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Terra Indígena Rio dos Pardos: da luta à conquista

Terra Indígena Rio dos Pardos: da luta à conquista

O povo indígena Xokleng, conhecido por sua profunda conexão com a natureza, ocupou uma vasta área do Planalto Norte Catarinense, porém, quase desapareceu devido à colonização no início do século 20. Os indígenas sobreviventes foram confinados em pequenas parcelas de terra, estabelecidas pelo Estado em 1914, medida que seguiu marginalizando esse povo em prol do desenvolvimento econômico predatório. Entre as áreas concedidas aos Xokleng está a Terra Indígena (TI) Rio dos Pardos, homologada por decreto em setembro de 2000. Contudo, apesar do reconhecimento, a sobrevivência no território remanescente continuou desafiadora.

A indústria do petróleo e do gás gera graves impactos ambientais e tem causado e intensificado conflitos sociais no Brasil e em outros países. Essa problemática é evidente na TI Rio dos Pardos, sobre a qual foram desenhados blocos de exploração, leiloados no 4º Ciclo da Oferta Permanente no regime de Concessão (OPC) da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), agravando ainda mais o contexto desse território ancestral.

O leilão dos blocos de exploração ocorreu em 13 de dezembro de 2023, conhecido como o “Leilão do Fim do Mundo”. As áreas ofertadas levantaram preocupações ambientais e sociais, especialmente em relação aos territórios tradicionais e indígenas. Identificaram-se potenciais impactos socioambientais dentro dos limites impostos pela legislação, nas Áreas de Influência Direta (AID) de territórios indígenas. Mesmo assim, o leilão resultou na arrematação de diversos blocos sobrepostos com áreas protegidas, dentre os quais, 14 blocos com TIs, através de processos repletos de ilegalidades.

Em resposta a essa ameaça, os povos indígenas e seus aliados uniram forças. O Instituto Internacional ARAYARA entrou com ações judiciais contra 77 blocos, que, além de TIs, atingiam Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas, dissuadindo várias empresas interessadas. Dentre os blocos litigados, apenas quatro foram adquiridos, sendo um deles o bloco PAR-T-335, arrematado pela empresa Blueshift Geração e Comercialização de Energia Ltda. Esse bloco se sobrepunha à TI Rio dos Pardos a outras áreas sensíveis na Bacia do Paraná, como a Zona de Amortecimento da Estação Ecológica Municipal Severino Ravanello, além de quatro assentamentos e seis sítios arqueológicos.

A ambição das empresas e do governo pela exploração de petróleo e gás não foi suficiente para superar a resistência dos Xokleng, resultando na retirada do bloco PAR-T-335 da oferta. Esse povo, com sua rica tradição de resistência e resiliência, demonstra que suas vozes não podem ser ignoradas e que a vitória vem através da luta coletiva. O Cacique Rosalino, falou sobre a importância dessa vitória para os povos indígenas e agradeceu a todo o time Arayara pela atuação e apoio nesse processo. “Sem o apoio do Instituto Arayara, não teríamos conhecimento sobre o que estava acontecendo em nosso território, então só temos a agradecer. É bom saber que tem pessoas lá fora que trabalham por nós. Toda a comunidade estava preocupada e é gratificante saber que conseguimos”, relatou a liderança do povo Xokleng. O Instituto Internacional ARAYARA permaneceu ao lado dos povos indígenas durante toda essa batalha e hoje celebra junto ao povo Xokleng essa conquista, que prioriza o território ancestral, o meio ambiente, a cultura e a vida acima dos interesses petrolíferos.

Essa vitória não é exclusivamente regional. A queima de combustíveis fósseis produz grandes quantidades de gases de efeito estufa, que são responsáveis por grande parte da catástrofe climática que enfrentamos. Nesse contexto, a expansão da exploração de petróleo e gás é totalmente contraditória à necessidade urgente de transição energética e ao papel crucial das Terras Indígenas na preservação ambiental. Graças à proteção promovida por seus habitantes, esses territórios são verdadeiras barreiras que garantem a preservação da natureza e a estabilidade climática em todo o globo.

Celebra-se, assim, a exclusão do bloco PAR-T-335 em respeito aos direitos indígenas, à preservação ambiental e ao patrimônio histórico e cultural do Brasil. Ao mesmo tempo, nos traz uma reflexão sobre a estrutura e a aplicação das políticas socioambientais brasileiras que nos conduziram a este ponto, para evitar a repetição dos mesmos erros.

* Juliano Bueno de Araújo é diretor-presidente e diretor-técnico e de Campanhas do Instituto Internacional ARAYARA

⁠** Nicole Figueiredo de Oliveira é diretora-executiva do Instituto Internacional ARAYARA

*** Kretã Kaingang é secretário-executivo Região Sul da APIB e liderança Kaingang

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br

Fonte: Congresso em Foco

Direitos territoriais de povos tradicionais e crise climática são debatidos em audiência

Direitos territoriais de povos tradicionais e crise climática são debatidos em audiência

Na última terça-feira (26), a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS) da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para discutir os impactos da crise climática e a garantia de direitos nos territórios. O evento, promovido pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), contou com a participação de representantes da sociedade civil, lideranças comunitárias e governamentais.

 

O Instituto Internacional Arayara, que atua ativamente na defesa dos direitos dos povos tradicionais, participou do evento, que foi organizado pelo The Climate Reality Project Brasil, em parceria com a Frente Parlamentar Mista Ambientalista e o Grupo de Trabalho de Juventudes.

 

O debate teve foco nos efeitos de eventos climáticos extremos, como o aumento do nível do mar, a acidificação dos oceanos e a desertificação de áreas vegetadas, que aprofundam desigualdades sociais, raciais e de gênero, afetando desproporcionalmente comunidades vulneráveis no Brasil.

 

Presidida pelo deputado Chico Alencar, a mesa destacou a necessidade de ações urgentes para enfrentar esses desafios e garantir direitos fundamentais às populações impactadas, com foco especial nos povos originários, tradicionais e periféricos.

 

Os territórios são solução para a crise climática

 

Em sua fala, a deputada Célia Xakriabá ressaltou a relevância dos territórios indígenas e tradicionais para o combate à crise climática: “Os territórios indígenas e de comunidades tradicionais representam muito mais do que o valor de um banco mundial; eles são o maior banco de estoque de carbono. Não podemos chegar à COP no Brasil, no próximo ano, sem reconhecer que esses territórios são uma saída essencial para barrar a crise climática.”

 

Xakriabá destacou que os territórios indígenas contribuem com 20% da solução climática global, enquanto os de povos tradicionais representam 30%, somando 50% do total. Segundo a deputada, ignorar essa contribuição equivale a descartar uma solução poderosa.

 

Ela também reforçou a importância de pautas como a demarcação de terras e a regularização fundiária, reconhecidas pela ONU, e criticou a falta de ação nesse sentido. “Não reconhecer esses territórios como uma alternativa tecnológica, social e ancestral é um erro grave. Quando se mata um rio, mata-se também o direito de beber. Isso é futuricídio.”

PEC : Natureza como sujeito de direito

 

Xakriabá também apresentou a proposta de uma PEC para reconhecer a natureza como sujeito de direito, inspirada nas constituições do Equador e da Bolívia. Segundo ela, a iniciativa visa proteger os biomas brasileiros, como a Caatinga, o Cerrado, a Amazônia, o Pampa e o Pantanal, e colocá-los no centro das estratégias de enfrentamento à crise climática.

 

“A audiência reforçou a urgência de medidas concretas para mitigar os impactos climáticos e proteger os direitos das comunidades tradicionais, alinhando o Brasil aos compromissos globais de preservação ambiental e justiça climática”, destacou Heloísa SanDiego, analista ambiental do Instituto Internacional Arayara.

 

Povos indígenas e mudanças climáticas

 

Em julho deste ano, foi lançado o Protocolo Indígena de Prevenção, Preparação, Resposta e Recuperação em Situação de Risco e Desastre durante o Acampamento Levante pela Terra, realizado entre 24 e 28 de junho, em Brasília. Este documento histórico é o primeiro do Brasil a integrar ações nas áreas de saúde, educação, assistência social, proteção, defesa civil e segurança, além de enfrentar diretamente o racismo ambiental.

 

Elaborado com a contribuição de lideranças indígenas de diversas regiões do país e com o apoio técnico do Instituto Internacional Arayara, o protocolo busca garantir a proteção integral dos povos indígenas em situações de risco ou desastre.

 

“O aumento dos desastres ambientais provocados pelo agravamento das mudanças climáticas exige a criação de políticas públicas mais robustas e instrumentos legais eficazes para adaptação e mitigação de danos”, destaca SanDiego.

Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Os muras de Sissaíma, uma pequena terra indígena à espera de demarcação na região de Careiro da Várzea, no leste do Amazonas, estão cercados por fazendas e búfalos.

O fogo está incorporado à rotina nessas propriedades, e os indígenas convivem com ondas volumosas de fumaça na seca amazônica, apesar de garantirem a existência de uma ilha verde em meio aos descampados rurais. Os búfalos criados pelos fazendeiros, dependentes da água, contaminam rios e lagos e impedem a procriação de peixes.

Os indígenas ainda enfrentam o cerco de madeireiros ilegais e o avanço do comércio de drogas em comunidades vizinhas. Em Sissaíma, onde vivem 32 famílias, a maioria é evangélica. A religião é vista pelas lideranças como um contraponto às drogas. Num sábado de junho, a aldeia recebeu convidados de outras comunidades do rio Mutuca para a inauguração de um centro cultural. Os bois levados pelos convidados viraram churrasco. No palco, uma banda tocou músicas gospel em ritmo de forró.

Entre os muras de Sissaíma, praticamente ninguém sabe da existência de um projeto de exploração de petróleo em um bloco situado a menos de um quilômetro do território. Se o projeto sair do papel, será a nova frente de embate dos quase 200 indígenas que vivem nesse ponto da Amazônia ocidental. “Em 2017, uma pessoa do Cimi [Conselho Indigenista Missionário] falou que existe um bloco de petróleo a 700 metros daqui”, afirma o cacique do território, Ozeias Cordeiro, 43. “Desde então, nunca mais ouvi falar disso.”

O projeto ganhou contornos mais concretos a partir de dezembro de 2023, quando cinco blocos para exploração de óleo e gás na Amazônia foram ofertados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Os cinco blocos da Bacia de Amazonas impactam unidades de conservação e comunidades tradicionais, e algumas estão dentro das áreas dos blocos, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em laudos de perícia e em ação civil pública que pede que a Justiça Federal no Amazonas anule a concessão dos blocos.

No caminho do que pode ser uma nova fronteira de óleo e gás na Amazônia, caso as empresas que arremataram os blocos levem os projetos de prospecção adiante, estão seis terras indígenas e 11 unidades de conservação, conforme os laudos elaborados pelo MPF. A busca por combustível fóssil passa por áreas de proteção da região de Manaus onde está o encontro dos rios Negro e Solimões e onde vive uma espécie de macaco — o sauim-de-coleira — endêmica e ameaçada de extinção, segundo os laudos.

Os blocos AM-T-107 — o que está próximo a Sissaíma e a outras terras indígenas dos muras —, AM-T-133, AM-T-63 e AM-T-64 foram arrematados pela ATEM Participações. Em nota, a ATEM afirmou que o arremate das áreas foi precedido de diagnóstico socioambiental e que existe manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. “A ATEM cumpriu rigorosamente com todos os requisitos estabelecidos pelo edital de licitações e reafirma seu comprometimento com o cumprimento das leis e das decisões judiciais, em respeito ao meio ambiente, às populações tradicionais e ao desenvolvimento econômico da região”, disse.

A área de acumulação marginal Japiim — um campo com prospecção passada e com potencial de existência de petróleo — foi arrematada por consórcio formado por Eneva, empresa que já detém o maior empreendimento privado de óleo e gás na Amazônia, na região de Silves (AM), e ATEM Participações. Segundo a Eneva, o contrato de concessão de Japiim não foi assinado.

Em 14 de junho deste ano, em decisão liminar, a Justiça Federal no Amazonas determinou que a ANP e a União deixem de assinar os contratos referentes ao leilão feito em dezembro, enquanto não houver consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais que possam ser impactados. A ANP afirmou, em nota, que cumpre decisões judiciais e que os contratos não foram assinados. A agência recorreu contra a liminar. “Os blocos não incidiriam ou interfeririam em terras indígenas e unidades de conservação”, disse.

No caso do AM-T-133, a área onde está o território reivindicado pelos maraguás deve ser excluída de dentro do bloco, conforme a liminar. Esses indígenas estão em aldeias nos rios Abacaxi e Paraconi, na região de Nova Olinda do Norte (AM), e vivem um histórico processo de marginalização, enquanto tentam a demarcação do território.

A decisão cita um argumento do MPF para que um bloco não fosse levado a leilão: o edital não especificava se “estariam ou não contempladas as atividades de exploração e produção com recursos não convencionais (especificamente por meio da técnica de fraturamento hidráulico, conhecida como ‘fracking’)”. O “fracking” é uma técnica polêmica que objetiva potencializar a exploração de gás natural. Consiste na injeção de fluidos pressurizados num poço, em volumes acima de 3.000 m³, com objetivo de gerar fraturas em rochas de baixa permeabilidade, garantindo a recuperação dos hidrocarbonetos.

A técnica é bastante criticada em razão dos riscos de contaminação de recursos hídricos superficiais e de aquíferos, ocupação de grandes espaços para perfuração de múltiplos poços, grande consumo de água e uso de substâncias químicas, como cita um dos laudos do MPF usados na ação civil pública movida na Justiça Federal no Amazonas. Está também associada à liberação de metano na atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa.

As empresas que atuam com gás e petróleo no Brasil costumam negar o uso clássico da prática. Em agosto de 2023, numa reunião na Procuradoria da República no Amazonas, representantes da Eneva foram questionados sobre intenção da empresa de adotar a prática para a exploração de gás. Segundo um dos representantes, “existem poços horizontais que às vezes se faz ‘fracking’ (fratura) na vertical”. “Contudo, isso tem implicações diferentes da [prática na] Argentina (região de Vaca Muerta), por exemplo”, afirmou, conforme a transcrição da reunião.

Ainda conforme o representante da empresa, “no momento” não há intenção de prática de “fracking” nos moldes mais danosos. “A Eneva não pratica ‘fracking’ em nenhum de seus ativos”, disse a empresa, em nota. “A frase em questão [sobre o ‘fracking’ na vertical] foi tirada do contexto.” O diretor de exploração da empresa, Frederico Miranda, afirmou que a técnica não é utilizada em nenhum dos ativos e das bacias da Eneva, “nem vislumbramos utilizar”. “Toda nossa produção de gás natural é oriunda de poços convencionais.”

A ANP disse que, de fato, o edital do leilão feito em dezembro não especificou uma proibição da técnica, “o que não equivale a uma autorização para sua utilização, que deverá ser precedida de autorização dos órgãos ambientais estaduais e aprovação específica da ANP”. Em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério de Minas e Energia lançou um edital para “realização experimental e monitorada” de atividade de perfuração e fraturamento hidráulico. A Eneva foi uma das poucas empresas que fizeram colaborações, em consulta pública, para o edital.

“A Eneva valoriza a realização experimental e monitorada das atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos em reservatórios não-convencionais de baixa permeabilidade”, afirmou a Eneva em ofício ao ministério, em abril de 2022. Segundo o diretor da empresa, “pesquisa é diferente de exploração”. Independentemente da técnica utilizada, o futuro do óleo e do gás na Amazônia repete o passado, especialmente as sucessivas ações da Petrobras — antes, durante e depois da ditadura militar — para perfuração de poços e tentativa de acesso ao combustível fóssil.

Na terra Sissaíma, quem tem mais de 40 anos de idade lembra da ofensiva por petróleo na região. “Quando eu era curumim [criança], a Petrobras andava por aqui detonando dinamites. Eles faziam estradas e abriam clareiras. Meu pai trazia restos de explosivos, a gente brincava com isso”, diz Ozeias, o cacique do território.

Manoel Francisco Cordeiro, 70, pai de Ozeias, afirma que os operários trocavam comida enlatada por peixe e caça. E sinalizavam com “fitas vermelhas para a gente ver” os perímetros demarcados para a busca por petróleo. “Eles detonavam as bombas dentro da água. Aquilo matava muito peixe. Diziam estar procurando petróleo.”

Na Vila Izabel, uma pequena comunidade com 21 famílias muras e mundurukus e que está no caminho para o campo de Japiim, os indígenas apontam estruturas próximas que indicam uma tentativa de exploração de petróleo na região. A cidade mais próxima é Itapiranga (AM), região onde a Eneva expande a exploração de gás e óleo.

“Num terreno que comprei, tem uma placa de ferro antiga indicando um poço”, diz Clara Aldecira, 33, cacica da Vila Izabel.

Irmão de Clara, Manoel Matos, 40, conhece o exato lugar onde há uma estrutura, semelhante a uma válvula, que indica uma prospecção passada por óleo. “Mandaram plantar capim aqui. É porque alguma coisa de bom e valioso tem nesse poço”, afirma.

Até agora, a comunidade não foi procurada pela Eneva ou pela ATEM para uma conversa sobre intenções de exploração de óleo e gás no campo de Japiim. “Nas audiências que eles fizeram [sobre o empreendimento que já existe, no campo de Azulão], eles disseram que não existem indígenas em Itapiranga”, diz Clara.

Na comunidade do Lago do Catalão, próxima de Manaus e do encontro entre os rios Negro e Solimões, o agricultor Elber Figueiredo, 77, relembra o período em que trabalhou para empresas terceirizadas da Petrobras, na busca por petróleo na amazônia. Isso ocorreu entre as décadas de 70 e 80.

“A empresa prospectava e fazia um poço. Quando furava, estava vazio, sem petróleo”, diz Elber. Ele é marido de Raimunda Viana, 62, presidente da Associação Comunitária e Agrícola do Lago do Catalão. Ela afirma nunca ter ouvido falar sobre projetos de óleo e gás na região. “Espero que não venham mexer com a gente.”
Catalão tem 112 casas, todas elas flutuantes, com as famílias vivendo no ritmo do rio Negro. A comunidade está no caminho de um dos blocos leiloados em dezembro, conforme laudos usados pelo MPF.

A preocupação de Raimunda e de outros moradores da comunidade é fazer prosperar a roça de mandioca plantada em um terreno de uma ilha vizinha, que segue sem inundação após a seca extrema de 2023.

“Plantamos mandioca e queremos plantar melancia”, diz Alcilene Pontes, 63, que trabalha na roça com Raimunda.

A prospecção de petróleo, mesmo que não resulte em exploração efetiva, tem efeitos danosos, por envolver várias perfurações e a retirada de óleo para quantificação, afirma Juliano Bueno, diretor do instituto Arayara, uma ONG (organização não-governamental) que atua contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis. “As empresas estão cientes dos impactos dessa exploração na amazônia, mas insistem em modelos predatórios”, diz Bueno.

Segundo ele, a concessão dos novos blocos pode desencadear um processo de grilagem de terras associada à expectativa pelo petróleo. “Grileiros viram ‘donos’ da terra compreendida nos blocos para vender à empresa que ganhou o leilão e que é dona do subsolo.”

Em meio a prospecções diversas feitas na floresta nas décadas passadas, como na região do médio rio Solimões ou no Vale do Javari, uma vingou. A Petrobras explora petróleo há mais de 30 anos na província petrolífera de Urucu, no meio da floresta, em Coari (AM). É a mais antiga iniciativa de exploração de combustível fóssil, ainda em curso, na amazônia.

Com novas concessões feitas, a aposta em petróleo e gás pode repetir o passado. O Lago do Rei, em Careiro da Várzea, está no caminho de um dos blocos arrematados, segundo os laudos do MPF. Existe um conjunto de 62 lagos na região, com diversas comunidades de pescadores, como a Cristo Rei, onde vivem 83 famílias. Ali, ninguém está pensando em petróleo. O que os pescadores querem é contornar os efeitos das secas severas dos últimos anos, seguir em busca de curimatã e pacu, aproveitar ao máximo a tradicional pesca controlada do mapará em março e viabilizar o manejo de caça de jacaré.

Fonte: FOLHAPRESS

Violência contra indígenas persistiu em 2023, ano marcado por ataques a direitos e poucos avanços na demarcação de terras

Violência contra indígenas persistiu em 2023, ano marcado por ataques a direitos e poucos avanços na demarcação de terras

Relatório anual do Cimi sobre violência contra povos indígenas apresenta dados do primeiro ano do governo Lula 3, marcado por impasses e contradições na política indigenista

Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - dados de 2023

As disputas em torno dos direitos indígenas nos três Poderes da República refletiram-se num cenário de continuidade das violências e violações contra os povos originários e seus territórios em 2023. O primeiro ano do novo governo federal foi marcado pela retomada de ações de fiscalização e repressão às invasões em alguns territórios indígenas, mas a demarcação de terras e as ações de proteção e assistência às comunidades permaneceram insuficientes. O ambiente institucional de ataque aos direitos indígenas repercutiu, nas diversas regiões do país, na continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra comunidades e pela manutenção de altos índices de assassinatos, suicídios e mortalidade na infância entre estes povos. Estas foram as constatações do relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O ano de 2023 iniciou com grandes expectativas em relação à política indigenista do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não apenas porque a nova gestão sucedeu um governo abertamente anti-indígena, mas também porque o tema assumiu centralidade nos discursos e anúncios feitos pelo novo mandatário desde a campanha eleitoral.

Essa mudança foi simbolizada pela presença do cacique Raoni, histórica liderança Kayapó, na posse do presidente recém-eleito. A criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a nomeação de lideranças indígenas para a chefia da nova pasta, da Funai – renomeada como Fundação Nacional dos Povos Indígenas – e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) complementaram o ambiente de esperanças renovadas.

Logo no início do ano, a situação do povo Yanomami – denunciada há muito tempo de forma recorrente – causou enorme comoção. Após anos de abandono e omissão ativa de governos anteriores frente à presença ilegal de garimpeiros na Terra Indígena (TI), o povo foi levado ao extremo da vulnerabilidade. A declaração de Emergência Nacional de Saúde e o início de uma grande operação de desintrusão naquele território apontaram na direção de uma mudança efetiva em relação à política indigenista.

Este contexto se refletiu na constatação de poucos avanços na demarcação de terras indígenas e na continuidade de casos de invasão, danos ao patrimônio indígena e conflitos relativos a direitos territoriais

Sem demora, contudo, a realidade política se impôs. O Congresso Nacional atuou para esvaziar o MPI e atacar os direitos indígenas, especialmente por meio da aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, transformado, no final do ano, na Lei 14.701/2023. O Poder Legislativo agiu em clara contraposição ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, depois de anos de tramitação, concluiu o julgamento do caso de repercussão geral que discutia a demarcação de terras indígenas com uma decisão favorável aos povos originários.

A Suprema Corte reconheceu os direitos territoriais indígenas como “cláusulas pétreas” da Constituição Federal – ou seja, que não podem ser alteradas ou restringidas – e declarou a tese do marco temporal inconstitucional. Esta tese, que há anos assombra os povos originários, pretende estabelecer que só poderiam ser demarcadas as terras que estivessem sob a posse dos povos indígenas ou em disputa comprovada na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.

À revelia do julgamento, o Congresso Nacional incluiu na lei 14.701 o marco temporal como critério para a demarcação de terras indígenas, além de um conjunto de dispositivos legais que, na prática, buscam inviabilizar novas demarcações e abrir as terras já demarcadas para a exploração econômica predatória. O veto parcial de Lula foi derrubado pelo Congresso, com grande número de votos de partidos que detêm cargos no governo, e a lei entrou em vigência no final do ano.

Este contexto se refletiu na constatação de poucos avanços na demarcação de terras indígenas e na continuidade de casos de invasão, danos ao patrimônio indígena e conflitos relativos a direitos territoriais.

Algumas ações de desintrusão foram realizadas, mas nenhuma com o fôlego inicial da Força Tarefa Yanomami, que também caiu em inércia sem que o garimpo tenha sido desarticulado por completo. Em 2023, foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em pelo menos 202 territórios indígenas em 22 estados do Brasil.

Oito terras indígenas foram homologadas no primeiro ano do novo governo, um número aquém das expectativas, mesmo sendo maior que o dos últimos anos. Os parcos avanços nas demarcações refletiram-se na intensificação de conflitos, com diversos casos de intimidações, ameaças e ataques violentos contra indígenas, especialmente em estados como Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná.

A disposição do governo federal em explorar petróleo na foz do Amazonas, a priorização orçamentária ao agronegócio e o apoio a grandes projetos de infraestrutura e de exploração minerária em conflito com povos indígenas, como a ferrovia “Ferrogrão” e as investidas de empresas estrangeiras sobre o território Mura, no Amazonas, também compuseram este cenário.

A morosidade e a ausência de uma sinalização clara do governo federal em defesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto número de conflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas

Barraco ao sol em retomada Guarani Kaiowá no Tekoha Laranjeira Nhanderu, Rio Brilhante (MS). Março de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

Barraco ao sol em retomada Guarani Kaiowá no Tekoha Laranjeira Nhanderu, Rio Brilhante (MS). Março de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

 

Violência contra o Patrimônio

O primeiro capítulo do relatório reúne as “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, que totalizaram 1.276 casos. Os registros desta seção dividem-se em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, na qual foram registrados 850 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, que teve 150 registros; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 276 casos.

As categorias de conflitos territoriais e de invasões a terras indígenas mantiveram-se em patamares elevados, apesar de registrarem ligeira redução em relação a anos anteriores. Se por um lado os dados refletem a retomada das operações de fiscalização ambiental, por outro, a maior parte dos relatos indica a continuidade das ações de invasores, a desestruturação dos órgãos responsáveis por estas tarefas e a falta de uma política permanente de proteção aos territórios indígenas.

Entre os principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados destacam-se, como em anos anteriores, os casos de desmatamento, extração de recursos naturais como madeira, caça e pesca ilegais, garimpo e invasões possessórias ligadas à grilagem e à apropriação privada de terras indígenas.

Houve priorização de operações de retirada de invasores num pequeno conjunto de territórios, em especial das sete TIs contempladas pelas decisões do STF no âmbito da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. Mesmo nestes casos, contudo, os dados e relatos indicam que as ações não deram conta de garantir a retirada completa dos invasores, e a grande maioria das terras indígenas contou apenas com ações fiscalizatórias pontuais.

Do total de 1.381 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil, a maioria (62%) segue com pendências administrativas para sua regularização, aponta a atualização da base de dados do Cimi. São 850 terras indígenas com pendências, atualmente. Destas, 563 ainda não tiveram nenhuma providência do Estado para sua demarcação.

Em 2023, os maiores avanços ocorreram na constituição ou reestruturação de Grupos Técnicos (GTs) para a identificação e delimitação de terras indígenas, sob responsabilidade da Funai. É um indicativo da disposição do órgão em dar andamento à primeira etapa na regularização de demandas territoriais represadas há anos. Contudo, os trabalhos avançam a passos lentos: apenas três relatórios de identificação e delimitação foram concluídos e publicados pela Funai em 2023.

A indefinição sobre o marco temporal torna impossível uma previsão acerca do cumprimento dos prazos estabelecidos nas portarias, na medida em que o governo hesita e utiliza a Lei 14.701/2023 como justificativa para não avançar nos procedimentos demarcatórios. Tal postura reflete-se, também, no fato de que nenhuma portaria declaratória foi publicada pelo Ministério da Justiça.

A morosidade e a ausência de uma sinalização clara do governo federal em defesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto número de conflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas, a exemplo de casos registrados na Bahia, no Mato Grosso do Sul e no Paraná, entre outros.

Assim como nos anos anteriores, mantiveram-se com os maiores números de assassinatos de indígenas os estados de Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36)

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Cápsulas coletadas por indígenas após ataque contra retomada Pataxó na TI Barra Velha, em janeiro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Violência contra a Pessoa

Os casos de “Violência contra a Pessoa”, reunidos no segundo capítulo do relatório, totalizaram 411 registros em 2023. Esta seção é dividida em nove categorias, nas quais foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (15 casos); ameaça de morte (17); ameaças várias (40); assassinatos (208); homicídio culposo (17); lesões corporais (18); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (35); e violência sexual (23).

Assim como nos anos anteriores, mantiveram-se com os maiores números de assassinatos de indígenas os estados de Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36). Os dados, que totalizaram 208 assassinatos, foram compilados a partir da base do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de informações obtidas junto à Sesai via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Destacam-se os assassinatos a tiros, logo no início do ano, dos jovens Pataxó Samuel Cristiano do Amor Divino, de 23 anos, e Nauí Pataxó, de 16, no extremo sul da Bahia. Eles viviam numa retomada da TI Barra Velha do Monte Pascoal e foram executados quando saíram para comprar alimentos nas proximidades, em janeiro.

O povo Pataxó luta há anos pela demarcação de suas terras nesta região. Os conflitos seguiram sem resolução ao longo de 2023 devido à falta de avanço nos procedimentos demarcatórios e motivaram medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O envolvimento de policiais militares em milícias privadas investigadas pelas mortes dos indígenas guarda semelhanças com as violências registradas contra indígenas no Mato Grosso do Sul, onde forças policiais são acusadas de atuarem como escoltas privadas de fazendeiros, compartilhando informações e dando suporte a ataques de seguranças privados contra comunidades Guarani e Kaiowá. Além de despejos ilegais e ataques violentos contra acampamentos indígenas, também foram registradas prisões arbitrárias de indígenas na região.

Ataques de garimpeiros contra indígenas Yanomami, em Roraima e no Amazonas, seguiram sendo registrados ao longo de 2023, apesar das operações realizadas no primeiro semestre do ano na TI Yanomami. Assassinatos, ataques armados, violências sexuais e aliciamento de indígenas para o garimpo, com fomento a conflitos internos, integraram o trágico quadro da continuidade das violências neste território.

Os assassinatos de indígenas do povo Guajajara no Maranhão mantiveram-se em alta, em especial na TI Arariboia, que há anos é dilapidada por invasores. Também continuaram os casos de violência armada contra indígenas dos povos Tembé e Turiwara, no nordeste do Pará, em conflito com grandes empresas ligadas à monocultura e à produção de óleo de dendê.

A falta de saneamento básico e de água potável foram agravadas pela crise climática, que provocou enchentes pelo país e severa estiagem na região amazônica, aprofundando a vulnerabilidade de diversas comunidades

Retomada Guapoy, Amambai (MS), fevereiro de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

Retomada Guapoy, Amambai (MS), fevereiro de 2023. Foto: Renaud Philippe/projeto Retomada da Terra

 

Violência por Omissão do Poder Público

O terceiro capítulo do relatório reúne os casos de “Violência por Omissão do Poder Público”, organizado em sete categorias. Segundo os dados consultados junto ao SIM e obtidos junto à Sesai, foram registradas 1040 mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade em 2023. Também neste caso, os mesmos estados dos anos anteriores registraram o maior número de ocorrências: Amazonas, onde ocorreram 295 mortes nessa faixa etária, Roraima, com 179 casos, e Mato Grosso, com 124.

A maior parte dos óbitos infantis teve causas consideradas evitáveis por meio de ações de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento adequados. Entre estas causas, destaca-se a grande quantidade de mortes ocasionadas por gripe e pneumonia (141), por diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (88) e por desnutrição (57).

Informações obtidas junto a estas mesmas bases públicas indicaram a ocorrência de 180 suicídios de indígenas em 2023. Os índices mais altos, assim como nos anos anteriores, foram registrados no Amazonas (66), Mato Grosso do Sul (37) e Roraima (19).

Ainda neste capítulo, estão registrados os seguintes dados referentes ao ano de 2023: desassistência geral (66 casos); desassistência na área de educação (61); desassistência na área de saúde (100); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (6); e morte por desassistência à saúde (111), totalizando 344 casos.

Destacam-se, neste contexto, a falta generalizada de infraestrutura escolar em aldeias de todo o país e de infraestrutura, pessoal e transporte para o atendimento à saúde nas comunidades indígenas. A falta de saneamento básico e de água potável foram agravadas pela crise climática, que provocou enchentes pelo país e severa estiagem na região amazônica, aprofundando a vulnerabilidade de diversas comunidades.

Cabe ressaltar que, a partir deste ano, o Cimi passou a contabilizar os casos de morte por desassistência à saúde com base nos dados do SIM e da Sesai, o que explica o aumento de casos registrados em relação aos anos anteriores.

A nova gestão renovou portarias de restrição de uso de territórios que o governo anterior havia deixado vencer. Apesar disso, a situação manteve-se preocupante, pois a maior parte das terras indígenas com presença de isolados que foram invadidas nos anos anteriores seguiu registrando invasões em 2023

Placa de invasor na Terra Indígena Karipuna, onde há presença de indígenas isolados. Foto: Maiara Dourado/Cimi

Placa de invasor na Terra Indígena Karipuna, onde há presença de indígenas isolados. Foto: Maiara Dourado/Cimi

 

Povos isolados

O quarto capítulo do relatório é dedicado a analisar a situação dos povos indígenas em isolamento voluntário. Estes povos, que estiveram entre os mais afetados pelo desmonte da política de proteção às terras indígenas nos anos passados, seguiram sob grave ameaça em 2023.

A nova gestão renovou portarias de restrição de uso de territórios que o governo anterior havia deixado vencer. Mas, apesar disso, a situação manteve-se preocupante, pois a maior parte das terras indígenas com presença de isolados que foram invadidas nos anos anteriores seguiu registrando invasões em 2023. Pelo menos 56 do total de 119 registros de isolados contabilizados pela Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) do Cimi encontram-se em terras indígenas que registraram invasões ou danos ao patrimônio em 2023.

Apesar da renovação de portarias de restrição de uso, não houve providências do governo federal para garantir a proteção de isolados cuja localização foi registrada fora de terras indígenas atualmente reconhecidas, que correspondem a 37 dos 119 registros contabilizados pela Eapil. Parte destes registros sem providências é reconhecido pela própria Funai, como é o caso dos isolados do Mamoriá Grande, em Lábrea (AM).

Também nestes territórios, apesar de algumas ações mais robustas de enfrentamento aos invasores, como no caso da TI Ituna/Itatá, no Pará, a maioria das operações de fiscalização foi pontual ou insuficiente para garantir a proteção das áreas. Lideranças de TIs como Vale do Javari, no Amazonas, e Karipuna, em Rondônia, seguiram denunciando a presença contínua de invasores.

III Marcha das Mulheres Indígenas, setembro de 2023. Foto: Maiara Dourado/Cimi

III Marcha das Mulheres Indígenas, setembro de 2023. Foto: Maiara Dourado/Cimi

 

Memória

O quinto capítulo do relatório é dedicado à reflexão sobre o tema da Memória e Justiça e traz dois textos nesta edição. O primeiro é um estudo inédito do pesquisador Marcelo Zelic (1963-2023) sobre o histórico do esbulho da TI Ananás, em Roraima. O artigo apresenta propostas para a reparação dos danos causados aos povos Macuxi e Wapichana devido à prática dos chamados “crimes da tutela” – violações cometidas durante a Ditadura Militar, quando o Estado se utilizava do instrumento legal da tutela para inviabilizar a luta dos povos indígenas e mutilar seus territórios. Este texto foi editado por pesquisadores e familiares que buscam manter viva a dedicação de Zelic ao tema da preservação da memória e à luta pela criação de mecanismos de não repetição das violações de direitos humanos contra os povos indígenas.

No segundo texto do capítulo, um dos fundadores do Cimi, Egydio Schwade, faz uma retrospectiva sobre o primeiro instrumento produzido pela entidade para denunciar as violações dos direitos indígenas, que completa 50 anos em 2024. Publicado em 1974, o dossiê Y-Juca Pirama – o índio: aquele que deve morrer foi o antecessor histórico do presente relatório, produzido anualmente pelo Cimi.

Artigos

Além dos capítulos destinados à sistematização dos dados, o relatório de 2023 também reúne textos que buscam aprofundar a reflexão sobre os temas abordados pela publicação. A situação dos indígenas encarcerados no país e o significado da violência física e simbólica que representa a queima de Casas de Reza Guarani e Kaiowá são os tópicos abordados em dois destes artigos. A análise detalhada dos casos de racismo e discriminação étnico-racial contra indígenas e a avaliação dos gargalos e desafios da política indigenista sob a ótica do orçamento e da execução financeira em 2023 são os temas de outros dois textos.

plataforma Caci, mapa digital que reúne as informações sobre os assassinatos de indígenas no Brasil, foi atualizada com as informações do Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2023. Caci, sigla para Cartografia de Ataques Contra Indígenas, também significa “dor” em Guarani. Com a inclusão dos dados de 2023, a plataforma agora passa a abranger informações georreferenciadas sobre 1.470 assassinatos de indígenas, reunindo dados compilados desde 1985.

Acesse em caci.cimi.org.br.

Mais informações:

Assessoria de Comunicação: (61) 99641-6256

Foto da capa

Retomada Guapo’y Mirin Tujury, Amambai (MS), fevereiro de 2023. A menina Guarani Kaiowá Laisquene, de 3 anos, numa das barracas de lona da retomada, onde vive com os pais. No ano anterior, lideranças do tekoha foram assassinadas. A comunidade segue em luta pela demarcação da terra.  A foto é de Renaud Philippe e integra o projeto Retomada da Terra, de Renaud Philippe e Carol Mira, assim como as outras desta série que ilustram a publicação. Mais informações: renaudphilippe.com

Fonte: CIMI

Levante pela Terra lança Protocolo Indígena de Prevenção, Preparação, Resposta e Recuperação em Situação de Risco e Desastre

Levante pela Terra lança Protocolo Indígena de Prevenção, Preparação, Resposta e Recuperação em Situação de Risco e Desastre

O aumento do número de desastres ambientais ocasionados pelo agravo das mudanças climáticas exigirá das sociedades a construção de mais políticas públicas e instrumentos legais para a adaptação e mitigação de danos. 

Na tarde de hoje  (2/7), representantes indígenas se reuniram na Defensoria Pública da União (DPU), em Brasília, com o defensor público federal, Leonardo Cardoso de Magalhães, para o lançamento do “Protocolo-Prevenção-Proteção-Povos-Indígenas-Desastres-2024”.

O documento foi apresentado por Kretã Kaingang, liderança indígena nacional e internacional, coordenador executivo da APIB na região Sul e coordenador do Acampamento Levante pela Terra. Estiveram presentes na audiência a Secretária de Articulação Institucional da DPU, Charlene Borges; a coordenadora do Levante pela Terra, Isabel Tucano, além dos indígenas Makko Karão Jaguaribaras e Diego Karaiju Guarani, juntamente com representantes do Instituto Internacional Arayara e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Para Heloísa San Diego, o  documento tem valor histórico inestimável e visa garantir a proteção integral dos povos indígenas em situações de risco ou desastre. “É o primeiro do país a abranger ações nas áreas de saúde, educação, assistência social, proteção, defesa civil e segurança, além de romper com o racismo ambiental”, ressalta a analista do Instituto Internacional Arayara.

O  protocolo foi elaborado durante a segunda edição do Acampamento Levante pela Terra, que aconteceu entre 24 e 28 de junho, e contou com a contribuição de lideranças indígenas de diversas regiões do país e também do Instituto Internacional Arayara.

Dr. Leonardo explica que a DPU está fazendo uma força-tarefa interorganizacional para prestar serviços de assistência e cidadania às diversas comunidades e isso inclui as populações indígenas. ” Temos uma atuação de muitos anos com diversas comunidades vulnerabilizadas e o nosso objetivo é garantir que os seus direitos sejam respeitados. Vejo com bons olhos esse protocolo que foi criado e esperamos avançar em vários aspectos, unindo esforços.”

 

O documento “Protocolo Indígena – Prevenção, Preparação, Resposta e Recuperação de Situações de Risco e Desastre”, assinado pelos povos Tukano, Kaingang, Guajajara, Xokleng, Guarani, Guarani Mbya, Kalapalo, Kuikuro, Pataxó e Cinta Larga pode ser acessado aqui.

Ao debaterem o direito à vida e ao atendimento adequado em contextos de catástrofes, indígenas relataram a falta de suporte do Estado brasileiro durante as enchentes no Rio Grande do Sul, alegando que a ajuda necessária tardou a chegar. Os presentes também relataram descaso durante a pandemia de Covid-19.

Kretã Kaingang, apontou a importância deste documento para dar suporte aos indígenas, que encontram muitas dificuldades para acessar os programas de apoio do governo e até mesmo o atendimento da Defesa Civil quando ocorrem situações de emergência. 

“Tivemos essa triste experiência no RS e sabemos que, infelizmente, isso é só o começo diante das catástrofes previstas por conta das mudanças climáticas. Esse protocolo nos dará suporte para trabalharmos as políticas públicas em prol do nosso povo, em caso de situações extremas como essa”, avalia a liderança do Levante pela Terra.