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Sociedade civil perde espaço nas decisões nacionais e destruição ambiental vai avançar

CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) pode  deixar de definir normas e diretrizes nacionais de licenciamento, abrindo espaço para um “vale-tudo” ambiental

Representantes da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) apelam para que o presidente Lula vete integralmente o Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação” ou “mãe de todas as boiadas”. A proposta, aprovada pelo Congresso Nacional, cria a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental e é alvo de críticas por flexibilizar de forma ampla as regras de proteção socioambiental no Brasil.

A votação em sessão plenária da Câmara, concluída às 3h40 da madrugada de 17 de julho, aprovou 29 das 32 emendas, muitas delas com potencial de forte impacto ambiental. Uma das mudanças, apresentada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), fixa prazo máximo de um ano para resposta a pedidos de licenciamento — medida que, segundo ambientalistas, pode acelerar projetos de exploração de petróleo na Margem Equatorial, sem a devida análise técnica. Além disso, Alcolumbre incluiu no texto a criação da chamada Licença Ambiental Especial, que concede ao governo federal o poder de aprovar empreendimentos considerados politicamente estratégicos, sem a obrigatoriedade de vinculação a estudos de impacto ambiental.

Para Juliano Bueno, diretor técnico da ARAYARA e Conselheiro do CONAMA pela região Centro-Oeste, o texto ignora a crise climática, enfraquece a legislação ambiental e ameaça direitos de povos e comunidades tradicionais.

“Na prática, o PL promove uma perigosa descentralização e despadronização dos procedimentos de licenciamento, ao transferir para estados e municípios a definição de modalidades e critérios próprios. Isso abre brechas para interpretações divergentes e enfraquece a uniformidade e a segurança jurídica do processo

Para Bueno, o texto favorece diretamente setores ligados à expansão da fronteira fóssil e extrativa, acelerando a instalação de grandes empreendimentos até mesmo em áreas de alta sensibilidade socioambiental, como a Amazônia Legal e a Margem Equatorial. 

“É uma flexibilização que caminha na contramão dos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e compromete a governança ambiental em plena crise climática e ecológica. Hoje, mapeamos mais de 130 projetos de termelétricas a gás e carvão, dezenas de terminais de GNL, polos de processamento de gás e milhares de quilômetros de gasodutos planejados, além de centenas de blocos exploratórios de petróleo e gás e centenas de processos minerários. O que está em jogo é a aceleração de um modelo de desenvolvimento que aprofunda a dependência de combustíveis fósseis e amplia a destruição ambienta”.

Também Conselheiro do CONAMA pela região Centro-Oeste e representante da Fundação Pró-Natureza (Funatura), Cesar Victor do Espírito Santo, explica que entre os dispositivos previstos, estão as LACs (Licença Ambiental por Adesão e Compromisso), favorecendo ainda mais a legalização do desmatamento efetuado pelo Agronegócio, que, segundo ele, já tem uma quantidade absurda de benesses do Estado. “Os próprios agricultores poderão fazer o autolicenciamento para as atividades agropecuárias consideradas de médio e pequeno porte. Mas, quem considera o tamanho do impacto? O próprio empreendedor. O resultado será mais e mais desmatamento em todos os biomas, de forma mais rápida, gerando a emissão de mais gases de efeito estufa e contribuindo com o aumento da temperatura local e planetária”, argumenta.

Espírito Santo destaca ainda  que se com a atual legislação o Cerrado, que registrou um desmatamento de 1.800 hectares por dia (segundo o MAP Biomas), com a aprovação do PL poderia dobrar esse índice, chegando a 3.600 hectares diários — o equivalente a 1,3 milhão de hectares desmatados por ano, com a consequente morte de milhões de seres vivos.

“É muito importante que nós, eleitores, acompanhemos o que nossos representantes parlamentares estão transformando em lei e qual é o seu posicionamento. Também é importante que deputados e deputadas possam informar aos eleitores de que lado estão e apresentem os seus argumentos e justificativas. Isso não é um tema de interesse de apenas um segmento da sociedade, normalmente tratado como ambientalistas. Trata-se de algo de interesse de toda a sociedade e para as futuras gerações”, completou o engenheiro florestal.

Tobias Vieira, conselheiro que representa o Movimento Verde de Paracatu (Mover), ressalta que a bancada do agronegócio sustenta a narrativa de que a lei é lenta e burocrática. No entanto, o verdadeiro problema é que, de forma geral, os órgãos gestores não investem nas estruturas estaduais de meio ambiente, o que impediria maior agilidade, especialmente nas análises de licenciamento ambiental.

“As assembleias legislativas consomem cerca de 50% do orçamento, e a destinação de recursos para as estruturas ambientais fica sempre em segundo ou terceiro plano”, denuncia.

Vieira também observa riscos federativos e até mesmo inconstitucionalidades. De acordo com ele, o PL traz mecanismos frágeis e perigosos, como o autolicenciamento, a renovação de licenças por autodeclaração, a dispensa de licenciamento para diversas atividades — incluindo mineração — e o enfraquecimento do Sistema Nacional de Meio Ambiente. 

“São propostas que só poderiam partir de um setor da Câmara que desconhece a realidade das operações no país ou, pior, finge desconhecer para conceder carta branca a determinados setores produtivos. A realidade é que, mesmo com a legislação atual, muitos usuários não realizam os controles exigidos, cientes de que dificilmente serão fiscalizados. Essa certeza se apoia justamente na falta de estrutura dos órgãos ambientais, o que transforma a flexibilização em um convite aberto à impunidade”, pontua.

Outra crítica de Vieira é a perda de atribuições do CONAMA, que deixaria de definir normas e diretrizes nacionais de licenciamento, abrindo espaço para um “vale-tudo” ambiental.

“Sancionar um projeto como este no ano em que o Brasil sedia a COP é um tapa na cara da sociedade e um ataque direto ao direito constitucional ao meio ambiente, especialmente das futuras gerações.”

Risco de inconstitucionalidade

Do ponto de vista jurídico, especialistas apontam que o PL viola o artigo 225 da Constituição Federal, que garante a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e exige estudos prévios de impacto para atividades potencialmente poluidoras. A proposta também contraria compromissos internacionais, como a Convenção da Diversidade Biológica, que prevê participação pública nas avaliações ambientais.

Outro ponto sensível é a descentralização do licenciamento, permitindo que estados e municípios estabeleçam regras próprias — medida que pode gerar insegurança jurídica e facilitar a implantação de grandes empreendimentos até mesmo em áreas sensíveis, como a Amazônia Legal e a Margem Equatorial, colocando em risco as metas climáticas brasileiras.

O problema não está no licenciamento em si, mas na falta de estrutura. “O IBAMA, por exemplo, operava em 2024 com menos da metade do quadro de especialistas necessários”, lembra.

Enfraquecimento do CONAMA

O CONAMA, órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) responsável por definir normas sobre licenciamento, controle de emissões e uso sustentável dos recursos naturais, ainda conta com baixa participação da sociedade civil — apenas 17% das cadeiras são ocupadas por ONGs. 

Helder Queiroz, conselheiro que representa a Organização Mamirauá, alerta que os efeitos do PL vão muito além da destruição ambiental imediata.

“Não é exagero dizer que o PL 2.159/2021 representa o maior retrocesso já  registrado na legislação ambiental brasileira. Após décadas de construção de uma governança socioambiental — iniciada ainda antes da Constituição de 1988 —, estamos diante de um ataque frontal a instrumentos essenciais de proteção, como o licenciamento ambiental. A proposta abre caminho para um avanço acelerado do desmatamento, aumenta o risco de grandes desastres, estimula obras e mineração em territórios indígenas e comunidades tradicionais, e ameaça a biodiversidade com contaminação do solo, do ar e da água. Ao mesmo tempo, enfraquece o Sistema Nacional de Meio Ambiente, começando pelo próprio CONAMA, expõe ecossistemas aos efeitos da crise climática e pode trazer prejuízos significativos ao comércio internacional. É por isso que defendemos uma mobilização ampla e urgente da sociedade para que o presidente vete integralmente esse projeto e impeça que ele se transforme em lei.”

 

Foto: reprodução/ Creative Commons

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