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Licenciamento de maior termelétrica do país avança contrariando parecer do Ibama

Licenciamento de maior termelétrica do país avança contrariando parecer do Ibama

Órgão ambiental ignora própria avaliação técnica e libera audiência pública de empreendimento em Caçapava (SP)

 

Matéria originalmente publIciada no portal Pública.

O processo de instalação da maior termelétrica da América Latina, contestada pelo Ministério Público Federal (MPF), por especialistas e pela sociedade civil, está prestes a avançar mais um passo. A Natural Energia, responsável pelo projeto em Caçapava, a 115 km de São Paulo, no Vale do Paraíba, conseguiu marcar duas audiências públicas para a semana que vem, com autorização do Ibama. O agendamento, no entanto, ocorre contrariando um parecer técnico do próprio órgão ambiental.

O empreendimento tem sido contestado pelos impactos climáticos e ambientais que pode causar desde que seu plano de instalação foi anunciado, em 2022, e chegou a ter o processo de licenciamento suspenso no começo deste ano.

Em 30 de abril, duas analistas ambientais do Ibama assinaram documento apontando uma série de problemas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela Natural Energia. No parecer, as especialistas do órgão recomendaram que audiências públicas para tratar do empreendimento só ocorressem após a empresa apresentar as complementações demandadas. Ignorando a opinião técnica, a Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic) do Ibama marcou duas audiências para o início de julho, uma em Caçapava e outra na cidade vizinha de São José dos Campos, sem que o estudo fosse corrigido.

Em mensagem enviada após a publicação da reportagem, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que as audiências estão sendo feitas apenas por decisão judicial. Também disse que a realização desses eventos “não significa avanço”.

“Temos algo muito equivocado no Brasil na regulação das térmicas. O licenciamento acontece para que as empresas possam disputar os leilões. Infelizmente ocorre muito licenciamento especulativo que nunca será realizado. As audiências públicas são etapas importantes para garantir a participação social no processo, mas não são garantia alguma de emissão de licença”, disse.

Alvo de críticas de especialistas e de ativistas locais, a Usina Termelétrica (UTE) São Paulo, movida a gás natural, terá 1,74 gigawatts (GW) de potência instalada, caso consumada. Isso é 16% a mais do que a UTE Porto de Sergipe I, a maior da América Latina atualmente. O objetivo é que a energia gerada faça parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), que abastece a maior parte do país.

POR QUE ISSO IMPORTA?

Usina movida a gás natural é contestada por potenciais danos ambientais e por aumentar as emissões do país de gases de efeito estufa – os principais responsáveis pelo aquecimento global.

Analistas do Ibama apontaram que empresa Natural Energia deveria fazer correções no estudo ambiental, o que ainda não ocorreu

A principal preocupação dos ambientalistas é em torno do potencial da usina de emissão de gases de efeito estufa – os principais responsáveis pelo aquecimento global. Apesar de menos poluente que outros combustíveis fósseis usados em termelétricas, como o carvão mineral e o óleo diesel, a queima do gás natural para geração de energia continua tendo como subproduto o gás carbônico (mesmo que em menor quantidade que os demais) e o metano, que tem um potencial calorífico maior.

Se entrar em operação total, a usina emitirá até 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, aumentando as emissões da matriz elétrica brasileira em um momento em que elas deveriam cair para ajudar a conter as mudanças climáticas. O montante é 2.000 vezes maior do que todas as emissões da cidade de Caçapava entre 2000 e 2022, segundo estudo do Instituto Arayara.

Expansão da Indústria do Gás: Crescimento Econômico à Custa do Planeta?

Expansão da Indústria do Gás: Crescimento Econômico à Custa do Planeta?

Iniciativa privada e governo brasileiro dão passos para estimular a produção do gás natural e seu fornecimento à indústria nacional. O aquecimento deste mercado, porém, também envolve aquecer mais o clima, que já dá muitos sinais de estresse e esgotamento.

Muitas movimentações têm sido realizadas com o objetivo de expandir a produção e impulsionar o comércio do gás natural no Brasil. Em comparação ao petróleo, o gás fóssil apresenta menos oferta no mercado, por ser uma indústria que ainda demanda investimentos altos, como a construção de gasodutos para o transporte dessa energia e de terminais de resfriamento, a fim de manuseá-lo em sua forma líquida.

Assim, as produtoras de gás preferem alocar parte do gás extraído para promover a extração de petróleo, como no pré-sal. O valor de mercado do gás, para as indústrias consumidoras desse insumo, torna-se alto. A fim de baixar esse preço, governo e iniciativa privada articulam soluções – tanto impulsionando uma maior produção e oferta, incentivando que empresas como Petrobras comercializem mais gás ao invés de usá-lo para reinjeção nos poços de petróleo, quanto estimulando no mercado a demanda pelo produto, garantindo que haverá um cenário com mais gás disponível.

Uma dessas soluções é a proposta da Abrace Energia, associação de grandes consumidores de energia, para que sejam realizados leilões regulados de venda de gás natural pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em semelhança aos promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para a contratação de energia elétrica.

A Nova Lei do Gás (14.134/2021) prevê leilões de gás e programas de venda também por outros agentes, não governamentais, mas em 2022 o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) editou uma resolução que transfere para a ANP a responsabilidade de organizar e executar leilões.

No âmbito do governo, muitas ações têm sido propostas para impulsionar o gás. O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou, em abril, a criação de um comitê de monitoramento de obras e projetos de gás em andamento. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) divulgou, também em abril, um estudo sobre o mercado de gás de olho em melhores condições de fornecimento do produto para a indústria nacional.

Em paralelo ao estímulo à produção interna, o Brasil estuda ainda o financiamento da fase final da construção do gasoduto que permitiria a importação do gás de fracking da região de Vaca Muerta, na Argentina, em uma tentativa de contornar as baixas que vêm enfrentando na importação de gás natural da Bolívia, onde há a previsão de desabastecimento até 2030. Todas essas são medidas que atrasam a Transição Energética do país, uma vez que impulsionam uma fonte fóssil em detrimento das renováveis, e estimulam o mercado e as indústrias que consomem este ativo fóssil, deixando-as mais longe de uma descarbonização de suas atividades.

A queima de combustíveis fósseis é o fator que mais contribui para a desregulação do clima. Estimular essa produção e esse comércio é impulsionar também o desencadeamento de mais desastres climáticos que custam muito mais para reparar do que o lucro em curto prazo que advém dessas atividades. O Instituto Internacional Arayara reforça a urgência de se incluir uma perspectiva de zero carbono nos debates de energia no Brasil e na América Latina, se quisermos avançar economicamente com sustentabilidade socioambiental, resguardando o planeta e as populações mais vulneráveis às mudanças climáticas.

Âmbar Adquire Térmicas da Eletrobras e Ameaça a Transição Energética

Âmbar Adquire Térmicas da Eletrobras e Ameaça a Transição Energética

A recente aquisição das termelétricas a gás natural da Eletrobras pela Âmbar Energia, do grupo J&F, por R$ 4,7 bilhões, levanta questões importantes sobre a sustentabilidade e os impactos ambientais e sociais associados ao uso de combustíveis fósseis. Com essa transação, a Âmbar se torna o terceiro maior gerador de energia a gás fóssil do Brasil, ampliando sua capacidade instalada para 4,6 GW.

 

Contexto da Aquisição

A compra inclui 12 usinas em operação e um projeto em desenvolvimento, distribuídos entre o Amazonas e o Rio de Janeiro. A Eletrobras, ao vender esses ativos, busca mitigar riscos operacionais e financeiros, além de avançar em sua meta de atingir “net zero” até 2030. A mbar, por sua vez, assume imediatamente os riscos de crédito dos contratos de energia associados às usinas, que somam 2 GW de potência.

 

Impactos Ambientais e Sociais

A expansão da geração de energia a gás natural, embora vista como uma alternativa menos poluente em comparação ao carvão, ainda apresenta significativos desafios ambientais e sociais. A queima de gás natural libera dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), ambos gases de efeito estufa que contribuem para as mudanças climáticas. Além disso, a extração e o transporte de gás natural podem causar vazamentos e contaminação de solo e água.

No contexto amazônico, a operação de termelétricas a gás pode agravar a degradação ambiental e afetar comunidades locais. A construção e operação dessas usinas frequentemente resultam em desmatamento, perda de biodiversidade e deslocamento de populações indígenas e ribeirinhas. Esses impactos são exacerbados pela falta de infraestrutura adequada e pela vulnerabilidade socioeconômica das comunidades afetadas.

 

Transição Energética Justa

Para que a transição energética seja realmente justa, é crucial priorizar fontes de energia renovável e sustentável, como solar, eólica e biomassa. Essas alternativas não apenas reduzem as emissões de gases de efeito estufa, mas também promovem o desenvolvimento local e a inclusão social. Investimentos em tecnologias limpas e na modernização da infraestrutura energética são essenciais para garantir um futuro sustentável.

 

Fora da Rota Sustentável

A aquisição das termelétricas a gás pela mbar Energia representa um movimento estratégico no mercado de energia, mas também destaca a necessidade urgente de repensar nosso modelo energético. O Instituto Arayara defende uma transição energética que priorize a justiça social e ambiental, promovendo o uso de fontes renováveis e minimizando os impactos negativos sobre o meio ambiente e as comunidades locais. É fundamental que políticas públicas e investimentos privados estejam alinhados com esses princípios para garantir um futuro sustentável para todos.

 

Negócio arriscado: Como a exploração de petróleo pode afundar o Brasil

Negócio arriscado: Como a exploração de petróleo pode afundar o Brasil

A decisão de promover a exploração e venda de mais combustíveis fósseis contrasta drasticamente com a realidade climática global e os eventos recentes que atestam sua severidade.

 

Artigo publicado originalmente no portal O Eco, por Nicole Oliveira e Juliano Bueno de Araújo.

À medida que a B3 anuncia a realização de leilões para a comercialização de petróleo e gás natural, um paradoxo se desenrola diante de nossos olhos. A decisão de promover a exploração e venda de mais combustíveis fósseis contrasta drasticamente com a realidade climática global e os eventos recentes que atestam sua severidade.

No Rio Grande do Sul, estamos testemunhando enchentes históricas que deslocaram comunidades e causaram prejuízos significativos de bilhões na infraestrutura pública, destruíram milhares de casas e lavouras, atingiram de forma direta mais de 1,3 milhões de pessoas, gerando perdas de centenas de vidas humanas e milhões de animais.

Este é um retrato vívido dos eventos climáticos extremos que são amplificados pelo aquecimento global – o mesmo aquecimento que é acelerado pela queima dos combustíveis que agora se pretende leiloar. Quase 90% das emissões globais de CO2 provêm da queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás fóssil), intensificando o ciclo hidrológico, resultando em chuvas mais intensas  e, consequentemente, enchentes mais severas, gerando verdadeiros “Dilúvios Climáticos”.

A projeção é que a curva de produção de petróleo e gás natural da União dê um salto nos próximos anos, com a produção de petróleo esperada para aumentar de 50 mil barris por dia atualmente para 564 mil barris por dia em 2029. Da mesma forma, a produção de gás natural fóssil deverá atingir 3,5 milhões de metros cúbicos em 2029. Esses aumentos significativos na produção de combustíveis fósseis indicam um compromisso contínuo com uma indústria que deveríamos estar planejando deixar de sermos dependentes e reduzirmos significativamente investimentos e sua expansão .

O aumento de 204,6% nos processos de licenciamento para exploração de petróleo e gás nos últimos dez anos refletem uma tendência preocupante de priorizar ganhos econômicos imediatos em detrimento da sustentabilidade e segurança ambiental.  Investir na exploração de combustíveis fósseis não é apenas ecologicamente insustentável; é economicamente imprudente. O financiamento global destinado a mitigar os impactos das mudanças climáticas está estimado em 1,3 trilhão de dólares, enquanto o financiamento para adaptação é muito menor, sugerindo que a prevenção é tanto mais eficaz quanto mais econômica.

É crucial repensarmos nossa matriz energética, privilegiando fontes limpas, renováveis e sustentáveis que não só aliviam o impacto ambiental, mas também oferecem maior resiliência econômica e social. As iniciativas devem mirar a redução da dependência de combustíveis fósseis, através da transição energética justa para tecnologias sustentáveis que protejam nosso planeta e as gerações futuras, e não na expansão das fronteiras de exploração.

À medida que eventos extremos como as enchentes se tornam mais frequentes e devastadores, cada decisão que tomamos hoje ressoa no futuro. Os leilões de petróleo e gás representam uma escolha crítica: continuar um caminho destrutivo ou escolher um novo rumo que valorize a vida e o ambiente. A decisão que tomarmos agora definirá o mundo em que viveremos – um mundo de desastres frequentes ou um de recuperação, restauração e renovação.

Enchentes no Rio Grande do Sul alertam para a intensificação da crise climática

Enchentes no Rio Grande do Sul alertam para a intensificação da crise climática

Desde o ano passado, o Sul do Brasil tem enfrentado uma série de eventos extremos, como o ciclone extratropical em setembro e diversos ciclos de chuvas, que preludiam a intensificação da crise climática e seus impactos às cidades brasileiras. 

No último fim de semana, intensas chuvas no Rio Grande do Sul provocaram a cheia do Rio Guaíba, e enchentes atingiram 68% das cidades do estado; muitas delas foram quase totalmente arrasadas, tendo casas, estradas, veículos e vidas perdidas.

As mudanças climáticas se intensificam à medida que as estruturas sociais continuam a poluir. Governos têm demonstrado pouco preparo para conter eventos extremos – menos ainda compromissos para reverter a emergência do clima.

Sabe-se que o Sul do Brasil é um “ringue” entre ar quente e frio devido às suas características geográficas, como latitudes médias. Lá, a passagem das chuvas tem sido intensificada pelo fenômeno do El Niño e, atualmente, também pelas mudanças climáticas

O aquecimento global provoca o desequilíbrio dos sistemas meteorológicos, que têm a temperatura como um fator determinante para a regulação das precipitações. Enquanto determinadas regiões apresentam secas e altas temperaturas, configurando um sistema de alta pressão que não deixa o ar frio, de baixa pressão, passar, outras sofrem com intensas precipitações que, não conseguindo avançar para as regiões de alta pressão, se concentram nas regiões “médias”, provocando enchentes, deslizamentos e ônus incalculáveis.

Enchentes recentes no Rio Grande do Sul tornaram-se a maior crise climática da história do estado, com 85 mortes registradas até o momento, cerca de 130 pessoas desaparecidas e mais de 200 mil pessoas fora de suas casas. Cidades e lavouras foram duramente atingidas e o estado de calamidade pública, que facilita o repasse de recursos financeiros ao estado pela União, foi decretado.

Em coletiva de imprensa, o Presidente Lula incentivou parlamentares a criarem emendas para beneficiar a recuperação do estado, no entanto muito pouco tem sido feito no parlamento para prevenir e enfrentar os efeitos das mudanças climáticas no país. De 513 deputados(as) federais, apenas uma destinou verba de emenda a ações relacionadas a mudanças climáticas, e nenhum destinou verbas a ações para recuperação das cidades após desastres naturais. 

Eventos extremos, adaptação climática

Os impactos não param por aí. A destruição da produção agrícola do estado do Rio Grande do sul, maior produtor de arroz do Brasil e o segundo maior de soja, serão sentidas por todo o país, que consome ainda outros produtos agrícolas da região. 

Críticas acerca das falhas do governo em investir recursos na adaptação climática também estão na ordem do dia. O Plano de Prevenção de Desastres, por exemplo, encomendado pelo estado e concluído em 2017,  nunca foi efetivado. Os repasses para a Defesa Civil e para a Gestão de Projetos e Respostas a Desastres Naturais também encurtaram entre 2022 e 2023. Ações mostram o pouco compromisso climático do estado gaúcho, o que também é percebido em âmbito nacional.

Segundo o relatório do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA, 2023), o financiamento público à adaptação precisa aumentar de 10 a 18 vezes, a fim de expandir as soluções climáticas.

Ainda que tenha havido uma múltipla mobilização da União para socorrer o Rio Grande do Sul em sua maior tragédia ambiental, como a disponibilização de agentes de segurança pública – a força nacional, a polícia federal e a polícia rodoviária federal; a criação de um fundo da Secretaria de Segurança Pública para apoiar a recuperação da região; além de campanhas federais de arrecadação, o estado segue indo na contramão dos alertas globais. Além de demonstrar pouco compromisso climático, tem incentivado uma indústria energética altamente poluidora e colaboradora das mudanças climáticas, como a indústria do carvão. Em abril deste ano, o Instituto Internacional Arayara publicou um texto de posicionamento analisando os impactos dessas políticas recentes do estado.  

Transição energética 

Para além dos esforços para mitigar eventos extremos, cientistas alertam que, se não reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa, maiores responsáveis pelo aquecimento global, o futuro climático será marcado por grandes secas, redução na produção agrícola, falta d’água e falta de energia.

A transição energética tem sido tema de debate em diferentes setores da sociedade, com o intuito de construir políticas e instrumentos legais que qualifiquem os Estados a frear as emissões e impulsionar novos modelos de desenvolvimento e de produção de energia que sejam sustentáveis para o meio ambiente.

Enquanto alguns setores ainda advogam pela extensão da exploração de combustíveis fósseis na perspectiva de financiar novas fontes de energias renováveis, ambientalistas e organizações que trabalham em prol do clima, como o Instituto Internacional Arayara, defendem que há como construir a transição energética sem queimar mais combustíveis fósseis, como petróleo e “gás natural”, mas falta interesse governamental para impulsionar essas alternativas, enquanto modelos energéticos tradicionais ainda são perpetuados em forma de contratos públicos e incentivos fiscais.