por Nicole Oliveira | 19, dez, 2019 | Brasil |
Pesquisas avaliam que
a população dessas localidades sofre com os efeitos da devastação causada pela
mineração no médio e no longo prazo da
Os
reflexos do setor minerário de carvão em municípios brasileiros têm mostrado
que os efeitos no desenvolvimento destas cidades estão longe da imagem alardeada
de riqueza, desenvolvimento e prosperidade que tanto falam os defensores dos
megaempreendimentos.
O
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) revela quadros desoladores das
populações que vivem nas áreas de mineração de carvão e pesquisas apontam que
as desigualdades na distribuição de ganho se acentuam no decorrer dos anos.
O Rio Grande do Sul,
onde estão 90% das minas de carvão mineral no país, tem exemplos destes
desequilíbrios socioeconômicos. Segundo Caio dos Santos, pesquisador do
Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil, entre os municípios
carboníferos que refletem os efeitos deste processo minerário estão Butiá,
Arroio dos Ratos e Candiota.
Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IDH-M de Butiá é 0,689, o que
coloca a cidade na 357ª posição entre 497 no RS. Arroio dos Ratos e Candiota
têm o mesmo IDH-M: 0,698. Já o IDH brasileiro, segundo o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é de 0,761 (2018).
De acordo com Santos, Butiá recebeu, em 2018, R$ 1,478 milhão através da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) em 2018; Arroio dos Ratos, R$ 1,242 milhão; e Candiota, de R$ 1,335 milhão. Na prática, porém, esta arrecadação não tornou os municípios mais desenvolvidos, no estrito senso da palavra.
Além do baixo IDH, observa-se, ao longo dos anos, desemprego, problemas de saúde e desarranjos sociais. Estima-se que até os anos 1990, havia cerca de 8 mil trabalhadores na mineração de Butiá e Arroio dos Ratos, entre outras localidades da região. Hoje são apenas 400 na ativa, sendo que 280 da planta de Butiá deverão ser dispensados em 2020.
Uma combinação de
fatores compromete a qualidade de vida destas populações. Parte delas, por
exemplo, tem de conviver com os efeitos de detonações que abalam estruturas dos
seus imóveis (muitas vezes rudimentares); alagamentos; mau cheiro; falta de
infraestrutura de água e esgoto e viária; e de moradia. Exemplo desta triste
realidade é a Vila São José, região periférica de Butiá, onde vivem 5 mil
famílias.
Na área rural, o solo,
o ar e a água contaminados por enxofre e outras dezenas de substâncias
completam um quadro devastador. Nesta região, atua a empresa Copelmi que
anunciou que deverá encerrar as atividades da mina em janeiro de 2020.
A Copelmi sairá de Butiá, mas os impactos da sua atuação lá serão sentidos por décadas, talvez séculos, pelos moradores da cidade. Os danos socioambientais deverão ser acompanhados e monitorados por décadas.
É possível dizer não à
mineração
IDHs baixos, crimes ambientais, dados socioambientais e todos os demais prejuízos causados pela mineração podem ser parados. O município de São José do Norte, por exemplo, em maio de 2020 aprovou uma lei complementar municipal em seu plano diretor que proíbe a mineração. A lei é fruto da mobilização social que disse: “Não queremos mineração em São José do Norte”.
Diz a lei: Ficam, também, proibidas atividades de mineração de porte médio, porte grande e porte excepcional para todos os tipos de mineração, em todas as zonas do Município. Ficam proibidos todos os portes para lavra de minério metálico (cobertura/ouro/chumbo/etc.) a céu aberto e com recuperação de área degradada (CODRAM 530,03). Conforme os portes estabelecidos pela Resolução 372/2018, do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA do Rio Grande do Sul.
por Nicole Oliveira | 13, dez, 2019 | Brasil, Carvão Mineral, Mudanças Climáticas, Notícias |
O Brasil sinaliza, nos últimos anos, o aumento de investimentos em carvão mineral, com projetos de exploração de minas, e novas termelétricas no plano decenal de energia, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), que pode chegar na casa de 7 GW. Com isso, há incentivo a uma matriz mais suja e cara e consequente ao aumento de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) e todo seu comprometimento associado à saúde.
O impulsionamento segue na contramão de uma economia de baixo carbono, e está sendo combatido, inclusive, pelos maiores financiadores mundiais. Nesta semana, 631 investidores, que administram US$ 37 trilhões em ativos, deram o seguinte recado, por meio do documento “Declaração de investidores globais aos Governos sobre Mudança do Clima”, durante a COP-25*, em Madri: que haja a eliminação gradual da energia térmica a carvão, entre outras metas.
Por aqui, há um processo contraditório. Os maiores empreendimentos estão em curso na região sul do país, nas últimas décadas, e ganharam um reforço de institucionalização pelo governo do estado do RS, com a criação do Polo Carboquímico, em 2018, mas que não está implementado.
Mais uma iniciativa polêmica é a tramitação do processo de licenciamento da Mina Guaíba, empreendimento da empresa Copelmi, na região metropolitana de Porto Alegre, sobre a qual a 350.org, o Instituto Internacional Arayra e a Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS) estão se mobilizando com outras organizações da sociedade civil, para frear este processo. Entre as medidas, estão duas ações civis públicas, que pedem a suspensão imediata do processo de licenciamento prévio da Mina junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) do Rio Grande do Sul, movidas pelo Instituto Arayara, pela Associação Indígena Poty Guarani e pela Colônia de Pescadores Z5, em outubro deste ano. O Ministério Público Federal (MPF) também abriu inquérito (confira abaixo). Nesta semana, uma das ações mais recentes da 350.org e Arayara foi a parceria na organização de seminário, que foi realizado pela Câmara Municipal de Canoas.
Mestre em Física e especialista em Mudanças Climáticas e Energia, Kishinami fala sobre este cenário no Brasil e a importância da criação do Observatório do Carvão Mineral, na qual as ONGs participam, que propõe uma aproximação deste tema à sociedade.
A entrevista especial desta semana foi concedida à jornalista Sucena Shkrada Resk, da 350.org, no Brasil. Kishinami é coordenador sênior do setor de Energia do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
Confira a íntegra da entrevista:
350.org Brasil – Qual é a situação do Brasil atualmente com relação à matriz fóssil do carvão e quanto ao planejamento de termelétricas?
Roberto Kishinami (ICS) – O Brasil tem um sistema no setor elétrico, que começa com a indicação do governo sobre os planos para o período de dez anos – Plano Decenal de Expansão da Energia (PDE), que é atualizado ano a ano. O de 2019 acabou de sair do período de consulta pública no Ministério de Minas e Energia (MME). Neste documento, está indicado para os próximos 10 anos, expansão de térmicas a combustíveis fósseis.
O quadro geral é o seguinte – em números redondos, num total de 60 GW de expansão, estão indicados 28 GW a fósseis; nestes 28 GW, até 7 GW podem ser a carvão e o restante a gás natural liquefeito (GNL), mais próximo à costa brasileira. Por exemplo, Itaipu, que é a nossa maior hidrelétrica, tem 14 GW instalados. Essa expansão equivaleria a duas vezes esta potência.
O que ocorre atualmente é que algumas plantas térmicas já existentes a carvão e a óleo combustível terão de ser aposentadas, nos próximos dez anos, porque estão terminando suas vidas úteis.
350.org Brasil – Pode-se dizer que o Brasil está retrocedendo quanto às políticas públicas energéticas, com essa retomada em fósseis?
Roberto Kishinami – Há setores negacionistas atualmente no núcleo do governo federal quanto às mudanças climáticas. Isto abre espaço para que o lobby do setor de carvão, que sempre foi muito ativo, entrasse com uma proposta de financiar as térmicas a carvão, inclusive as suas reformas. Como a maior parte delas está no fim de sua vida útil, a ideia é dar um upgrade, podendo tocá-las por mais uns 70 anos. Isto, na verdade, é parte de uma conjuntura política. Não considero que seja uma derrota e muitos aspectos devem ser considerados. Primeiro o mais determinante em termos de longo prazo, é que as renováveis, principalmente solar e eólica, reduziram muito seus preços.
No último leilão, colocaram energia para as distribuidoras a um preço equivalente a US$ 20, o MWh. No leilão anterior, as de biomassa tinham colocado o valor médio de US$ 40, para o MWh. Já as térmicas a gás natural, US$ 60 MWh. Há uma diferença de preços muito significativa. O carvão está um pouco acima do gás natural, na casa dos US$ 70. As empresas colocam esses valores no mercado. Isso demonstra que a competitividade das matrizes fósseis no setor elétrico já é muito ruim, negativa. Em longo prazo, não vão prevalecer.
O problema que o governo cria, quando privilegia fontes fósseis e nega a questão climática, é empurrar o país para ficar com ativos encalhados, mas que foram objeto de financiamento público e contrato com distribuidoras com períodos longos. Uma termelétrica pode ter contrato de até 25 anos de fornecimento.
Nós, enquanto consumidores, estaríamos arcando com custos por décadas, sem haver necessidade. Por outro lado, nós, como contribuintes, estaremos colocando dinheiro (sem saber) nestes empreendimentos, financiados por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para viabilizar a atualização destas plantas, que contribuem para as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEES), de uma forma absurda.
Para cada MWh de energia gerada em uma térmica a carvão você tem uma tonelada de CO2 lançada para a atmosfera. Quando é a gás, a relação é de 600 kg lançados para a atmosfera, em regime contínuo. Já quando é no regime de ‘liga e desliga’, que chamamos de térmica de ciclo aberto, que servem para suprir as pontas do sistema, é na casa de 1 tonelada de CO2 por MWh. Se estamos falando de 21 mil MWh instalados x 8.760 horas, daria uma emissão na casa de dezenas de milhões de toneladas de CO2. Isso quer dizer pouco mais que dobrar as emissões do setor elétrico, sem necessidade, para o perfil dos potenciais do Brasil.
350.org Brasil – Geralmente o governo federal alega que aciona as termelétricas para suprir principalmente as hidrelétricas em momentos de seca e estiagem. O que tem a dizer a respeito para rebater este argumento?
Roberto Kishinami – Este modo de pensar é muito antigo e não enquadra as fontes atuais renováveis – eólica, solar e biomassa. Há cerca de 30 e 40 anos, havia um ponto consensual de que em países com fontes hidrelétricas, como o Brasil, era necessário complementá-las com termelétricas no sistema. Foi nesse período que vieram as termoelétricas a carvão do sul, que sempre foram muito caras.
A questão que hoje a gente vive é que as fontes mais baratas que as hidrelétricas são solar e eólica. Mesmo a energia solar, em cinco a dez anos, vai ser complementada por baterias. Os preços, na verdade, estão caindo. A partir daí não haveria mais essa discussão de qual seria a melhor opção.
É preciso mudar as orientações governamentais de como se pensa o planejamento e alteração no setor. Envolve órgãos, como a Secretaria de Planejamento Energético, no MME, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Operador Nacional do Sistema (ONS), entre outros. O negacionismo ainda é presente no MME e há propostas, por exemplo, de incentivo à energia nuclear, que é algo dos anos 60 e 70.
350.org Brasil – Qual sua avaliação sobre a iniciativa da criação do Observatório do Carvão, nesta conjuntura?
Roberto Kishinami – É fundamental para expor uma popularização sobre este tema. Se você avalia os danos que o carvão causa ao meio ambiente e à saúde, desde à mineração à queima, todo o ecossistema, tudo que está vivo sofre os efeitos. O Observatório pode acompanhar e apresentar estes pontos de uma maneira sistemática e permanente para a sociedade. Este é o principal papel. O Brasil, na verdade, não tem uma discussão sistemática sobre questões de energia, com isso fica prejudicado o debate mais aprofundado sobre projetos como da Mina Guaíba, no RS. No estado, os investimentos nesta área estavam focados mais no interior e agora na região metropolitana, bem próximo a Porto Alegre. E a correlação com o cotidiano das pessoas é algo fundamental. Hoje o Observatório é formado pelo ICS, pela 350.org Brasil, pela COESUS, pelo Instituto Arayara e pela Rede Guarani, além de representantes da sociedade civil.
350.org Brasil – Qual é a importância de parcerias de diferentes organizações nesta iniciativa do observatório?
Roberto Kishinami – Nenhuma organização sozinha dará conta desta área de energia e especificamente do carvão. É preciso estabelecer alianças. É um tema multidisciplinar – energético, ambiental e de saúde. Tem de reunir partes diferentes da sociedade civil neste processo. É preciso trazer outras áreas da sociedade, mobilizadas por outros motivos, que tratam da territorialidade; outros, da vida saudável. Essas questões fazem parte do processo ao longo deste século. O combate às mudanças climáticas tem a ver com a ação do homem sobre o meio ambiente. Trata-se de um sistema climático global, com diferentes efeitos localmente em diferentes partes do planeta. Para isso, é preciso aumentar o grau de informações às pessoas e facilitar mudanças de comportamento, que a gente adquire, mesmo sem perceber, que são prejudiciais.
Um exemplo é a dependência de veículos movidos a combustíveis fósseis. Hábitos de consumo são extremamente dispendiosos, no ponto de vista de energia e emissões. Para tratar de tudo isso, o Observatório pode reunir todas estas percepções e dialogar com a sociedade estes temas, trazendo tópicos do cotidiano para atrair mais interesse.
350.org Brasil – Qual sua análise sobre cenários climáticos em xeque nas negociações na COP-25?
Ricardo Kishinami – Do lado dos cientistas, está claro que estamos perto de um limite perigoso quanto ao aumento médio na temperatura do planeta, devido ao aumento das emissões. Os relatórios já utilizam uma linguagem alarmista, alertando que ‘acabou o tempo’. Quando pesquisadores chegam neste tom, é que realmente estão assustados, pois o processo está mais acelerado do que previam. Traduzindo na linguagem no dia a dia, é que estamos expostos a um grande perigo climático.
O pessoal de hidrologia, que está envolvido no estudo na bacia do São Francisco, por exemplo, explica que hoje não existe mais um padrão hidrológico, que se repete periodicamente, ou seja, um regime estacionário. Com isso, fica difícil fazer as estatísticas para fazer a previsão do futuro. Causa uma instabilidade para o setor elétrico e também com relação à saúde humana, quanto a doenças tropicais. Estes são alguns dos aspectos que emergem.
Temos elementos, na questão de saúde, de abastecimento de água, ondas de calor e de frio que o Brasil tem de tratar e agir de acordo para contribuir para a redução das emissões de GEEs.
*COP-25 – Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima
Sobre a Arayara + 350.org e o carvão
A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas. Uma das campanhas que desenvolve com os parceiros Arayara e COESUS atualmente é contra a exploração minerária e utilização do carvão para geração de energia com parceiros, no Rio Grande do Sul. Essa iniciativa é ampliada como ONG integrante do Observatório do Carvão Mineral , junto com Arayara, COESUS, ICS e Rede Guarani, além de representantes da sociedade civil.
As ações são multidisciplinares, já que ao mesmo tempo, a 350.org age em defesa de comunidades indígenas e de outras comunidades tradicionais, que são afetadas por estes empreendimentos carboníferos, por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa destas famílias por meio da campanha Defensores do Clima.
Por: Sucena Shkrada Resk