O ARAYARA Amazon Climate Hub sediou hoje o evento Science for an Interconnected Amazon: Findings from the Amazon Assessment Report 2025, marcando o lançamento oficial do Segundo Relatório de Avaliação da Amazônia (AR2025), elaborado pelo Science Panel for the Amazon (SPA).
A iniciativa reúne cientistas, povos indígenas, comunidades tradicionais e instituições parceiras de toda a Pan-Amazônia, com o objetivo de fortalecer políticas públicas de conservação e desenvolvimento sustentável.
O relatório apresenta uma análise inédita sobre as múltiplas conexões ecológicas, sociais, culturais, políticas e econômicas que sustentam a Amazônia. Com oito capítulos temáticos, sete deles liderados por autores indígenas, o AR2025 oferece recomendações baseadas em ciência e saberes tradicionais para enfrentar os desafios e preservar a integridade da região e de seus povos.
Um diálogo entre saberes
A abertura do evento contou com Marielos Peña-Claros, que destacou a importância da coletividade: Marielos Peña-Claros destacou a importância da coletividade no AR2025, reunindo 320 participantes de países amazônicos, incluindo pesquisadores, povos originários e comunidades afrodescendentes. Ela ressaltou que os sistemas amazônicos são profundamente conectados, citando a água como exemplo simbólico dessa interdependência. Frente à urgência da crise climática, afirmou que as soluções não estão apenas na ciência, mas também nos territórios, reforçando a necessidade de diálogo, troca de experiências e construção contínua de conhecimento para proteger a Amazônia e seu papel vital para o futuro do planeta.
O líder indígena Gregório Mirabal destacou a importância de reconectar os seres humanos à natureza, lembrando que os mais de 4 milhões de indígenas da Amazônia possuem conhecimentos profundos sobre o território e a biodiversidade. Ele criticou a exploração desenfreada de recursos e a desconexão das cidades modernas com o meio ambiente, reforçando que a ciência e os saberes indígenas precisam dialogar. Segundo ele, o relatório AR2025 é crucial por integrar esses conhecimentos e despertar consciência sobre a preservação da Amazônia e seu papel vital para a vida no planeta.
Meios de Vida Sustentáveis e Bioeconomia
O primeiro painel, sobre economias próprias e multifuncionais, destacou a importância dos diálogos interculturais para enfrentar desafios da cadeia produtiva amazônica.
Maria Páscoa Sarmento de Sousa, quilombola e pesquisadora da UFPA, destacou que os diálogos de saberes são essenciais para a construção da bioeconomia amazônica. Ela ressaltou o papel histórico e contínuo dos quilombolas na defesa de mais de 2 milhões de hectares de floresta nativa, enfrentando ameaças de expansão agrícola e violência. As práticas culturais e ancestrais sustentam modos de vida que preservam a biodiversidade e o clima. Maria Páscoa enfatizou a necessidade de participação efetiva nos processos decisórios, financiamento para políticas próprias e educação, além de garantir que recursos, como os do Fundo Amazônia, cheguem diretamente às comunidades quilombolas..”
A antropóloga colombiana Mariana Gómez Soto, autora-líder de um capítulo sobre bioeconomia, afirmou: “ Diálogos interculturais são essenciais para enfrentar desafios na cadeia produtiva amazônica, considerando especificidades locais. A partir desse processo, foram identificadas 17 experiências econômicas relevantes e 15 princípios estruturantes das economias locais, organizados em categorias sociais, culturais, organizacionais e de direitos, reforçando a importância do intercâmbio de saberes entre diferentes atores.”
Saúde e Bem-Viver Amazônico
No segundo painel, os participantes discutiram o conceito de saúde única, que integra aspectos espirituais, culturais e ambientais. A pesquisadora Sandra Racom, representante da Fiocruz, explicou:
“A saúde indígena deve ser vista como um super sistema, integrando biodiversidade, saberes ancestrais e vivência histórica. Ela alertou para os impactos das mudanças climáticas, pragas, queimadas e uso de produtos químicos na alimentação e saúde das comunidades. Racom enfatizou a necessidade de que o Ministério da Saúde proteja esses programas, garantindo protagonismo indígena e valorizando a saúde única, que conecta ambiente e bem-estar. A preservação da vegetação e o combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos são essenciais para a manutenção da medicina indígena e da vida nas comunidades.”
O líder indígena André Baniwa acrescentou: “o conceito de saúde única, presente na perspectiva indígena do bem viver, integra aspectos espirituais, culturais e o cuidado com pessoas e territórios. As medicinas indígenas, transmitidas ancestralmente, representam subsistemas de conhecimento muitas vezes desconsiderados pela ciência moderna e pelo Estado. O Projeto Nacional das Medicinas Indígenas, do Ministério da Saúde, busca reconhecer, proteger e integrar esses saberes à política pública, promovendo equidade, preservação territorial e atendimento às demandas indígenas.”
Clima, Conectividade e Governança Territorial
O terceiro painel abordou a interdependência entre ecossistemas, povos e políticas transfronteiriças. Carmen Roses, bióloga do Equador, ressaltou que o diálogo intercultural é essencial para enfrentar desafios transfronteiriços na Amazônia, conectando povos e incorporando diferentes perspectivas. Ela ressaltou a necessidade de gestão integrada e sustentável da água e da biodiversidade, considerando a produção local e os mercados. A governança é complexa, especialmente em territórios com múltiplos governos e lideranças, mas é fundamental para promover o desenvolvimento sustentável.”
Rufina, assessora política da Associação de Mulheres da Colômbia, complementou: “Os povos indígenas são guardiães da Amazônia, transmitindo conhecimentos ancestrais que mantêm a vida e os territórios”. Ela ressaltou que a governança deve ir além da gestão física, interpretando a “linguagem da vida” e fortalecendo sistemas de conhecimento tradicionais. A integração de saberes ancestrais e científicos é essencial para construir políticas públicas que preservem a cultura, a biodiversidade e os recursos da Amazônia, garantindo que esses conhecimentos continuem vivos e ativos.
Construindo o futuro juntos
Isabela Leite, gerente do SPA, pontuou que o Science Panel for the Amazon (SPA) busca integrar conhecimento científico e saberes tradicionais para apoiar políticas de conservação e desenvolvimento sustentável. No relatório AR2025, 7 dos 8 capítulos têm autores-líderes indígenas, e o processo valorizou a oralidade para tornar o conhecimento mais inclusivo. Ela ressaltou os desafios da diversidade linguística e a importância de disseminar mensagens-chave como ponto de partida para comunicação e ação futuras.
A cientista Simone Athayde, representante do World Resources Institute, sintetizou: “é importante construir ideias coletivamente por meio da escuta ativa e do diálogo entre ciência acadêmica, povos indígenas e quilombolas. Encontros interculturais geram resultados frutíferos e enriquecem a construção de conhecimento.”
O encerramento ficou por conta de André Baniwa, que reforçou a importância do bem viver: “O bem viver representa uma oportunidade importante que precisa ser melhor compreendida e incorporada nos espaços de atuação. Embora tenha sido fragilizado ao longo do tempo, é essencial continuarmos refletindo e praticando seus princípios na vida cotidiana.”
Foto: Oruê Brasileiro/ ARAYARA










