Movimento cobra a criação de reserva extrativista para garantir biodiversidade e o modo de vida de pescadores e marisqueiras
Como seria a vida no litoral sem os manguezais? Essa é a pergunta que tem mobilizado mais de 30 instituições da sociedade civil — entre elas o Instituto Internacional ARAYARA —, além de pescadores artesanais, comunidades tradicionais do sul de Pernambuco, parlamentares e movimentos sociais em defesa da preservação desses ecossistemas.
Nas últimas semanas, movimentos sociais, comunidades tradicionais e organizações ambientais intensificaram a campanha #SemMangueSemBeat, que reivindica a criação da Reserva Extrativista (Resex) do Rio Formoso. Com 2.240 hectares, a área abriga o último grande manguezal não urbano de Pernambuco e é essencial para a subsistência de aproximadamente 2.300 pescadores e marisqueiras nos municípios de Sirinhaém, Rio Formoso e Tamandaré.
Fruto de mais de 15 anos de mobilização, a campanha ganhou novo fôlego recentemente, com os organizadores concentrando esforços para pressionar a governadora Raquel Lyra (PSD) a encaminhar, na última sexta-feira (18), o projeto de criação da Resex ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O envio ocorreu em uma data especialmente simbólica: os 25 anos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), reforçando o caráter histórico e estratégico da medida para a proteção dos manguezais e o fortalecimento das comunidades extrativistas da região.
A oceanógrafa e coordenadora de Oceano e Água da ARAYARA, Kerlem Carvalho, explica que a participação da instituição na campanha “#SemMangueSemBeat reafirma o seu compromisso em defender a vida, promover justiça social e ambiental e o apoio às comunidades tradicionais.
“A iniciativa vai muito além de proteger o último grande manguezal não urbano de Pernambuco, ela é um instrumento concreto para viabilizar a criação da Reserva Extrativista do Rio Formoso, garantindo a preservação de ecossistemas essenciais e a sobrevivência de mais de 2.300 pescadores e marisqueiras que dependem diretamente desse habitat”, declara.
Carvalho também ressalta a importância da mobilização neste ano, quando se completam seis anos do derramamento de óleo na costa do Nordeste, que atingiu gravemente o litoral pernambucano, contaminou vastas áreas de manguezais e prejudicou a pesca artesanal. “O desastre ambiental expôs a vulnerabilidade desses ecossistemas e o impacto direto sobre a subsistência de milhares de famílias, reforçando a urgência de uma proteção legal efetiva e da conservação dos manguezais na região.”

Foto: ARAYARA/ Juliana Duarte
O que está em jogo sem os manguezais
Estudos apontam que os manguezais funcionam como um verdadeiro escudo climático, conseguindo estocar até cinco vezes mais carbono que florestas tropicais, além de reduzir a força das ondas e proteger as margens da erosão. “Com a emergência climática trazendo tempestades cada vez mais severas, a devastação dos manguezais torna as cidades costeiras ainda mais vulneráveis”, alerta a oceanógrafa.
A campanha alerta que sem os manguezais, não há pesca, não há proteção contra as tempestades que castigam as cidades costeiras, não há barreira contra as mudanças climáticas. Além disso, o manguezal do Rio Formoso abriga espécies-chave para a pesca artesanal e a culinária da região, como caranguejo-uçá, siri, aratu e ostra. Também é berçário para animais ameaçados de extinção, como o peixe-boi, o cavalo-marinho e o peixe mero.
#SemMangueSemBeat faz referência ao movimento cultural Manguebeat, surgido em Recife nos anos 1990, para reforçar que a identidade cultural pernambucana também nasce no mangue. Veja quem está apoiando a campanha.
A Margem Equatorial também está em risco
A batalha pela Resex do Rio Formoso acontece em um cenário nacional de alerta para a destruição dos manguezais. Na chamada Margem Equatorial — uma faixa que vai do Oiapoque (AP) ao Rio Grande do Norte —, ambientalistas e cientistas denunciam há anos os riscos da exploração de petróleo. A região concentra 80% dos manguezais do Brasil, que estocam 1,5 bilhão de toneladas de CO₂ e sustentam a maior faixa contínua desse ecossistema no planeta.
Mesmo assim, em junho deste ano, o governo leiloou 34 blocos de exploração de petróleo, incluindo 19 na bacia da Foz do Amazonas. Isso apesar do Ibama já ter negado, em 2023, uma licença à Petrobras por falta de garantias ambientais.
“O correto seria interromper qualquer avanço em direção à exploração de petróleo na Amazônia. É um contrassenso devastar um ecossistema que ajuda a salvar o clima para extrair um combustível fóssil que o destrói”, alerta Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora-executiva da ARAYARA.
Os manguezais, além de capturar carbono, purificam as águas costeiras, sustentam a biodiversidade marinha e garantem a segurança alimentar e territorial de milhares de comunidades. Sem eles, não há peixe, não há marisco, não há defesa contra o mar.