- Em uma das frentes, as organizações querem derrubar lei estadual de Santa Catarina que, para os ambientalistas, serve de “fachada legislativa” para adiar o fim do carvão
- Uma ADI questionando a lei estadual foi recebida pelo STF; o ministro relator, Dias Toffoli considerou o tema relevante e decidiu, na última semana, abreviar os ritos processuais da ação
O Instituto Internacional ARAYARA e o Observatório do Carvão, junto de outras organizações parceiras, irão intensificar, este ano, as ações para incentivar a descarbonização da matriz energética brasileira e ajudar o país a avançar na pauta da Transição Energética Justa, a partir de novas políticas que visem o abandono gradativo dos combustíveis fósseis. Um dos principais alvos é o carvão mineral, apontado por estudiosos e autoridades climáticas como principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE) no setor de energia e, consequentemente, um dos maiores vilões para o agravamento da crise climática.
Em uma das frentes de atuação já em curso, as organizações questionam a lei nº 18.330/22, proposta pelo governo de Santa Catarina, que institui a “Política Estadual de Transição Energética Justa e o Polo de Transição Energética Justa do Sul do Estado de Santa Catarina”. No entendimento dos ambientalistas, a legislação está no caminho oposto de propor a migração para uma matriz de energia limpa e sustentável – que é a essência do conceito de Transição Energética Justa – e serve, na verdade, de estímulo à cadeia produtiva do carvão mineral e à continuidade de seu uso para geração de energia.
A lei catarinense está sendo contestada judicialmente. No final de 2022, a Rede Sustentabilidade – partido da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva – ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com pedido de medida cautelar, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando emendas propostas pelo legislativo catarinense, que invadem a competência do executivo estadual para a criação de órgãos da administração pública e da União de legislar sobre energia.
Por seu extenso histórico de atuação e de produção de estudos técnicos a respeito dos impactos socioambientais da cadeia do carvão em Santa Catarina, o Instituto ARAYARA participa da ação como amicus curiae – termo jurídico que designa um terceiro que ingressa no processo com intuito de fornecer subsídios ao órgão julgador.
Na semana passada, o ministro relator da ADI, Dias Toffoli, decidiu abreviar os ritos processuais da ADI. “A relevância da questão debatida na presente ação direta enseja a aplicação do rito abreviado do art. 12 da Lei nº 9.868/99, a fim de que a decisão seja tomada em caráter definitivo”, relatou o ministro em seu despacho.
Para o advogado Luiz Ormay Junior, que representa a Rede Sustentabilidade e a ARAYARA.org na ação, ao recorrer ao dispositivo legal, o ministro reconheceu a importância do tema tratado. “A decisão do ministro Dias Toffoli é muito acertada ao imprimir o rito abreviado, pois possibilita que o mérito da ação seja enfrentado de maneira mais célere. Isso ganha especial relevância quando tratamos de uma matéria que tem impacto direto não apenas no enfrentamento das mudanças climáticas, mas em atividades que causam danos socioambientais de grande monta”, declarou.
“Fachada legislativa”
Além dos dispositivos inconstitucionais contidos na lei 18.330/22, a ADI proposta pela Rede em conjunto com a ARAYARA.org também questiona as inconsistências da legislação quanto a aspectos críticos que deveriam embasar a transição energética em Santa Catarina. Para os autores da ação, trata-se de “uma ‘fachada legislativa’ que será utilizada como justificativa de um suposto plano de transição energética, quando na realidade o que se tem é um mecanismo que serve apenas aos interesses econômicos da cadeia produtiva do carvão, visando adiar o inevitável fim da utilização desse combustível fóssil do século retrasado”.
O diretor técnico do Instituto ARAYARA, engenheiro Juliano Bueno de Araújo, doutor em riscos e emergências ambientais, reforça que o conceito de transição energética justa implica em substituir combustíveis fósseis, no caso o carvão, por fontes de energia limpa e renovável, como solar, eólica e biomassa, considerando, ainda, os fatores socioeconômicos envolvidos nessa mudança, como a criação de novos postos de trabalho, por exemplo. “No entanto, a lei de Santa Catarina, além de ignorar esse conceito, já que não estabelece cronograma para o phase out do carvão mineral, ainda cria incentivos e benefícios fiscais para a cadeia produtiva, inclusive com o fomento à instalação de novos complexos industriais que utilizam esse combustível fóssil”, apontou.
A lei catarinense veio na esteira da lei federal nº 14.299/2022, que criou o Programa de Transição Energética Justa e prorrogou até 2040 os contratos de térmicas a carvão de Santa Catarina. A lei federal também é alvo de outra ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7095), proposta pela Rede Sustentabilidade, PSOL, PSB, e ARAYARA.org, em março do ano passado. A ADI contesta a distorção do conceito de transição energética justa, as implicações de se manter o incentivo a uma tecnologia obsoleta e poluente, que contraria os acordos climáticos, além do impacto do custo da energia do carvão no bolso dos consumidores.