+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org
Artigo de Opinião | A nova fronteira da injustiça:  os avanços do petróleo e gás sobre territórios indígenas no Brasil

Artigo de Opinião | A nova fronteira da injustiça: os avanços do petróleo e gás sobre territórios indígenas no Brasil

Neste Dia dos Povos Indígenas, Paôla Manfredini, gerente Socioambiental, Comunidades e Clima do Instituto Internacional ARAYARA, comenta as ameaças representadas pelas empresas petroleiras que cada vez mais investem contra os Territórios Indígenas (TI) do Brasil.

O artigo destaca caminhos de esperança e resistência neste conturbado cenário secular de disputas e injustiças associado aos povos indígenas brasileiros.

Nas palavras de Paôla, “esperamos que  esta leitura reforce a importância do protagonismo indígena, da mobilização social e, por último, da pesquisa aliada à inovação na busca por soluções integradas e sustentáveis”.

 

Por Paôla Manfredini Romão Bonfim*, Gerente Socioambiental, Comunidades e Clima do Instituto Internacional ARAYARA.org

Na vastidão das florestas amazônicas e nas margens dos rios que cortam nossa terra, os Territórios Indígenas são não apenas espaços geográficos, mas sim o coração pulsante das culturas ancestrais e da biodiversidade que nos conecta à essência do Brasil. No entanto, esses lugares sagrados enfrentam uma batalha árdua contra o avanço predatório das fronteiras da exploração de petróleo e gás, a ameaça constante do Fracking e a violação sistemática dos direitos consagrados na Convenção 169 da OIT.

Neste cenário de desafios crescentes, onde as vozes dos povos indígenas ecoam em uma luta pela sobrevivência de suas terras e culturas, é fundamental agirmos todos em solidariedade e ação, não apenas contra as ameaças que pairam sobre esses territórios, mas também refletindo a coragem e resistência de seus guardiões ancestrais.

O Desafio do Avanço Predatório

O avanço das fronteiras de exploração de petróleo e gás tem sido uma das principais ameaças aos territórios indígenas do Brasil. Empresas, muitas vezes agindo sem o devido respeito aos direitos dos povos originários, têm buscado extrair recursos valiosos dessas áreas, causando danos irreparáveis ao meio ambiente e à vida dos povos indígenas.

Os leilões de concessão da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) mantém um calendário regular para oferta de blocos de exploração onshore (“em terra”) e offshore (“em mar”).  Esta constante ameaça aumenta consideravelmente a pressão sobre os territórios e coloca continuamente em risco ecossistemas frágeis e culturas ancestrais.

Nessa agenda, o 4º Ciclo da Oferta Permanente no regime de Concessão (OPC) foi realizado no dia 13 de dezembro de 2023, disponibilizando 602 blocos e 1 bloco de Acumulação Marginal, representando 63% do total de blocos em oferta permanente. Estudos indicaram que as emissões potenciais desses blocos poderiam exceder 1 GtCO2e, equivalendo às emissões anuais do Brasil previstas para 2030

Esse leilão levantou preocupações sobre possíveis impactos negativos nas metas das novas NDCs Brasileiras, especialmente para Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TI) e Territórios Quilombolas (TQ).

No que concerne às Terras Indígenas foram identificados possíveis impactos socioambientais, com centenas delas podendo ser afetadas pela exploração de petróleo e gás em blocos ofertados em sua Área de Influência Direta (AID)  – conforme determina o limite de 10 Km na Amazônia Legal e 8 Km nas demais regiões, imposto pelo Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015

O estudo técnico da ARAYARA, Análise de risco socioambiental e climático das áreas do 4º Ciclo de Oferta Permanente da ANP sobre Terras Indígenas, identificou as seguintes etnias a serem potencialmente impactadas: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng – o que afetaria aproximadamente 156 milhões de hectares de Terras Indígenas e uma população estimada de 21.910 indígenas não consultados. 

O Leilão da ANP resultou em 193 blocos arrematados por empresas petroleiras e de exploração de gás. No entanto, a incidência judicial promovida pela ARAYARA sobre 77 blocos afastou a ambição de diversas empresas, poupando 94% dos blocos licitados – destes, apenas 4 foram adquiridos (AM-T64, AM-T-107, AM-T-133, PAR-T-335)

No entanto, 5 Terras Indígenas seguem ameaçadas pelo arremate de blocos pelas empresas ATEM e Blueshift. São elas: no Amazonas, do Povo Mura, a TI Gavião, TI Lago do marinheiro, TI Ponciano e TI Sissaíma; e em Santa Catarina, do Povo Xokleng, a TI Rio dos Pardos.

Esses territórios enfrentam agora a possibilidade da aplicação de uma técnica extremamente danosa para a extração do gás de xisto nas camadas profundas do subsolo: o fracking, ou fraturamento hidráulico. 

Para fraturar a rocha e liberar o gás, a técnica injeta no solo enormes quantidades de água e um número alarmante de produtos tóxicos, contaminando o solo, as águas subterrâneas (que logo chegam aos rios) e o ar (com o escape do gás metano para a superfície) – ocasionando mudanças radicais no clima e colocando em risco a saúde dos indígenas e não indígenas (câncer, infertilidade, aborto e doenças neurais), que dependem desses recursos naturais para sua subsistência e bem-estar.

Afrontas à Convenção 169 da OIT e os Protocolos de Consulta

Diante de um cenário de possibilidades tão devastadoras, era de se esperar que o governo brasileiro acionasse a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual estabelece o direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada sobre questões que afetam diretamente seus territórios e vidas. 

No entanto, temos testemunhado um flagrante desrespeito a esse direito fundamental, com empreendimentos sendo implementados sem o consentimento ou cumprimento das condicionantes estabelecidas pelas comunidades afetadas.

A falta de respeito aos protocolos autônomos não apenas viola direitos básicos das comunidades tradicionais, mas também fragiliza a autonomia e a dignidade dos povos indígenas ao impor sobre eles projetos de infraestrutura que podem ter impactos irreversíveis.

Inovação e mobilização

Na contramão dessas ausências, o Instituto Internacional ARAYARA realiza uma campanha incansável para proteger a Amazônia e seus habitantes. Para isso desenvolvemos uma ferramenta inovadora: o Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Gás. 

A plataforma oferece informações detalhadas sobre esse tipo de exploração nos nove países amazônicos: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

Dessa forma, o conhecimento anteriormente disperso em diferentes plataformas e bancos de dados governamentais e especializados, e que dificultava análises abrangentes do contexto e dos riscos associados à exploração de petróleo e gás na região, agora está disponível para todos.

Por meio da ferramenta, é possível gerar mapas e planilhas que rapidamente cruzam dados sobre o país, informando o bloco de exploração de petróleo e gás, a empresa envolvida, a fase exploratória e detalhes sobre as localidades afetadas, como a presença de terras indígenas, territórios quilombolas, regiões de corais e unidades de conservação, bens culturais acautelados e sítios arqueológicos.

Nosso monitor ajuda a entender a extensão das ameaças e a tomar medidas eficazes, pois fornece dados essenciais para conscientizar o público, pressionar por políticas mais rigorosas e envolver a sociedade civil na defesa dos Territórios Indígenas.

Para além do Monitor, trabalhamos em várias outras frentes, como advocacy, litigância, mobilização social e pressão política. Exigimos transparência e cumprimento dos dispositivos legais nos leilões de concessão, atuamos na aprovação de leis contra o fracking, fomentamos a adoção de alternativas sustentáveis de geração e distribuição de energia e denunciamos as violações de direitos humanos e ambientais. 

Em Ações Civis Públicas, a ARAYARA já atuou para a remoção de mais de 1350 blocos de petróleo e gás, em mar e terra, dos leilões permanentes de partilha da ANP. Já aprovamos leis anti-fracking em 512 municípios brasileiros e seguimos na luta para preservar a Amazônia e proteger os Territórios Indígenas brasileiros.

Recomendações

Na busca incessante pela garantia dos direitos dos povos originários, é essencial adotar uma série de medidas fundamentais. Primeiramente, é imperativo exigir a revogação da Lei nº 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal, que perpetua injustiças e violações ao estabelecer que os povos originários só têm direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, desconsiderando séculos de história e ancestralidade.

Além disso, é crucial pressionar o Estado brasileiro para que acelere e efetive a demarcação e proteção dos territórios indígenas, pois essa indefinição os torna alvos de empreendimentos predatórios que se aproveitam da brecha legal para invadir e explorar ilegalmente essas áreas, causando danos irreparáveis. 

É também necessário exigir o cumprimento integral dos direitos estabelecidos na Convenção 169 da OIT, incluindo o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas em todas as decisões que afetem seus territórios, garantindo assim a sua integridade e autonomia.

A participação ativa em campanhas, manifestações e iniciativas de conscientização sobre a importância dos territórios indígenas para o Brasil e para o mundo é essencial. Devemos apoiar e fortalecer as organizações e lideranças locais, reconhecendo o papel central que desempenham na defesa de seus direitos e do meio ambiente equilibrado.

Por fim, é fundamental estabelecer alianças interinstitucionais entre organizações da sociedade civil, instituições acadêmicas, empresas socioambientalmente responsáveis e órgãos governamentais comprometidos com a causa. Somente através de soluções sustentáveis e integradas, construídas em conjunto, poderemos garantir a preservação e proteção desses territórios sagrados, essenciais não apenas para as comunidades que os habitam, mas para a saúde do nosso planeta.

Este conjunto de ações representa um compromisso coletivo em defesa da justiça, da dignidade e da preservação ambiental, guiado pelo respeito às culturas ancestrais e à sabedoria dos povos indígenas. Juntos, podemos ser a força que transforma a realidade e assegura um futuro onde a harmonia entre humanidade, natureza e diversidade cultural seja não só um ideal, mas uma realidade concreta e duradoura.

Considerações Finais

Que este artigo seja mais do que uma reflexão, mas um convite à ação permanente, em uma jornada de compromisso e respeito pela diversidade cultural e ambiental que torna o Brasil único.

Diante dessas novas fronteiras da injustiça que avançam sobre os povos indígenas, é imperativo que nos posicionemos todos na luta pela preservação de suas terras, culturas e modos de vida. 

Que o propósito do bem comum promova uma corrente de solidariedade e esperança, em direção a um futuro onde os territórios indígenas sejam protegidos, respeitados e celebrados como pilares da nossa identidade e da nossa sustentabilidade como nação.

Que a coragem e a resistência dos povos originários sejam o exemplo propulsor de uma jornada coletiva, onde cada gesto de apoio, cada voz que se levanta e cada ação planejada e executada seja um tributo à vivência, e não a mera sobrevivência, dos povos indígenas do Brasil.

___________________________________________

1. Os dados foram compilados no documento Análise de risco socioambiental e climático do 4º Ciclo de Oferta Permanente da ANP.

2. Esses dados foram compilados no documento Áreas arrematadas no 4º Ciclo da Oferta Permanente da ANP.

___________________________________________

 

* Paôla Manfredini é consultora em patrimônio cultural, pesquisadora e mestre em história pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, exerce o cargo de gerente socioambiental, comunidades e clima do Instituto Internacional ARAYARA. E-mail: paola.manfredini@arayara.org 

 

PGE-PE pede suspensão do leilão de blocos para exploração de petróleo por risco a Fernando de Noronha

PGE-PE pede suspensão do leilão de blocos para exploração de petróleo por risco a Fernando de Noronha

A Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco (PGE-PE) apresentou, ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedido de liminar para suspender o leilão de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural previsto para ocorrer nesta quinta-feira (7/10). O Estado argumenta grave risco ao meio ambiente decorrente da exploração na Bacia de Potiguar (RN e CE), uma das áreas a serem licitadas e que tem proximidade com o Arquipélago de Fernando de Noronha, território pertencente a Pernambuco protegido como Unidade de Conservação nos níveis estadual e federal.

Na petição apresentada ao STF nesta quarta-feira (6/10), a PGE-PE solicita o ingresso como parte interessada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 887, de autoria da Rede Sustentabilidade. Se “levados a efeito, sem a adoção das medidas de prevenção ambiental exigidas por Lei e pela própria Constituição Federal”, os leilões na Bacia de Potiguar “certamente resultarão em danos ambientais irreparáveis e de consequências incalculáveis para o ecossistema de Fernando de Noronha”, argumenta a PGE-PE na petição assinada pelo procurador-geral do Estado de Pernambuco, Ernani Medicis; pelo procurador-chefe da Procuradoria do Contencioso, Felipe Vilar; e pelo procurador-chefe da Regional da PGE-PE em Brasília, Sérgio Santana.

A 17ª Rodada de Licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural foi autorizada por resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), aprovada pela Presidência da República e chancelada pelos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. O leilão vem sendo questionado em diversas ações judiciais pelo país.

No pedido ao STF, a PGE-PE destaca ainda que um dos maiores riscos é decorrente das regras fixadas pela CNPE, que dispensou a realização de Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS), substituindo-as por parecer conjunto dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. “Especificamente no que diz respeito a área da Bacia Potiguar, (o CNPE) entendeu que as avaliações quanto aos impactos ambientais já presumidos ficariam transferidas apenas para a fase do futuro licenciamento ambiental, o que, na prática, transfere todo o risco ambiental para uma fase em que já estaria realizada a licitação e definido o vencedor do leilão”.

Para a PGE-PE, a realização dos certames é um risco inaceitável por resultar em dois cenários possíveis: “Ou se imporá forte pressão sobre os órgãos ambientais para viabilizar os licenciamentos sem o devido cuidado em razão da pressão decorrente da ultimação do leilão e da existência de um licitante vencedor e de uma proposta de exploração, ou se transferirá ao empreendedor um risco incalculável de natureza ambiental que, a bem da verdade, poderá inviabilizar a exploração, o que terminará por impactar no próprio preço do leilão (subprecificação)”.

MAPAS DE LOCALIZAÇÃO DOS BLOCOS E TERRITÓRIOS AFETADOS
MAPA DE LOCALIZAÇÃO DOS BLOCOS E TERRITÓRIOS AFETADOS – BACIA POTIGUAR – INSTITUTO ARAYARA
De bandeja

De bandeja

Oferta Permanente de petróleo pela ANP tem baixa concorrência, arrecada volume pífio e indica conflitos se projetos licitados forem implementados

No mesmo dia (04/12) em que foi divulgada a decepcionante (apenas 7,7%) alta do PIB (Produto Interno Bruto) no 3º trimestre, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizou uma Oferta Permanente de campos de petróleo e repassou a grupos nacionais e estrangeiros 17 blocos exploratórios em seis bacias (Campos, Paraná, Amazonas, Espírito Santo, Potiguar e Tucano) e uma área com acumulações marginais (Juruá, da Bacia do Solimões).

Segundo a ANP, o negócio teria sido um sucesso. As áreas, se desenvolvidas, vão gerar bônus para a União de R$ 56,6 milhões e investimentos de R$157 milhões nos próximos anos. O ágio médio ofertado pelos blocos exploratórios foi de 55,11 e, nas acumulações marginais, alcançou 1.650%.

Mas, um olhar detido sobre os resultados e o cenário em que a Oferta ocorreu levantam dúvidas sobre se os vencedores terão capital e desejo de correr riscos e efetivamente desenvolverem os projetos licitados. Talvez a ANP tenha mesmo entregue de bandeja as áreas licitadas.

Um primeiro indicativo dessa possibilidade foi a baixíssima procura das áreas licitadas. Cada um dos 29 blocos e uma área remanescente ofertados só recebeu uma proposta – isso mesmo, apenas uma, a proposta vencedora. Talvez, pelo cenário econômico cambaleante.

Até setembro, deveríamos ter crescido 12,7% apenas para retornar ao já baixíssimo nível econômico do início de 2020. Ou seja, se quisermos voltar ao baixo nível econômico de janeiro (o PIB de 2019 havia sido de 1,1%) neste quarto semestre (outubro a dezembro) precisamos crescer mais e ainda pagar os 5% que estávamos devendo.

Assine também a nossa petição contra o leilão. Acesse clicando aqui.


E, como se a economia fraca não bastasse, há mais um (grande) problema: essa modalidade que a ANP escolheu para licitar as áreas de petróleo.
A Oferta Permanente é uma licitação de áreas devolvidas ou em processo de devolução. Elas foram ofertadas em licitações anteriores e não arrematados ou devolvidos à Agência. Na Oferta também estão incluídos novos blocos exploratórios (exceção às áreas no pré-sal, estratégicas ou localizadas na Plataforma Continental além das 200 milhas náuticas).

A ANP sustenta que essa modalidade de concessão agiliza os negócios porque as empresas “não precisam esperar uma rodada de licitações para ter oportunidade de arrematar um bloco ou área com acumulação marginal, que esteja em oferta”. Os critérios de escolha das propostas vencedores é misto, e por vezes leva em consideração apenas a quantia ofertada, e menos a capacidade técnica e econômico-financeira de o vencedor tocar o projeto respeitando complemente a legislação ambiental e social.

Esse, o da Oferta Permanente, é semelhante ao modelo que os bancos comerciais aplicam a seus clientes preferenciais, e que nada tem a ver com o desenvolvimento que deveria ser gerado pela exploração de reservas de petróleo.

No caso dos bancos, se o cliente tem capacidade de compra, seu crédito é prévia e imediatamente aprovado, independentemente do uso que será feito do dinheiro a ser emprestado. O tomador de empréstimo apresenta previamente sua qualificação econômica e, se mostra capacidade de devolver o dinheiro tomado, o empréstimo é concedido.

Mas, a ANP não é banco e deveria ter como objetivo estimular o desenvolvimento do País e a distribuição da renda derivada da indústria do petróleo.

A Oferta se afasta da própria missão da ANP, porque deixa em plano muito precário tanto a avaliação da capacidade técnica da empresa proponente para desenvolver um projeto específico, quanto o cumprimento de, por exemplo, Estudos de Impacto Ambiental e atendimento a populações/setores econômicos impactados.


Os projetos desenvolvidos, assim, podem levar a conflitos sociais e legais na implementação dos projetos, porque a ANP não levou em conta adequadamente fatores legais que tomariam tempo, como a obrigação de realizar a consulta prévia e consentida às populações a serem afetadas (em especial indígenas) e os setores econômicos (principalmente o negócio agrícola); a correta mensuração da contribuição dos combustíveis fósseis para o agravamento da crise climática; e o fato de os futures projetos se desenvolverem em regiões que já apresentam insuficiência de recursos hídricos.

O exemplo mais emblemático de conflito em potencial é o dos dois blocos de exploração no Mato Grosso do Sul, dentro dos quais existem sete unidades de conservação. Se implementados, os projetos chegarão ao cúmulo de sitiarem pelo menos uma aldeia indígena.
Sabe-se lá porque nada disso, aparentemente, foi levado em consideração

Mesmo ciente dos altos riscos ambientais, ANP insiste em leilões fósseis

Mesmo ciente dos altos riscos ambientais, ANP insiste em leilões fósseis

Durante a audiência pública realizada na cidade do Rio de Janeiro nesta semana (05/02) para discutir a 17ª Rodada de Licitações de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural sob regime de concessão, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis deixou claro ter ciência dos altos riscos de impactos ambientais que a exploração dos blocos a serem licitados causarão.

A ofertará terá 740 blocos (567 remanescentes do edital anterior e 173 novos) e três áreas com acumulações marginais. Os blocos estão no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Norte, Amazonas e Pará.

Durante a audiência pública, a ANP apresentou as chamadas Diretrizes Ambientais dos blocos. Segundo a Agência, existem, sim, grandes riscos na exploração dos blocos a serem leiloados; Mas, a ANP afirma que todos os riscos serão responsabilidade das petroleiras que vencerem os leilões. Além dos riscos, também será responsabilidade das petroleiras a mitigação de vazamentos e acidentes.

Após a apresentação da ANP das Diretrizes Ambientais, o gestor ambiental Renan Andrade, da 350.org, questionou: “a pergunta não é mais ‘se vai acontecer algo’, mas ‘quando’ vai acontecer algo?”.

A seguir, veja alguns pontos de alto risco a partir da exploração de combustíveis fósseis nos blocos que compõem a 17ª Rodada de Licitações de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural.

Bacia do Solimões:
Segundo a ANP, a bacia não se sobrepõe com áreas indígenas, porém, sua zona de amortecimento sim. Como há impacto direto nas comunidades tradicionais, deveria-se aplicar os critérios da OIT 169, tanto para a oferta da área como para um futuro licenciamento ambiental.

Aumentando o risco, foi solicitada, pela Associação dos Produtores Independentes de Petróleo, a inclusão de novas áreas na mesma bacia, subsidiadas por novos mapas feito pela FUNAI.

Bacia de Sergipe:
Nesta área, os blocos se sobrepõem Áreas de Preservação Permanente e atingem diretamente o Rio São Miguel, uma das principais fontes de captação de água daquela região. Além disso, existem significativas falhas geológicas que em momentos de exploração de petróleo podem causar blow out, ou seja, derramamento e vazamento de óleo sem precedentes.

Bacia de Pernambuco:
A bacia de Pernambuco se encontra em áreas sensíveis com atividade pesqueira significativa. Um possível vazamento condenaria centenas de famílias que dependem da atividade para sobrevivência. Além, claro, de atingir espécies pesqueiras importantes que reproduzem naquela região.

Camumu-Almada (Abrolhos):
A bacia de Camumu-Almada, onde fica o Santuário de Abrolhos, continua em oferta e se sobrepõe com o maior parque nacional marinho do Atlântico Sul. Abrolhos é protegido por ser um ecossistema único que abriga centenas de espécies, inclusive endêmicas; o local é extremamente sensível por suas características peculiares (corais, peixes, invertebrados, mamíferos…). Nesse sentido, defendemos a intensificação da campanha #SalveAbrolhos.

Bacia do Jacuípe:
Importante área de desova de tartarugas e reprodução de peixes que é base da economia da centenas de famílias na região.

Bacia do Espírito Santo:
Área de intensa atividade pesqueira e base da economia de centenas de famílias, além de área de desova de peixes específicos que compõem a base da economia local e manutenção do ecossistema.

Bacia de Pelotas
Área extremamente sensível com espécies em extinção. Além disso, lá existe a Reserva do Taim (Unidade de Conservação Ambiental).

O Instituto Arayara, a 350.org, a Coalizão Não Fracking Brasil Pelo Clima, Água e Vida, e o Observatório do Petróleo marcaram presença na audiência e pediram o fim da exploração dos combustíveis fósseis e a urgente transição energética. Confira, na íntegra, a manifestação dos dois representantes das entidades:

Renan Andrade
Meu nome é Renan Andrade, sou Gestor Ambiental e ativista sócio ambiental e climático há 18 anos. 

Represento aqui  o Observatório do Petróleo e Gás e a Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida, uma organização representativa de mais 400 entidades, entre elas: Academia, Sindicatos Patronais rurais e de trabalhadores do campo e da cidade, agentes públicos das três esferas, além de inúmeros outros atores e movimentos sociais, ambientais e profissionais de todo país.

Represento ainda, a 350.org, entidade que atua em mais de 150 países contra as mudanças climáticas, mudanças climáticas que esse setor (dos combustíveis fósseis) tem agravado e feito inúmeras vítimas em todo o mundo, motivo esse que estamos em estado de Emergência Climática. 

Temos sentido na pele e no bolso, os efeitos do aquecimento global induzido pela indústria do petróleo e dos combustíveis fósseis.  Que o digam principalmente os agricultores e agricultoras do Rio Grande do Sul, e de outros estados desta federação, que neste ano, perderam safras inteiras pela estiagem. E que se não bastasse, vocês ainda querem rifar com a insegurança de barreiras sanitárias e contaminação de seus produtos, permitindo e incentivando a exploração de gás não convencional pelo método de fracking, tecnologia extremamente agressiva que contamina e mata pessoas, e ainda polui e destrói ecossistemas e a biodiversidade tão importante para manutenção da vida do planeta. 

Ano passado, o Rio de Janeiro viveu momentos de terror com chuvas torrenciais que matou e desabrigou dezenas de pessoas. Neste ano, o estado de Minas Gerais e Espírito Santo, sofrem do mesmo mal, ou seja, eventos extremos que têm causado prejuízos enormes aos estados e municípios e ainda custado muitas vidas humanas. 

Quanto custa explorar petróleo, gás e carvão? Quanto mais teremos que pagar com as próprias vidas, para que poucos ganhem dinheiro e tenham uma vida confortável em detrimento da natureza e da vida de muitos? Pois quem morre e perde com as catástrofes e o aumento da temperatura do planeta, são as pessoas do campo, os pobres, os pescadores… e não funcionários de alto escalão das empresas petrolíferas como vocês que estão aqui hoje. Quanto mais os estados e municípios terão que arcar com os prejuízos desta indústria atrasada e obsoleta? Pois o lucro é privado e os prejuízos coletivos.

Na Europa, as cidades estão processando esta indústria por conta dos inúmeros prejuízos causados a toda sociedade. Quem vai pagar a conta? Inúmeras cidades já decretaram estado de EMERGÊNCIA CLIMÁTICA em virtude dos eventos extremos provocados pelo aquecimento global alavancado pela queima dos combustíveis fósseis. E aqui no Brasil, com a ineficiência e inoperância da Agência Nacional do Petróleo, os responsáveis sequer tiveram a capacidade de adotar medidas de contenção eficientes para o maior vazamento de petróleo já registrado em nossa costa, reflexo do desmonte das políticas ambientais do país. E depois disso, como hoje, sequer discutem a criação de um caixa ou fundo de reserva para indenização de vítimas de acidentes e vazamentos, pois no setor dos combustíveis fósseis, a pergunta não é se vai acontecer algo, mas quando vai acontecer algo. É vergonhosa a forma com que vocês decidem o futuro de milhões de pessoas, inclusive dos seus filhos e netos. 

A ciência nos mostra que precisamos reduzir pela metade a queima de petróleo, gás e carvão até 2030 se quisermos manter chances razoáveis de sobrevivência no planeta, mas é impossível fazer isso concedendo e abrindo novos poços, e pior, sequestrando o direito dos cidadãos tomarem decisões e não concedendo e cerceando informações necessárias a sociedade civil neste espaço de discussão, como informamos no documento que protocolaremos a seguir nessa agência que deveria servir aos interesses públicos e não a grupos de petroleiras que destroem a natureza e matam milhões de pessoas. 

A transição para um modelo energético menos agressivo e mais saudável para o planeta é urgente e possível, e o Brasil tem fontes imensas de energias renováveis que podem e devem nos colocar como protagonistas de uma nova era.

Exigimos justiça Climática! Exigimos Mar Sem Petróleo! Deixa no chão!

Suelita Röcker
Sou Suelikta Röcker, Pedagoga, Agricultora, Especialista em Educação Ambiental e Gestaão Ambiental com tecnologia na Industria. Aqui representando a Arayara seus parceiros e principalmente os Sindicatos Rurais e Cooperativas agrícolas do Brasil.

Desde 2013, a COESUS Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima Agua e Vida, 350.org Brasil, Arayara e mais recente o Observatório do Petróleo e Gás diversos parceiros, através das campanhas realizam o trabalho de informar à população sobre os riscos e perigos da exploração das energias fosseis e seus impactos para a biodiversidade, economia, produção de alimentos, saúde da população e para o clima do planeta .

A sociedade vem se manifestando, por diversas vezes que é contra a exploração de combustíveis fósseis, uma energia retrógrada e a principal responsável pela emissão dos gases que causam o aquecimento global e as mudanças climáticas e para piorar ainda mais, coloca em risco a qualidade da água, ar e do solo ameaçando os territórios e a sobrevivência de diversas populações tradicionais. E agora bem recente as catástrofes climáticas mais frequentes, como a que vimos em Belo Horizonte e Espírito Santos causadas pelas mudanças climáticas.

Temos visto no mundo dezenas de cidades , estados e ate países que tem processado judicialmente as empresas petroleiras pelos danos causados pelas mudanças climáticas a sua população e a seu território , portanto os estados e cidades impactados pelas catástrofes climáticas tanto no Espirito Santo e Belo Horizonte e outros devem sim entrar ação de reparação de danos.

A ANP não menciona explicitamente nos editais se os blocos incluem a exploração de gás de xisto pelo método não convencional do fraturamento hidráulico, mais conhecido como fracking.

A Agência se vale da ausência de uma legislação nacional que discipline a utilização do fracking para promover os leilões e abrir o Brasil à indústria mais devastadora e perversa que existe, e omitindo isso da população que será diretamente afetada.

O edital demonstra-se vago quanto ao prazo para responder às impugnações, dispondo de modo geral e abstrato que as insurgências serão decididas antes da sessão pública do leilão, sendo que a Lei de Licitações, em seu artigo 41, § 1º, discorre que a Administração deverá responder às impugnações em 3 (três) dias úteis.

No item 12.3 do edital nega vigência ao artigo 41, § 2º, da Lei Federal n. 8.666/1993 ao não especificar que a licitante poderá impugnar o instrumento convocatório até o segundo dia útil que anteceder a realização do leilão, induzindo os interessados a equivocadamente suporem ser correta a aplicação do prazo de 5 (cinco) dias úteis.

Sem transparência e informação da avaliação de impacto ambiental, a ANP permite que o vencedor da concessão utilize qualquer tecnologia para a exploração do bloco sem a devida consulta pública e esclarecimento às comunidades impactadas ou aos gestores públicos e provoca danos severos à biodiversidade e às pessoas..

E por fim, salienta-se que, com fulcro no prelecionato pelo artigo 32,I, da Lei Federal n. 12.527/2011, constitui conduta ilícita que enseja a responsabilidade do agente público, passível, inclusive, de caracterização de ato de improbidade administrativa, a recusa a fornecer informações requeridas nos termos da Lei de Acesso á informação, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-las intencionalmente de forma incorreta , incompleta ou imprecisa.

Nós da COESUS, Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima Agua e Vida, Arayara e da 350.org, Observatório do Petróleo e gás juntamente com nossos milhões de apoiadores, exigimos que a ANP aja com verdade e transparência para com a sociedade civil, banindo o uso da técnica do faturamento hidráulico conhecida como fracking nos ambientes onshore e offshore para exploração do gás de xisto e dos mantos carboníferos metânicos que colocam em enorme risco a saúde pública, a agricultura nacional e o meio ambiente.