque e Juminã começaram a ser afetados pela repentina movimentação. “Começou a assustar as famílias, principalmente as crianças que não estão acostumadas com esse tipo de barulho. As caças e os pássaros também se assustavam”, relata.
Preocupados com o que pode vir no futuro, os povos indígenas começaram a buscar parcerias fora de sua comunidade para se aprofundar no debate sobre a exploração de petróleo e da transição energética. Luene é atualmente uma das mobilizadoras locais em torno do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, uma iniciativa global que advoga para a cooperação entre governos, sociedade civil e outras lideranças pela aceleração da transição energética justa.
O compromisso é voluntário e não-vinculante, mas, mesmo assim, apenas 14 nações assinaram, sendo apenas uma da América Latina – a Colômbia, que se juntou durante a COP28, em 2023.
No Brasil, várias entidades não governamentais apoiam o Tratado oficialmente, mas do poder público a adesão veio apenas da prefeitura de Belém. Para Luene, a posição do Governo Federal é contraditória. “O governo brasileiro diz que defende a Amazônia, mas ao fim do dia entrou para a Opep+ [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]”, critica.
Para Andrés Gómez, coordenador para América Latina e Caribe do Tratado, a participação dos povos indígenas no movimento é fundamental. “As organizações e povos indígenas são quem habitam o território, mesmo antes do Estado. O apoio que podem gerar, em rede, é muito importante e isso também gera pressão em torno dos governos”, diz, citando também o caso da Colômbia, onde o povo Waorani tem pressionado o governo a parar a extração de petróleo em um parque nacional.
Conferências podem trazer visibilidade à discussão
De acordo com Luene, os povos indígenas não costumam ter espaço na mesa para dialogar com os tomadores de poder, mas as conferências internacionais são uma janela para preencher essa lacuna e trazer visibilidade à pauta. Na Cúpula da Amazônia, realizada em 2023, em Belém, o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis articulou em torno do assunto – aliás, foi quando a cidade anfitriã assinou o compromisso.
A Cúpula reuniu presidentes e ministros dos países pan-amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela). Além dos encontros oficiais, a programação contou com 27 mil pessoas em atividades prévias da sociedade civil e, nesses espaços, emergiu o movimento “Amazônia livre de petróleo”, no qual diversas representações protestaram contra a perfuração na Foz do Amazonas, reforçando que a discussão não poderia ser deixada de lado.. “Esses momentos são importantes para nos conectarmos e unirmos forças. A gente percebe que tem outros grupos, em outros países, lutando pelas mesmas coisas”, afirma Luene.
A liderança analisa que, daqui até a COP30, o movimento precisa se articular cada vez mais para aproveitar a visibilidade e, quem sabe, impedir de vez a exploração no território. “Eu percebo que muitas pessoas falam de forma superficial sobre a Amazônia, mas desconhecem as pessoas que moram na região, e a COP30 vai dar essa oportunidade de sensibilizar”, conclui.
Histórico de 50 anos do setor na Amazônia
A presença de petrolíferas nas proximidades da Foz do Amazonas não é algo novo. A Petrobras, por exemplo, já tem atividades na região desde 1970. Dados públicos da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), expostos pela epbr em maio de 2023, apontam que ali já houve 95 perfurações, sendo que todas, até o momento, ocorreram em águas rasas, ou seja, de 400m ou menos de profundidade. Nesse caso, é inserida uma plataforma fixa, estrutura metálica presa ao fundo do mar.
Ao todo, conforme mostra o levantamento da epbr, 27 desses poços perfurados para pesquisas foram finalizados por causa de acidentes mecânicos. A maioria, por não ter encontrado petróleo, por dificuldades logísticas ou por indícios subcomerciais.
Agora, a Petrobras anseia ser a primeira explorar águas profundas na região. Para esse tipo de exploração, é preciso instalar sistemas flutuantes, amarrados ao solo submarino por correntes, cabos de aço ou poliéster. A oceanógrafa Kerlem Carvalho explica que a tecnologia de ponta é necessária porque as águas profundas possuem especificidades de salinidade, temperatura e, principalmente, de pressão que impactam na operação. “Quanto maior a profundidade da água, maior vai ser a pressão. E, no caso da segurança operacional dessas indústrias, traz um risco maior de ter falha de equipamento que vai perfurar esse local, se ele não for projetado adequadamente”, adverte, explicando que tubulações, cabos e outros itens ficam sob uma força muito grande, que é natural desse ambiente.
Carvalho atua como analista ambiental na organização da sociedade civil (OSC) sem fins lucrativos Instituto Internacional Arayara, e menciona que outro fator de preocupação é a maior dificuldade de que o serviço de emergência chegue a tempo em casos de acidentes de vazamento, por estar muito longe da costa.
Plataforma pretende democratizar acesso a dados públicos
Embora o histórico seja longo na região, as informações sobre a exploração de petróleo local nem sempre são de fácil entendimento. A começar pelo próprio termo usado pela Petrobras: Margem Equatorial, que no Brasil é o trecho de 2.200 quilômetros que vai da costa do Rio Grande do Norte ao Amapá. Já a Foz do Amazonas é uma das cinco grandes regiões da Margem, e inclui os territórios do Pará e Amapá que, mesmo parecendo distantes geograficamente, sofrem muita influência da foz, ou seja, do local onde o rio Amazonas deságua no Oceano Atlântico.
De acordo com o Arayara, encontrar os dados públicos também não é uma tarefa simples. São mais de 70 fontes onde essas informações estão dispersas e geralmente com linguagem técnica.
Pensando nessas dificuldades, o Instituto, em parceria com o Observatório do Clima, lançou o “Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Gás” há um ano. A plataforma está disponível em português, inglês e espanhol e tem o objetivo de democratizar o acesso aos dados.
No site, qualquer um pode conferir os dados atualizados de onde estão os blocos petrolíferos, qual o status (em exploração ou produção, em estudo ou área reservada, em oferta ou solicitação) e mais detalhes sobre a empresa operadora e se está em um território indígena, dentre outros fatores.
O Instituto Arayara foi uma das organizações à frente dos protestos da Amazônia Livre de Petróleo na Cúpula de Belém. Para Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima da OSC, o principal resultado é ver que pesquisadores e movimentos sociais estão podendo se apropriar mais da discussão com o Monitor.
Ele comemora também que, em junho deste ano, a ANP decidiu remover 15 blocos da lista de áreas disponíveis para exploração e produção no país, devido a restrições socioambientais, como a proximidade a terras indígenas e unidades de conservação. “Essa sobreposição nós mesmos já tínhamos identificado no Monitor e, por conta disso, entramos com ações judiciais para tentar impedir a oferta dessas áreas”, recorda.
Apesar de não ter tido sucesso direto na Justiça, ele acredita que a mudança percebida agora pela ANP é reflexo da pressão civil. Em 2024, o edital de leilão de blocos passa por uma revisão e é a primeira vez, em sete anos, que o Brasil não terá uma nova licitação para concessão de áreas para exploração de petróleo.
Nora acompanha cada passo das decisões em torno da exploração na Foz do Amazonas e considera que as consultas prévias às comunidades da região podem travar o processo, porque podem aflorar as preocupações que os povos já possuem sobre o tema. “Por outro lado, mudanças políticas no Ibama e MMA, por exemplo, podem também mudar o andar das decisões, porque a pressão está muito grande em prol da exploração e o rumo pode mudar a qualquer momento”, pondera.
Além do Instituto Arayara, outras instituições vêm fazendo campanha por uma Amazônia livre de combustíveis fósseis nas redes sociais, nos seus territórios e fazendo pressão a autoridades políticas, dentre elas o Instituto ClimaInfo, a Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (Amim) e as ONGs Greenpeace Brasil e WWF-Brasil. Mais de 20 organizações do Amapá e Pará assinaram carta aberta no ano passado para declarar apoio à decisão do Ibama e até o momento 18 organizações e instituições nacionais, assim como oito parlamentares, assinaram o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.
Petrobras realiza expedições na região
Enquanto aguarda nova decisão do Ibama, a Petrobras continua sua atuação na Foz do Amazonas, principalmente com atividades relacionadas ao seu Centro de Pesquisas (Cenpes). A bióloga Talita Pereira lidera os projetos com foco ambiental e explicou, em palestra realizada em maio deste ano em Belém, que a meta é ter uma maior compreensão da biodiversidade e a composição geológica dessa área, dentre outros fatores. Além disso, Pereira disse que há uma expectativa de fazer mais parcerias com instituições de pesquisas da região e que a empresa tem investido com recursos humanos e financeiros para contribuir com o conhecimento científico da região.
Desde o ano passado, a Petrobras vem realizando expedições científicas, em parceria com a Marinha do Brasil e Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) e Serviço Geológico do Brasil (SGB), além de grupos de pesquisa de universidades. “A gente tem a possibilidade, através de embarcações, de trazer o recurso que é necessário para essa atuação, para conseguir preencher uma lacuna de conhecimento importante”, declarou Pereira. Climate Tracker solicitou atualizações sobre os resultados dessas pesquisas, mas não teve retorno até o fechamento do texto.
Dentre os 13 projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação até então em andamento, Pereira detalhou que o CENPES também tem focado no desenvolvimento de tecnologias remotas e digitais, como drones e veículos autônomos para atuarem na resposta a possíveis emergências. “A gente sabe das vulnerabilidades e das dificuldades. Até aqui o Plano de Emergência e Fauna já conta com várias embarcações, cem profissionais… existe um esforço muito grande de disponibilização de equipamentos e recursos para tentar suprir eventuais questões. Tenho certeza que temos toda a tecnologia necessária para uma operação segura, mas obviamente que há riscos que a gente precisa se precaver, trabalhando na linha da prevenção”, complementou.
Biodiversidade ainda é pouco conhecida
A biodiversidade da Foz do Amazonas ainda é pouco conhecida e, por isso, é um fator que preocupa ao se falar de exploração de petróleo na região. Claudia Funi, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA), chama a atenção para o fato de que há pouquíssimos lugares no mundo que sejam tão dinâmicos quanto esse trecho. Por isso, as modelagens que funcionam em outros locais não conseguem se adaptar à realidade local. “Nos dados mais conservadores, são mais de 200 milhões de litros de água por segundo que a foz despeja no oceano. É a maior carga de água doce que um sistema despeja no oceano no planeta todo. Nada chega perto”, enfatiza.
Geógrafa e mestre em Biodiversidade Tropical, Funi explica que, para começar a entender essa dinâmica, é preciso ter monitoramento constante por pelo menos três anos. “A gente não conhece as correntes superficiais mais profundas para essa região da foz. Até a maré, precisamos de mais pontos para entender. Temos a maior variação de maré do planeta, chegando a 12 metros, mas ela tem comportamentos diferentes ao longo da costa”
A pesquisadora é uma das autoras do Plano Foz de monitoramento da costa oceânica do estado e da foz do rio Amazonas, uma iniciativa que busca financiamento e que propõe a implementação de redes de medições para investigar questões como a hidrodinâmica, salinidade, corrente marítima, o vento e a temperatura, dentre outros aspectos. O Plano envolve pesquisadores, técnicos e professores de instituições como a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Universidade de Brasília (UNB) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
“A foz é muito pouco estudada. Tem um desafio logístico muito grande, requer um recurso muito maior do que em outras regiões”, contextualiza. “Mas, sem dados, tudo que for feito vai gastar mais tempo, energia e dinheiro e não vai conseguir ter o preparo da maneira correta”, conclui.
A pesquisadora observa que pouco mudou desde que o Ibama indeferiu o pedido da Petrobras. “O que teve de avanço é que vamos atualizar as cartas de sensibilidade de derramamento de óleo. Estamos iniciando as tratativas agora”.
Os documentos, conhecidos como Cartas SAO, mapeiam a vulnerabilidade de uma região a um eventual derramamento de óleo, e incluem informações como sensibilidade dos ecossistemas marinhos e costeiros, recursos biológicos e usos humanos dos espaços. As cartas atuais foram entregues em 2016, por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, INPA e UFPA, e mostram que, em um cenário pessimista, os ambientes ficam muito vulneráveis, por uma gama de características próprias do local, como a presença abundante de manguezais, que seriam extremamente difíceis de limpar em caso de vazamento.
Apesar do papel crucial na transição energética do país, um projeto de lei brasileiro que regulamenta a energia eólica offshore está paralisado por emendas relacionadas a usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis, atrasando investimentos e negligenciando impactos socioambientais.
Originalmente publicado em gasoutlook.com por Amanda Magnani 14.10.2024
Um dos países com a matriz elétrica mais descarbonizada do mundo, o Brasil caminha para o acordo global de triplicar a produção de energia renovável até 2030, tendo ativado 13 novas usinas solares fotovoltaicas e 25 parques eólicos somente em 2023.
Na América Latina, a capacidade eólica instalada em 2022 ultrapassou 44,7 GW , e o Brasil tem papel de liderança. Embora o continente seja atualmente responsável por pouco mais de 5% da produção global de energia eólica, o país está entre os dez primeiros do mundo em capacidade instalada.
Os 316 MW de energia eólica adicionados em 2023, no entanto, são apenas a ponta do potencial iceberg eólico offshore. De acordo com um estudo do World Bank Group, ele ultrapassa 1.200 GW no país. O mesmo estudo estima que, até 2050, a indústria de energia eólica pode gerar mais de 516.000 empregos e render pelo menos R$ 900 bilhões para a economia brasileira.
Apesar de ser uma indústria fundamental para a transição energética, a produção de energia eólica também traz impactos e conflitos socioambientais. Questões como contratos de ocupação de terras que afetam comunidades tradicionais, ameaças à vida selvagem e desmatamento são alguns exemplos.
A exploração offshore ainda não ocorreu no país, que atualmente discute seu arcabouço regulatório. No entanto, minimizar os impactos socioambientais dessa indústria não é o foco do debate legislativo.
Aprovado pelo Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados em agosto de 2022, o Projeto de Lei 576/2021 , conhecido como Projeto de Lei da Eólica Offshore, ainda está longe de alcançar consenso para ratificação.
Conforme tramitava na Câmara dos Deputados, a proposta original para regulamentar a alocação de áreas para exploração de energia offshore recebeu as chamadas emendas “jabuti” — termo usado no Brasil para se referir a propostas incluídas em um projeto de lei que não têm relação com o tópico principal. Na maioria das vezes, procedimentos legislativos importantes são usados para contornar decisões impopulares ou controversas.
“Nosso parlamento tende a aproveitar projetos de lei e anexar questões não relacionadas, os chamados jabutis, para que sejam aprovados em conjunto”, disse Anton Schwyter, gerente de energia do Instituto Arayara, ao Gas Outlook .
Entre as mudanças aprovadas na Câmara está a contratação obrigatória de 4,2 GW de termelétricas movidas a combustíveis fósseis. Inflexíveis, essas usinas estariam em operação por pelo menos 70% das horas do ano, independentemente da demanda.
Esta proposta é consequência das emendas do “jabuti” que foram aprovadas juntamente com a Lei nº 14.182 de 2021, que privatizou a Eletrobras, a maior empresa de energia da América Latina. O principal ponto de controvérsia na lei era a exigência de contratação de 8 GW produzidos por termelétricas a gás inflexível.
Risco para a saúde
O texto também inclui a contratação obrigatória de 4,9 GW de pequenas centrais hidrelétricas, além de estender de 2028 a 2050 os contratos com termelétricas a carvão, a fonte de energia mais poluente e ineficiente disponível.
“Entre os minerais fósseis, o carvão é o mais prejudicial. Além da alta quantidade de gases de efeito estufa emitidos e seus efeitos ambientais e climáticos, nosso carvão nacional contém muita fuligem, que é altamente prejudicial à saúde humana”, disse Schwyter.
Ele explica que essa fonte de energia também é mais cara e menos competitiva, exigindo subsídios para sua geração. Em um contexto de crescimento de fontes renováveis, isso torna o carvão uma opção “ainda mais anacrônica”, acrescentou.
Além de prejudiciais em termos ambientais, as emendas do “jabuti” ao projeto de lei causarão atrasos em sua aprovação e, consequentemente, perda de investimentos . “O arcabouço legal para parques eólicos offshore é extremamente importante para o setor, pois dá segurança para os investidores alocarem recursos de forma eficaz”, disse Edlayan Passos, especialista em transição energética do Instituto E+, à Gas Outlook .
As emendas do “jabuti” também “reduzem a competitividade e o potencial de descarbonização da indústria brasileira, dificultando o potencial do Brasil de se firmar como fornecedor global de produtos de baixa emissão de carbono”, disse Passos.
Um debate sequestrado
Embora o Projeto de Lei da Eólica Offshore tenha sido listado como prioridade no pacto de transformação ecológica firmado pelos Três Poderes, desde a inclusão das emendas do “jabuti” pela Câmara dos Deputados, a energia eólica em si é o tema menos discutido , apesar de seu papel crucial na transição energética nacional.
Em fevereiro, a estatal Petrobras, uma das maiores empresas de óleo e gás do mundo, anunciou que aguardava uma definição da legislação para iniciar investimentos em parques eólicos offshore, um dos pilares da transição energética da empresa. Em julho, representantes do setor elétrico criticaram as emendas do “jabuti” no projeto de lei.
Até o Ministério de Minas e Energia, que continua defendendo a exploração de petróleo , apoia o veto às emendas relacionadas aos combustíveis fósseis.
“Chegamos a uma situação rara em que, durante fóruns e audiências públicas, até mesmo stakeholders do setor de gás concordaram que a proposta de contratação de termelétricas inflexíveis não faz sentido”, disse Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente, ao Gas Outlook .
Baitelo explicou que, em termos numéricos, não há déficit energético. “Na verdade, atualmente há mais contratos de venda do que consumo real, a ponto de parte da energia produzida acabar sendo desperdiçada. No entanto, há, sim, momentos específicos em que ocorre uma lacuna.”
É nesses momentos, em situações de emergência, que as termoelétricas representam uma solução. “Mas elas devem operar como um seguro de carro”, explicou Schwyter. “Elas devem permanecer em standby e, assim como acontece com o seguro, esperamos não ter que usá-las.”
Ele acrescentou que, com o avanço da geração por fontes renováveis, o sistema energético do país está mudando, junto com a necessidade do dito “seguro”.
Além disso, como Baitelo explicou, a energia produzida por usinas termelétricas é muito mais cara do que a de fontes hidrelétricas, solares ou eólicas. Se as emendas “jabuti” ao Projeto de Lei da Energia Eólica Offshore forem aprovadas, os custos operacionais podem ultrapassar 650 bilhões de reais (US$ 117 bilhões) até 2050.
“Isso representa um aumento de 11% nas contas de luz brasileiras, impactando diretamente o orçamento doméstico das famílias e as cadeias produtivas do país”, disse Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, à Gas Outlook . “Não podemos ter representantes cujas decisões favoreçam lobbies específicos do setor energético e vão completamente contra os interesses dos consumidores.”
Transição energética inclusiva
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) já tem 96 pedidos de licenciamento para projetos de parques eólicos offshore, totalizando 234 GW.
“Os pedidos de licenciamento representam quase a mesma quantidade de energia que o Brasil produz hoje. Essa equação não fecha”, disse Cristina Amorim, coordenadora do Projeto Nordeste Potência, à Gas Outlook . “Enquanto isso, muito pouca atenção é dada aos impactos ambientais dos próprios parques eólicos offshore e ao que eles significam para as comunidades e seus territórios.”
Da construção à operação, os parques eólicos representam ameaças , especialmente para aves e ecossistemas marinhos. Suas linhas de transmissão, múltiplas e mais dispersas que as de grandes hidrelétricas, também impactam um número maior de comunidades.
Além disso, o projeto de lei propõe licenciamento separado para o que acontece offshore, sob a jurisdição do Ibama, e para as áreas costeiras, tipicamente sob jurisdição estadual ou municipal. “É importante entender que há um continuum; é tudo uma coisa só”, diz Amorim.
Em termos sociais, um dos principais impactos ocorre entre comunidades tradicionais de pescadores no nordeste do Brasil — onde a maioria das usinas eólicas offshore são construídas — onde as pessoas usam veleiros em vez de motorizados. Dependendo das correntes de vento, os pescadores tradicionais se encontram à mercê do raio de segurança ao redor das turbinas.
“Muitas vezes, quando o raio de duas ou mais turbinas se sobrepõe, cria-se uma barreira que os pescadores não conseguem atravessar para sua própria segurança”, explicou Amorim. “Mas o que acontece se as áreas onde a pesca é melhor estiverem além dessa barreira?”
Ela observou que, mesmo em estados onde ainda não existem parques eólicos offshore, os conflitos territoriais e a violência contra as comunidades já aumentaram. À luz disso, organizações como a Pastoral dos Pescadores, uma associação religiosa que apoia pescadores artesanais por justiça social, já se posicionaram contra esses projetos, acrescentou.
“O que precisamos é que a transição energética, e este projeto de lei como parte dela, seja uma transição para um modelo diferente de geração de energia que seja justo, inclusivo e popular”, diz ela.
Esta história foi produzida como parte do Programa de Indústrias Verdes do Climate Tracker.
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