Quando Magda Chambriard assumiu a presidência da Petrobras, o imbróglio sobre a Margem Equatorial dentro do governo já durava um ano e a executiva, na presença de Silveira e do presidente Lula, deixou clara sua posição. “Precisamos ter autorização para explorar. Vamos ter de conversar com o MMA para mostrar o que a Petrobras está ofertando, que é muito mais do que a lei demanda. O MMA precisa ser mais esclarecido sobre a necessidade de a Petrobras e o País explorarem petróleo e gás, até para liderar a transição energética”, afirmou à época. Passados mais seis meses, parece que essa conversa não aconteceu, e o tom na Petrobras já é de declarada impaciência. “A Margem Equatorial, assim como outras novas fronteiras exploratórias, é essencial para a reposição das reservas do País. mas é preciso agilidade. O desenvolvimento da produção em águas profundas exige antecedência, demora muito”, diz Chambriard. Ela faz um alerta: “As necessidades do Brasil de reposição de reservas são sérias”.
Uma linha de crítica mais contundente foi adotada pela diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, em debates acadêmicos e seminários da indústria de óleo e gás nas últimas semanas: “Estamos lutando para obter a licença e seguindo todas as exigências do Ibama. Até 2030 a produção começará a cair. Este é o momento de fazer uma nova descoberta, senão o Brasil poderá precisar importar petróleo”. Anjos minimiza as preocupações dos ambientalistas: “A área que vamos perfurar na Margem Equatorial tem 2,8 mil metros de profundidade, a 500 quilômetros da Foz do Amazonas e a 175 quilômetros da costa. As correntes da região não se dirigem ao litoral. Estamos confiantes de que não haverá impacto”. A diretora chegou a qualificar como “fake news científica” a informação difundida por biólogos de que a exploração de petróleo iria prejudicar os recifes de corais na Foz do Amazonas: “Lá existem rochas calcárias, mas não são corais, são rochas antigas”.
Entre os ambientalistas, o pedido é de cautela. “Toda atividade de petróleo tem um risco muito alto e aquela é uma região com uma biodiversidade muito pouco conhecida, extremamente importante e que certamente cumpre um papel ecológico neste momento de colapso climático”, afirma Pedro Graça Aranha, articulador da Coalizão Pelo Clima. O maior problema, acrescenta o especialista, é o fato de o governo brasileiro, que afirma seu compromisso com o enfrentamento às mudanças climáticas, apostar ainda na indústria do petróleo como modelo de desenvolvimento econômico: “É um equívoco profundo. O governo Lula é de um negacionismo sutil porque reconhece as mudanças climáticas, tem políticas para fazer o enfrentamento, mas ainda aposta na economia verde e outras falsas soluções que não vão diminuir o aquecimento do planeta. Já chegamos a um ponto no qual a redução da temperatura será muito pequena”.
Outra questão diz respeito aos impactos socioambientais da exploração próxima à Foz do Amazonas, alerta Sila Mesquita, coordenadora da rede Grupo de Trabalho Amazônico, que congrega centenas de organizações da região: “A exploração viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê o consentimento prévio das comunidades e povos envolvidos, mesmo que de forma indireta, com o projeto. Outra questão são os riscos para a biodiversidade, já apontados até mesmo em estudos oficiais”. No que depender das organizações do movimento socioambiental, a pressão contra a exploração da Margem Equatorial só vai crescer até a COP–30 que acontecerá em Belém: “Essa disputa vai refletir-se na articulação amazônica, e mesmo panamazônica, que tem cada vez mais o foco em uma Amazônia livre da exploração de petróleo e gás. Vai haver mobilização e alerta sobre o tema, mesmo com todo apelo econômico usado pelo governo”.
Professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da cátedra da Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, Alexander Turra alerta que a informação disponível para basear qualquer discussão sobre a Margem Equatorial não é muito grande, mas afirma que o risco associado à atividade de exploração de petróleo precisa ser considerado: “Temos ali ambientes bastante importantes do ponto de vista ecológico e econômico, que são a base de toda produção pesqueira que ocorre na região. A vulnerabilidade à qual a comunidade local dos três estados da Foz do Amazonas poderá acabar sendo exposta é o aspecto central, considerando todos os elementos ecológicos que estão no meio do caminho”.
Sobre apolêmica dos corais, Turra afirma que a discussão vai além da questão meramente semântica: “Estamos falando de um sistema recifal construído basicamente por esponjas e algas calcárias. Não é exatamente um recife de coral como vemos no Nordeste, mas isso não diminui a sua importância. Esse sistema é a base da atividade pesqueira da região”. A importância dos manguezais também é ressaltada pelo especialista: “Os manguezais são fundamentais para as pessoas poderem viver, se alimentar e desenvolver novas atividades econômicas ou perspectivas como o pagamento por serviços ambientais, sequestro de carbono, turismo ecológico de base comunitária e coisas assim. Esses ambientes precisam ser resguardados, e é isso que o Ibama precisa observar”.
Já a questão das correntes marítimas na região, emenda Turra, é controversa: “O efeito das correntes mais profundas ainda não é totalmente conhecido. Na medida em que parte do óleo afunda, há correntes que acabam tendo outros sentidos em maiores profundidades e têm o potencial de levar esse óleo de volta ao território brasileiro e, eventualmente, para a costa. Em princípio, não é zero essa possibilidade”.
Um estudo publicado pelo Instituto Arayara analisou cinco espécies de pescados importantes para a região e identificou que todas têm suas áreas de pesca afetadas, com previsão de aumento progressivo de restrições à medida que a fronteira do petróleo se estabelece e cresce a infraestrutura necessária à sua instalação. Oceanógrafa da entidade, Kerlem Carvalho ressalta o prejuízo econômico, uma vez que a indústria pesqueira desempenha grande papel na balança comercial brasileira e movimenta toneladas de produtos para distribuição nacional e exportação para países das Américas, Ásia e Europa: “Além de perdas econômicas, os impactos da exploração de petróleo na pesca podem afetar a segurança alimentar de milhares de pessoas que dependem desse recurso para sua subsistência. É importante ressaltar que a instalação da indústria de petróleo e gás trará uma série de consequências adicionais, incluindo desmatamento, intensificação das atividades portuárias e mudanças socioeconômicas e culturais que afetarão diretamente as comunidades tradicionais, comprometendo sua soberania e segurança alimentar”.
Por ora, a Petrobras procura avançar onde pode em relação à exploração da Margem Equatorial, que, segundo Chambriard, tem reservas potenciais de 10 bilhões de barris de petróleo e investimentos previstos em 280 bilhões de reais. Em dezembro, se completará um ano desde que a empresa, autorizada pelo Ibama, perfurou o poço de Pitu Oeste, a 53 quilômetros da costa do Rio Grande do Norte. No mês passado a Petrobras anunciou a descoberta de uma “importante acumulação de petróleo”, o poço de Anhangá, localizado em uma profundidade de 2,1 mil metros e a 78 quilômetros da costa potiguar. Indagada pela reportagem sobre os resultados de Pitu Oeste e as expectativas em relação aos novos poços, a direção da Petrobras não respondeu até o fechamento desta edição.
Em recente encontro com investidores da Margem Equatorial, que, segundo Chambriard, tem reservas potenciais de 10 bilhões de barris de petróleo e investimentos previstos em 280 bilhões de reais. Em dezembro, se completará um ano desde que a empresa, autorizada pelo Ibama, perfurou o poço de Pitu Oeste, a 53 quilômetros da costa do Rio Grande do Norte. No mês passado a Petrobras anunciou a descoberta de uma “importante acumulação de petróleo”, o poço de Anhangá, localizado em uma profundidade de 2,1 mil metros e a 78 quilômetros da costa potiguar. Indagada pela reportagem sobre os resultados de Pitu Oeste e as expectativas em relação aos novos poços, a direção da Petrobras não respondeu até o fechamento desta edição.
Em recente encontro com investidores sauditas do setor petrolífero, Lula defendeu a exploração. “Na hora em que começarmos a explorar a Margem Equatorial, vamos dar um salto de qualidade extraordinário. Queremos fazer tudo de forma legal e respeitando o meio ambiente, mas não vamos desperdiçar nenhuma oportunidade de crescer”, disse. Para acelerar o processo, o presidente conta com a Advocacia-Geral da União (AGU), órgão que em setembro emitiu mais um parecer favorável à Petrobras ao determinar que não cabe ao Ibama, e sim ao governo do Amapá, conceder licença de funcionamento ao Aeroporto de Oiapoque, que será usado como base se a produção de óleo e gás for de fato iniciada.
Em documento assinado pelo titular da pasta, Jorge Messias, a AGU afirma “não constituir fundamentação adequada para análise do pedido de reconsideração do licenciamento do bloco a verificação de impacto do tráfego aéreo do Aeroporto de Oiapoque sobre as comunidades indígenas do entorno”. A AGU também concluiu pelo indeferimento da participação da Funai, solicitada pelo Ibama no processo de licenciamento: “A atuação do Ibama carece de previsão regulamentar ou mesmo de razoabilidade ao criar uma etapa procedimental não prevista na norma e que põe em risco o prosseguimento do licenciamento ambiental do bloco”.
Enquanto o imbróglio sobre a Margem Equatorial não se define, segue a pressão interna. “Estou convicto de que o Ibama dará essa licença. Vamos avançar com responsabilidade, cumprindo todos os critérios ambientais, mas sem abrir mão da nossa soberania. Não vamos deixar de virar exportadores de petróleo para virar importadores”, diz Silveira.
Repórter de CartaCapital no Rio de Janeiro