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Violência contra indígenas persistiu em 2023, ano marcado por ataques a direitos e poucos avanços na demarcação de terras

Violência contra indígenas persistiu em 2023, ano marcado por ataques a direitos e poucos avanços na demarcação de terras

Relatório anual do Cimi sobre violência contra povos indígenas apresenta dados do primeiro ano do governo Lula 3, marcado por impasses e contradições na política indigenista

Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - dados de 2023

As disputas em torno dos direitos indígenas nos três Poderes da República refletiram-se num cenário de continuidade das violências e violações contra os povos originários e seus territórios em 2023. O primeiro ano do novo governo federal foi marcado pela retomada de ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas, mas a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades permaneceram insuficientes. O ambiente institucional de ataque aos direitos indígenas repercutiu, nas diversas regiões do país, na continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra comunidades e pela manutenção de altos índices de assassinatos, suicídios e mortalidade na infância entre estes povos. Estas foram as constatações do relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O ano de 2023 iniciou com grandes expectativas em relação à política indigenista do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não apenas porque a nova gestão sucedeu um governo abertamente anti-indígena, mas também porque o tema assumiu centralidade nos discursos e anúncios feitos pelo novo mandatário desde a campanha eleitoral.

Essa mudança foi simbolizada pela presença do cacique Raoni, histórica liderança Kayapó, na posse do presidente recém-eleito. A criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a nomeação de lideranças indígenas para a chefia da nova pasta, da Funai – renomeada como Fundação Nacional dos Povos Indígenas – e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) complementaram o ambiente de esperanças renovadas.

Logo no início do ano, a situação do povo Yanomami – denunciada há muito tempo de forma recorrente – causou enorme comoção. Após anos de abandono e omissão ativa de governos anteriores frente à presença ilegal de garimpeiros na Terra Indígena (TI), o povo foi levado ao extremo da vulnerabilidade. A declaração de Emergência Nacional de Saúde e o início de uma grande operação de desintrusão naquele território apontaram na direção de uma mudança efetiva em relação à política indigenista.

Este contexto se refletiu na constatação de poucos avanços na demarcação de terras indígenas e na continuidade de casos de invasão, danos ao patrimônio indígena e conflitos relativos a direitos territoriais

Sem demora, contudo, a realidade política se impôs. O Congresso Nacional atuou para esvaziar o MPI e atacar os direitos indígenas, especialmente por meio da aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, transformado, no final do ano, na Lei 14.701/2023. O Poder Legislativo agiu em clara contraposição ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, depois de anos de tramitação, concluiu o julgamento do caso de repercussão geral que discutia a demarcação de terras indígenas com uma decisão favorável aos povos originários.

A Suprema Corte reconheceu os direitos territoriais indígenas como “cláusulas pétreas” da Constituição Federal – ou seja, que não podem ser alteradas ou restringidas – e declarou a tese do marco temporal inconstitucional. Esta tese, que há anos assombra os povos originários, pretende estabelecer que só poderiam ser demarcadas as terras que estivessem sob a posse dos povos indígenas ou em disputa comprovada na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.

À revelia do julgamento, o Congresso Nacional incluiu na lei 14.701 o marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas, além de um conjunto de dispositivos legais que, na prática, buscam inviabilizar novas demarcações e abrir as terras já demarcadas para a exploração econômica predatória. O veto parcial de Lula foi derrubado pelo Congresso, com grande número de votos de partidos que detêm cargos no governo, e a lei entrou em vigência no final do ano.

Este contexto se refletiu na constatação de poucos avanços na demarcação de terras indígenas e na continuidade de casos de invasão, danos ao patrimônio indígena e conflitos relativos a direitos territoriais.

Algumas ações de desintrusão foram realizadas, mas nenhuma com o fôlego inicial da Força Tarefa Yanomami, que também caiu em inércia sem que o garimpo tenha sido desarticulado por completo. Em 2023, foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em pelo menos 202 territórios indígenas em 22 estados do Brasil.

Oito terras indígenas foram homologadas no primeiro ano do novo governo, um número aquém das expectativas, mesmo sendo maior que o dos últimos anos. Os parcos avanços nas demarcações refletiram-se na intensificação de conflitos, com diversos casos de intimidações, ameaças e ataques violentos contra indígenas, especialmente em estados como Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná.

A disposição do governo federal em explorar petróleo na foz do Amazonas, a priorização orçamentária ao agronegócio e o apoio a grandes projetos de infraestrutura e de exploração minerária em conflito com povos indígenas, como a ferrovia “Ferrogrão” e as investidas de empresas estrangeiras sobre o território Mura, no Amazonas, também compuseram este cenário.

A morosidade e a ausência de uma sinalização clara do governo federal em defesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto número de conflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas

Barraco ao sol em retomada Guarani Kaiowá no Tekoha Laranjeira Nhanderu, Rio Brilhante (MS). Março de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

Barraco ao sol em retomada Guarani Kaiowá no Tekoha Laranjeira Nhanderu, Rio Brilhante (MS). Março de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

 

Violência contra o Patrimônio

O primeiro capítulo do relatório reúne as “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, que totalizaram 1.276 casos. Os registros desta seção dividem-se em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, na qual foram registrados 850 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, que teve 150 registros; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 276 casos.

As categorias de conflitos territoriais e de invasões a terras indígenas mantiveram-se em patamares elevados, apesar de registrarem ligeira redução em relação a anos anteriores. Se por um lado os dados refletem a retomada das operações de fiscalização ambiental, por outro, a maior parte dos relatos indica a continuidade das ações de invasores, a desestruturação dos órgãos responsáveis por estas tarefas e a falta de uma política permanente de proteção aos territórios indígenas.

Entre os principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados destacam-se, como em anos anteriores, os casos de desmatamento, extração de recursos naturais como madeira, caça e pesca ilegais, garimpo e invasões possessórias ligadas à grilagem e à apropriação privada de terras indígenas.

Houve priorização de operações de retirada de invasores num pequeno conjunto de territórios, em especial das sete TIs contempladas pelas decisões do STF no âmbito da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. Mesmo nestes casos, contudo, os dados e relatos indicam que as ações não deram conta de garantir a retirada completa dos invasores, e a grande maioria das terras indígenas contou apenas com ações fiscalizatórias pontuais.

Do total de 1.381 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil, a maioria (62%) segue com pendências administrativas para sua regularização, aponta a atualização da base de dados do Cimi. São 850 terras indígenas com pendências, atualmente. Destas, 563 ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para sua demarcação.

Em 2023, os maiores avanços ocorreram na constituição ou reestruturação de Grupos Técnicos (GTs) para a identificação e delimitação de terras indígenas, sob responsabilidade da Funai. É um indicativo da disposição do órgão em dar andamento à primeira etapa na regularização de demandas territoriais represadas há anos. Contudo, os trabalhos avançam a passos lentos: apenas três relatórios de identificação e delimitação foram concluídos e publicados pela Funai em 2023.

A indefinição sobre o marco temporal torna impossível uma previsão acerca do cumprimento dos prazos estabelecidos nas portarias, na medida em que o governo hesita e utiliza a Lei 14.701/2023 como justificativa para não avançar nos procedimentos demarcatórios. Tal postura reflete-se, também, no fato de que nenhuma portaria declaratória foi publicada pelo Ministério da Justiça.

A morosidade e a ausência de uma sinalização clara do governo federal em defesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto número de conflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas, a exemplo de casos registrados na Bahia, no Mato Grosso do Sul e no Paraná, entre outros.

Assim como nos anos anteriores, mantiveram-se com os maiores números de assassinatos de indígenas os estados de Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36)

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Violência contra a Pessoa

Os casos de “Violência contra a Pessoa”, reunidos no segundo capítulo do relatório, totalizaram 411 registros em 2023. Esta seção é dividida em nove categorias, nas quais foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (15 casos); ameaça de morte (17); ameaças várias (40); assassinatos (208); homicídio culposo (17); lesões corporais (18); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (35); e violência sexual (23).

Assim como nos anos anteriores, mantiveram-se com os maiores números de assassinatos de indígenas os estados de Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36). Os dados, que totalizaram 208 assassinatos, foram compilados a partir da base do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de informações obtidas junto à Sesai via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Destacam-se os assassinatos a tiros, logo no início do ano, dos jovens Pataxó Samuel Cristiano do Amor Divino, de 23 anos, e Nauí Pataxó, de 16, no extremo sul da Bahia. Eles viviam numa retomada da TI Barra Velha do Monte Pascoal e foram executados quando saíram para comprar alimentos nas proximidades, em janeiro.

O povo Pataxó luta há anos pela demarcação de suas terras nesta região. Os conflitos seguiram sem resolução ao longo de 2023 devido à falta de avanço nos procedimentos demarcatórios e motivaram medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O envolvimento de policiais militares em milícias privadas investigadas pelas mortes dos indígenas guarda semelhanças com as violências registradas contra indígenas no Mato Grosso do Sul, onde forças policiais são acusadas de atuarem como escoltas privadas de fazendeiros, compartilhando informações e dando suporte a ataques de seguranças privados contra comunidades Guarani e Kaiowá. Além de despejos ilegais e ataques violentos contra acampamentos indígenas, também foram registradas prisões arbitrárias de indígenas na região.

Ataques de garimpeiros contra indígenas Yanomami, em Roraima e no Amazonas, seguiram sendo registrados ao longo de 2023, apesar das operações realizadas no primeiro semestre do ano na TI Yanomami. Assassinatos, ataques armados, violências sexuais e aliciamento de indígenas para o garimpo, com fomento a conflitos internos, integraram o trágico quadro da continuidade das violências neste território.

Os assassinatos de indígenas do povo Guajajara no Maranhão mantiveram-se em alta, em especial na TI Arariboia, que há anos é dilapidada por invasores. Também continuaram os casos de violência armada contra indígenas dos povos Tembé e Turiwara, no nordeste do Pará, em conflito com grandes empresas ligadas à monocultura e à produção de óleo de dendê.

A falta de saneamento básico e de água potável foram agravadas pela crise climática, que provocou enchentes pelo país e severa estiagem na região amazônica, aprofundando a vulnerabilidade de diversas comunidades

Retomada Guapoy, Amambai (MS), fevereiro de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

Retomada Guapoy, Amambai (MS), fevereiro de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

 

Violência por Omissão do Poder Público

O terceiro capítulo do relatório reúne os casos de “Violência por Omissão do Poder Público”, organizado em sete categorias. Segundo os dados consultados junto ao SIM e obtidos junto à Sesai, foram registradas 1040 mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade em 2023. Também neste caso, os mesmos estados dos anos anteriores registraram o maior número de ocorrências: Amazonas, onde ocorreram 295 mortes nessa faixa etária, Roraima, com 179 casos, e Mato Grosso, com 124.

A maior parte dos óbitos infantis teve causas consideradas evitáveis por meio de ações de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento adequados. Entre estas causas, destaca-se a grande quantidade de mortes ocasionadas por gripe e pneumonia (141), por diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (88) e por desnutrição (57).

Informações obtidas junto a estas mesmas bases públicas indicaram a ocorrência de 180 suicídios de indígenas em 2023. Os índices mais altos, assim como nos anos anteriores, foram registrados no Amazonas (66), Mato Grosso do Sul (37) e Roraima (19).

Ainda neste capítulo, estão registrados os seguintes dados referentes ao ano de 2023: desassistência geral (66 casos); desassistência na área de educação (61); desassistência na área de saúde (100); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (6); e morte por desassistência à saúde (111), totalizando 344 casos.

Destacam-se, neste contexto, a falta generalizada de infraestrutura escolar em aldeias de todo o país e de infraestrutura, pessoal e transporte para o atendimento à saúde nas comunidades indígenas. A falta de saneamento básico e de água potável foram agravadas pela crise climática, que provocou enchentes pelo país e severa estiagem na região amazônica, aprofundando a vulnerabilidade de diversas comunidades.

Cabe ressaltar que, a partir deste ano, o Cimi passou a contabilizar os casos de morte por desassistência à saúde com base nos dados do SIM e da Sesai, o que explica o aumento de casos registrados em relação aos anos anteriores.

A nova gestão renovou portarias de restrição de uso de territórios que o governo anterior havia deixado vencer. Apesar disso, a situação manteve-se preocupante, pois a maior parte das terras indígenas com presença de isolados que foram invadidas nos anos anteriores seguiu registrando invasões em 2023

Placa de invasor na Terra Indígena Karipuna, onde há presença de indígenas isolados. Foto: Maiara Dourado/Cimi

Placa de invasor na Terra Indígena Karipuna, onde há presença de indígenas isolados. Foto: Maiara Dourado/Cimi

 

Povos isolados

O quarto capítulo do relatório é dedicado a analisar a situação dos povos indígenas em isolamento voluntário. Estes povos, que estiveram entre os mais afetados pelo desmonte da política de proteção às terras indígenas nos anos passados, seguiram sob grave ameaça em 2023.

A nova gestão renovou portarias de restrição de uso de territórios que o governo anterior havia deixado vencer. Mas, apesar disso, a situação manteve-se preocupante, pois a maior parte das terras indígenas com presença de isolados que foram invadidas nos anos anteriores seguiu registrando invasões em 2023. Pelo menos 56 do total de 119 registros de isolados contabilizados pela Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) do Cimi encontram-se em terras indígenas que registraram invasões ou danos ao patrimônio em 2023.

Apesar da renovação de portarias de restrição de uso, não houve providências do governo federal para garantir a proteção de isolados cuja localização foi registrada fora de terras indígenas atualmente reconhecidas, que correspondem a 37 dos 119 registros contabilizados pela Eapil. Parte destes registros sem providências é reconhecido pela própria Funai, como é o caso dos isolados do Mamoriá Grande, em Lábrea (AM).

Também nestes territórios, apesar de algumas ações mais robustas de enfrentamento aos invasores, como no caso da TI Ituna/Itatá, no Pará, a maioria das operações de fiscalização foi pontual ou insuficiente para garantir a proteção das áreas. Lideranças de TIs como Vale do Javari, no Amazonas, e Karipuna, em Rondônia, seguiram denunciando a presença contínua de invasores.

III Marcha das Mulheres Indígenas, setembro de 2023. Foto: Maiara Dourado/Cimi

III Marcha das Mulheres Indígenas, setembro de 2023. Foto: Maiara Dourado/Cimi

 

Memória

O quinto capítulo do relatório é dedicado à reflexão sobre o tema da Memória e Justiça e traz dois textos nesta edição. O primeiro é um estudo inédito do pesquisador Marcelo Zelic (1963-2023) sobre o histórico do esbulho da TI Ananás, em Roraima. O artigo apresenta propostas para a reparação dos danos causados aos povos Macuxi e Wapichana devido à prática dos chamados “crimes da tutela” – violações cometidas durante a Ditadura Militar, quando o Estado se utilizava do instrumento legal da tutela para inviabilizar a luta dos povos indígenas e mutilar seus territórios. Este texto foi editado por pesquisadores e familiares que buscam manter viva a dedicação de Zelic ao tema da preservação da memória e à luta pela criação de mecanismos de não repetição das violações de direitos humanos contra os povos indígenas.

No segundo texto do capítulo, um dos fundadores do Cimi, Egydio Schwade, faz uma retrospectiva sobre o primeiro instrumento produzido pela entidade para denunciar as violações dos direitos indígenas, que completa 50 anos em 2024. Publicado em 1974, o dossiê Y-Juca Pirama – o índio: aquele que deve morrer foi o antecessor histórico do presente relatório, produzido anualmente pelo Cimi.

Artigos

Além dos capítulos destinados à sistematização dos dados, o relatório de 2023 também reúne textos que buscam aprofundar a reflexão sobre os temas abordados pela publicação. A situação dos indígenas encarcerados no país e o significado da violência física e simbólica que representa a queima de Casas de Reza Guarani e Kaiowá são os tópicos abordados em dois destes artigos. A análise detalhada dos casos de racismo e discriminação étnico-racial contra indígenas e a avaliação dos gargalos e desafios da política indigenista sob a ótica do orçamento e da execução financeira em 2023 são os temas de outros dois textos.

plataforma Caci, mapa digital que reúne as informações sobre os assassinatos de indígenas no Brasil, foi atualizada com as informações do Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2023. Caci, sigla para Cartografia de Ataques Contra Indígenas, também significa “dor” em Guarani. Com a inclusão dos dados de 2023, a plataforma agora passa a abranger informações georreferenciadas sobre 1.470 assassinatos de indígenas, reunindo dados compilados desde 1985.

Acesse em caci.cimi.org.br.

Mais informações:

Assessoria de Comunicação: (61) 99641-6256

Foto da capa

Retomada Guapo’y Mirin Tujury, Amambai (MS), fevereiro de 2023. A menina Guarani Kaiowá Laisquene, de 3 anos, numa das barracas de lona da retomada, onde vive com os pais. No ano anterior, lideranças do tekoha foram assassinadas. A comunidade segue em luta pela demarcação da terra.  A foto é de Renaud Philippe e integra o projeto Retomada da Terra, de Renaud Philippe e Carol Mira, assim como as outras desta série que ilustram a publicação. Mais informações: renaudphilippe.com

Fonte: CIMI

Indígenas do Levante pela Terra denunciam favorecimento do agronegócio em detrimento às demarcações

Indígenas do Levante pela Terra denunciam favorecimento do agronegócio em detrimento às demarcações

“Meio trilhão pra eles e nem um tostão para nós”, questionam os indígenas, que também reivindicam que Lei 14.701/2023, do marco temporal, seja declarada inconstitucional.

POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO LEVANTE PELA TERRA

Em marcha na tarde de quarta-feira (26), cerca de 200 indígenas mobilizados pela segunda edição do “Levante pela Terra” denunciaram o valor destinado ao agronegócio por meio do Plano Safra 2024/2025 – mais de 500 bilhões de reais – enquanto valores ínfimos são destinados à demarcação de terras indígenas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

A manifestação reúniu indígenas dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva, Guarani Mbya, Huni Kuin e Tukano.

Durante os atos, explicam de forma pedagógica, em faixas e cartazes, a diferença no montante destinado pelo Governo Federal ao Plano Safra 24/25, que tem o agronegócio como o principal beneficiado, e o montante destinado às demarcações: “Povos Indígenas R$ 0,000006; Agronegócio R$ 600.000.000.000,00”.

“Indígenas denunciam o valor destinado o agronegócio por meio do Plano Safra 2024/2025, enquanto valores ínfimos são destinados à demarcação de terras indígenas.”

Foto: Adi Spezia | Cimi

O objetivo da manifestação é deixar um recado dos povos indígenas: “o governo Lula prevê liberar mais de R$ 500 bilhões, a metade de R$ 1 trilhão, para o agronegócio financiar o desmatamento e o envenenamento dos alimentos que a população brasileira e a população mundial consomem. Enquanto que para os povos indígenas só uns tostões, e as demarcações de terra, homologações e portarias declaratórias seguem todas travadas”, denuncia Kretã Kaingang, um dos coordenadores do Levante pela Terra e um dos fundadores da primeira edição do Levante, em 2021.

“Para o agronegócio, meio trilhão, para os povos indígenas, nem um tostão. Essa é a diferença, a diferença do modelo que o governo trata os povos indígenas no Brasil”, denuncia Kretã.

“Para o agronegócio, meio trilhão, para os povos indígenas, nem um tostão.”

Foto: Marcos Willian | Cimi

Em manifestação em frente ao Ministério da Agricultura, Luis Salvador Kaingang, cacique da Terra Indígena (TI) Rio dos Índios, se manifestou contra o favorecimento do governo federal ao agronegócio. “Chega de exportação genocida, chega desse agronegócio que envenena nossa Mãe Terra, porque nós precisamos de vida.”

Com cantos, danças e cartazes, os povos protestam também contra a paralização nas demarcações e contra a Lei 14.701/2023, que fixa tanto o marco temporal como outras normas de impedimento à demarcação de terras indígenas. Em uma das faixas, o apelo ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi claro: “STF: a Lei 14.701 é inconstitucional! Nossos territórios são sagrados”.

“Chega de exportação genocida, chega desse agronegócio que envenena nossa Mãe Terra, porque nós precisamos de vida.”

Foto: Adi Spezia | Cimi

A Lei 14.701 ignora a decisão dada pelo STF em setembro do ano passado. Na ocasião, a Corte afastou a tese do marco temporal como critério para demarcação das terras indígenas. Mesmo assim, o Congresso Nacional promulgou a lei no final do ano passado em uma disputa de força com a Suprema Corte.

Simão Guarani Kaiowá, liderança da Aty Guasu, destacou as razões pelas quais as lideranças decidiram organizar a segunda edição do Levante pela Terra: “Estamos aqui para defender o nosso direito e a nossa terra. Até o momento, a gente não recebeu nenhuma resposta do que foi prometida pelo governo federal, por isso chamamos o acampamento de Levante pela Terra”.

“Estamos aqui para defender o nosso direito e a nossa terra.”

Foto: Adi Spezia | Cimi

O Congresso Nacional também foi alvo das denúncias durante a manifestação. “Estão brincando com os nossos direitos, todas as políticas contrárias aos povos indígenas fazem ali naquela casa, no Congresso Nacional, onde invasores nos julgam com as leis que eles criaram, como a Lei 14.701”, denuncia Nhepan Gakran, liderança do povo Xokleng.

Apontando para as Casas Legislativas, Nhepan completa: “Esse Congresso não tem moral nenhuma para falar e julgar os direitos dos povos indígenas, porque são todos invasores e cada vez mais promovem a destruição da nossa cultura, promovem a destruição do nosso território, das nossas vidas”.

“Esse Congresso não tem moral nenhuma para falar e julgar os direitos dos povos indígenas, porque são todos invasores e cada vez mais promovem a destruição.”

Foto: Marcos Willian | Cimi

Simultânea à manifestação na Esplanada dos Ministérios na capital federal, uma delegação de 25 lideranças acompanhou sessão do Supremo Tribunal Federal, no plenário da casa. Na oportunidade, o ministro Luís Roberto Barroso, na presidência da Corte, destacou a presença dos indígenas na sessão, ao mesmo tempo que saudou o Levante pela Terra. Na avaliação dos indígenas, se fazer presente nas sessões da Suprema Corte “é uma forma, mesmo que silenciosa, de dizer aos ministros que estamos aqui”.

“Se fazer presente nas sessões da Suprema Corte é uma forma, mesmo que silenciosa, de dizer aos ministros que estamos aqui.”

Foto: Marcos Willian | Cimi

De volta ao acampamento, instalado no Complexo Cultural Funarte, em Brasília (DF), os organizadores do Levante pela Terra organizam novas manifestações, que integram a programação do Levante pela Terra, entre os dias 24 e 28 de junho. São aguardados no acampamento mais de 500 indígenas de diversos povos do Brasil.

Levante pela Terra: mobilização exige fim das violações dos direitos indígenas

Levante pela Terra: mobilização exige fim das violações dos direitos indígenas

De 24 a 28 de junho, as principais lideranças indígenas do país se reúnem em Brasília para a segunda edição do Acampamento Levante pela Terra.

Sob o tema “Movimento indígena pela demarcação dos territórios”, o evento ocorre no Complexo Cultural Funarte, esperando reunir mais de 500 participantes, incluindo ambientalistas, instituições apoiadoras e povos indígenas.

Kretã Kaingang, liderança nacional e internacional indígena, destaca que esta edição é um novo chamamento para exigir do governo reparação pelas violações contínuas dos direitos dos povos indígenas. “Neste momento, há  leis anti-indigenas da bancada ruralista que estão tramitando no Congresso, e como os verdadeiros guardiões desta terra, devemos nos posicionar”, explica o coordenador geral do Acampamento Terra Livre, que também atua como coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas (APIB) / Região Sul e como assessor político do Instituto Ângelo Kretã.

A primeira edição do evento teve importância histórica para a derrubada da tese do marco temporal

A primeira edição do Levante pela Terra, realizada em 2021, alcançou importantes vitórias, como o PL 490, que foi barrado no Congresso. A mobilização, que durou 35 dias, também foi fundamental para derrubar a tese do Marco Temporal e resgatar projetos que estavam engavetados. A iniciativa destaca o avanço da visibilidade indígena diante de políticas injustas, fortalecendo o seu protagonismo no enfrentamento e busca de reparações.

Isabel Tukano, da etnia Tukano e coordenadora de logística do  do Levante, observa que os povos indígenas são invisibilizados em seus territórios, sem voz para dialogar com o Estado. “Nossas comunidades foram severamente afetadas pelas recentes enchentes no sul, mas as verbas destinadas não contemplaram as nossas comunidades. Esta é uma das demandas centrais desta mobilização”, destaca.

Agenda

Na tarde de hoje (26/6), a partir das 14h,  acontece uma marcha, que sairá da Biblioteca Nacional em direção ao Superior Tribunal Federal (STF). O objetivo da mobilização é reivindicar a demarcação de terras.

A programação conta também com oficinas e capacitações que abordam pautas trazidas pelas delegações das diferentes regiões do país. Questões climáticas, racismo ambiental, geração de renda e saúde mental fazem parte dos temas a serem debatidos.

O Acampamento Levante pela Terra conta com o apoio do Instituto Internacional Arayara, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Arpin Sul, Arpin Sudeste, Aty Guasu e Articulação dos Povos Indígenas (APIB), além da Cruz Vermelha Brasileira.

Durante a programação de abertura do evento (24/6), o Instituto Internacional Arayara promoveu um painel sobre os impactos da exploração de petróleo e gás em terras  indígenas do país. Além de conscientizar os povos originários em relação aos riscos sobre suas terras, a iniciativa teve o objetivo de articular estratégias de enfrentamento contra a exploração desses territórios. Quem ministrou o painel foi o diretor técnico e de campanhas do Instituto Internacional Arayara e da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil, Juliano Bueno de Araújo.

Serviço

Acampamento Levante pela Terra

Quando: 24 a 28/06/24 

Onde: Complexo Cultural Funarte – Brasília (DF)

Relatório aponta 5 bancos que estariam bancando a destruição na Amazônia

Relatório aponta 5 bancos que estariam bancando a destruição na Amazônia

Relatório produzido pela organização Stand.earth e pela COICA – Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica afirma que bancos estão fazendo uma “maquiagem verde” no financiamento de petróleo e gás na Amazônia.

Segundo o documento, as políticas de proteção apregoadas pelos bancos são ineficazes para promover a proteção ambiental da floresta e dos povos e comunidades indígenas da Amazônia, e pede o fim de tais investimentos.

Publicado originalmente em Context.New*
*Gerente de Oceanos e Clima da Arayara, Vinicius Nora, contribuiu.

Cinco dos principais bancos do mundo não estão a implementar políticas eficazes para proteger a Amazônia ao financiar a extração de petróleo e gás na região, afirmou um relatório lançado nesta semana, acusando os gigantes financeiros de “greenwashing“[1].

Produzido pela organização de defesa ambiental Stand.earth e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), o relatório instou os bancos a pararem de financiar a extração de petróleo e gás para ajudar a proteger 80% da maior floresta tropical do mundo até 2025.

Em média, 71% da Amazônia não está efetivamente protegida pelas estruturas de gestão de risco ambiental e social (ESRM) dos cinco principais financiadores do petróleo e gás da Amazônia – Citibank, JPMorgan Chase, Itaú Unibanco, Santander e Bank of America, de acordo com o relatório “Greenwashing the Amazon: How banks are destroying the Amazon Rainforest while pretending to be green” (“Praticando a ‘maquiagem verde’ na Amazônia: Como bancos estão destruindo a floresta amazônica enquanto se passam por sustentáveis”, na tradução livre).

“Isso significa que esses bancos deixam vulnerável a maior parte do território amazônico, sem gestão de risco para mudanças climáticas, biodiversidade, cobertura florestal e direitos dos povos indígenas e comunidades locais”, disseram os autores do relatório em um comunicado.

Eles ainda acrescentaram que o relatório “destaca o abismo entre as políticas ambientais e sociais divulgadas pelos principais financiadores e a destruição que estão a financiar na região”.

O relatório afirma que o banco HSBC, que também financiou petróleo e gás na Amazônia, foi o único na análise que apresentou um exemplo positivo de política, citando a sua decisão em 2022 de se abster de financiar petróleo e gás na Amazônia.

Os outros bancos contestaram as conclusões do relatório, dizendo que as suas políticas protegem a biodiversidade e os territórios indígenas.

Angeline Robertson, investigadora-senior da Stand.earth e principal autora do relatório, disse que a extração de petróleo e gás não só leva à queima de mais combustíveis fósseis, mas também cria infraestruturas que facilitam a destruição da floresta.

“O petróleo e o gás são a ponta da lança do desmatamento”, já que as estradas construídas para projetos de combustíveis fósseis são posteriormente usadas na expansão da soja, do óleo de palma e de outras commodities nas profundezas da floresta, disse ela à Context.

Risco do “ponto de inflexão”

O relatório analisou mais de 560 transações relacionadas ao financiamento de combustíveis fósseis realizadas por cerca de 280 bancos nos últimos 20 anos, usando o banco de dados de bancos da Amazônia.

Constatou que 72% de todas as transações de financiamento de combustíveis fósseis foram estruturadas de forma a minimizar a identificação e priorização de valores ambientais e sociais nos quadros de gestão de risco dos bancos.

Isto significa que os riscos para as pessoas e a natureza podem não ser identificados com precisão, o que limitaria a possibilidade da aplicação de exclusões e de rastreios, que se destinam a ajudar os bancos a tomar decisões de financiamento, afirmou.

De acordo com uma avaliação de 2023 da ONG ambientalista brasileira Arayara, os governos concederam 255 blocos de petróleo e gás na região, com outros 547 atribuídos para estudo.

Além disso, os bancos investiram mais de 20 bilhões de dólares em projetos de petróleo e gás na Amazônia nos últimos 20 anos, 47% do montante total detectado pelo relatório.

Em termos do impacto da extração de petróleo e gás sobre os povos indígenas, o relatório citou dados do governo do Equador que identificaram mais de 4.600 derrames de petróleo e contaminação entre 2006-2022, com mais de 530 destes derrames ocorrendo em terras indígenas.

O relatório recomendou que os bancos adotassem uma exclusão geográfica que abrangesse todas as transações do setor de petróleo e gás na Amazônia.

“Isso é proposto como a única solução viável para evitar um ponto de inflexão na Amazônia, que deve permanecer pelo menos 80% protegida, a fim de evitar um declínio, impedir a perda de biodiversidade, mitigar as mudanças climáticas e defender os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais”, defende o estudo.

 

[1]”Lavagem verde”, ou “maquiagem verde”, é uma estratégia de marketing utilizada para que um serviço ou produto venda sua imagem como sendo melhor para o meio ambiente do que realmente é.

 

Clique aqui para acessar o Press Release do Relatório – em português.

O Estudo completo (“Praticando a maquiagem verde na Amazônia”) está disponível aqui – em inglês.