Riscos à biodiversidade marinha, à pesca artesanal e às comunidades tradicionais serão debatidos em encontros populares nos dias 9 e 12 de junho, em Garopaba e Florianópolis respectivamente.
A ameaça da expansão da exploração de petróleo na costa catarinense acende um alerta entre comunidades tradicionais, pescadores, especialistas em meio ambiente e ativistas ambientais. Os riscos socioambientais dessa atividade serão debatidos em duas audiências públicas e populares em Santa Catarina: “SOS Litoral Sul – SC: Garopaba diz não ao petróleo”, que será realizada no dia 9 de junho de 2025, às 19h30, na Câmara de Vereadores de Garopaba, e “Floripa Livre de Petróleo”, no dia 12 de junho de 2025, às 18h30, no Auditório do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da UFSC. Ambas são abertas à participação da população.
Os eventos integram a mobilização nacional contra o leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP), marcado para o dia 17 de junho no Rio de Janeiro, que prevê a oferta de 172 blocos exploratórios de petróleo e gás em diversas regiões do país, incluindo áreas sensíveis das Bacias de Pelotas e de Santos, no litoral sul do Brasil. O pesquisador técnico, engenheiro ambiental e Gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA, John Wurdig, estará presente na audiência pública de Garopaba e alerta para a necessidade de atenção da população local em relação aos riscos do petróleo. “O litoral catarinense tem uma cultura de pesca muito forte, que tem sua importância econômica, mas também cultural. A expansão da exploração de petróleo na região pode reduzir significativamente a população de algumas espécies de peixes, em especial os peixes demersais, mas também a tainha e a corvina. É ruim para o pescador artesanal, para o pescador comercial, para a biodiversidade marinha, para os turistas, para todos”, comenta o pesquisador.
As audiências públicas também ocorrem em um contexto de ataques legislativos à Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, por meio de dois projetos apresentados pela deputada federal Geovania de Sá (PSDB/SC): o Projeto de Lei 849/2025, que propõe a redução da faixa territorial da APA, e o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 130/2025, que visa revogar o decreto de criação da unidade de conservação. Ambos os projetos foram amplamente criticados por representantes das comunidades tradicionais, pesquisadores, ambientalistas e parlamentares comprometidos com a preservação do litoral catarinense.
Diante dos blocos em oferta no 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP (5OPC), a APA da Baleia Franca está localizada entre as bacias sedimentares de Santos e Pelotas – em ambas as bacias, blocos serão leiloados para a exploração e produção de petróleo e gás. A proximidade desses blocos da APA da faixa terrestre preocupa cientistas climáticos. O bloco em oferta mais perto da faixa terrestre da APA da Baleia Franca está a 114 km de distância, localizado no setor SS-AP4 da Bacia de Santos. Já na bacia de Pelotas, o bloco mais próximo está a 360 km da APA, no setor SP-AP3. Os dados técnicos em relação à expansão da exploração de petróleo no litoral brasileiro podem ser acessados no Monitor da Amazônia Livre de Petróleo e Gás, desenvolvido pela ARAYARA.
“As estruturas offshore tomam lugares, mudam rotas e alteram a água do mar”
Segundo a engenheira ambiental da ARAYARA Daniela Barros, especializada em licenciamento ambiental, os impactos da cadeia do petróleo começam já nas primeiras fases, com os estudos sísmicos e perfurações iniciais. “Já na fase inicial da prospecção sísmica, há emissão de ondas sonoras de alta intensidade que podem interferir diretamente em espécies marinhas, afetando sua comunicação, navegação e rotas migratórias. Com o início da perfuração, intensifica-se a movimentação de embarcações, há geração de resíduos e utilização de grandes volumes de água do mar, que, após o uso, pode retornar ao ambiente com alterações físico-químicas, como temperatura, salinidade e presença de substâncias químicas”, explica.
Daniela detalha ainda o processo industrial da extração: “A separação entre petróleo, gás e água utiliza técnicas que podem acabar lançando resíduos no meio ambiente. Na Bacia de Pelotas, por exemplo, os blocos estão a mais de 200 km da costa. Um vazamento pode levar dias até ser identificado, e quando isso acontece, o óleo já percorreu dezenas de quilômetros”, comenta a engenheira ambiental da ARAYARA.
Daniela também denuncia a ausência de transparência quanto às emissões de carbono geradas, considerando que os gases do efeito estufa são os principais responsáveis pelo avanço da emergência climática. “A maioria das petroleiras não fazem a análise do ciclo de vida inteiro do petróleo. Não há quem se responsabilize pelo impacto total, do poço até o escapamento dos veículos. A responsabilidade é isenta das petroleiras”, comenta a engenheira ambiental.
“Disseram que o pescador não sabe falar. Se enganaram.”
Durante audiência pública realizada em Imbituba na segunda-feira (2) para tratar dos ataques à APA da Baleia Franca, o pescador Lédio da Silveira, presidente da Associação de Pescadores de Garopaba e Imbituba, fez um apelo pela continuidade da unidade de conservação e defendeu o diálogo entre a comunidade para encontrar resoluções aos problemas de moradores e moradoras, referindo-se à população de Jaguaruna que se posiciona a favor da redução da APA da Baleia Franca. “Se tem coisa errada em Jaguaruna, como tem na nossa comunidade, tem que sentar todo mundo e decidir. Não é tirando limite da APA. Disseram que o pescador não sabe falar. Se enganaram. Nós aprendemos a caminhar, a falar e a defender o meio ambiente”, afirma o pescador e presidente da associação.
Ele também apontou a dificuldade de fiscalização a cada tentativa de chamar a Polícia Ambiental para verificar a ocorrência de alguma irregularidade. “Uma hora não tem carro, outra hora não tem gasolina, outra hora não tem efetivo e vamos se arrastando dessa forma”, comenta Lédio.
“A APA garante o direito de ir e vir das populações tradicionais”
Na mesma audiência, a liderança tradicional Maria Aparecida Ferreira, conhecida como Cida, representante da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM), relembrou a luta histórica da comunidade pela preservação da costa e criticou os projetos de lei que ameaçam a APA. “Estão tentando destruir o que nos restou. A APA não é inimiga da moradia, ela é a ferramenta que garante o direito de ir e vir das populações tradicionais, que impede que resorts fechem os caminhos”, manifestou Cida, que foi aplaudida pela maioria dos presentes na audiência.
O alerta da liderança se soma à preocupação com o avanço da exploração de petróleo na região. Diversos blocos ofertados na Bacia de Santos – que faz fronteira de norte a sul com os estados brasileiros do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina – sobrepõem-se a áreas que afetam direta ou indiretamente comunidades pesqueiras tradicionais. Para Cida, permitir o avanço dos projetos em trâmite no legislativo federal que ameaçam a permanência da APA da Baleia Franca seria abrir brecha para mais violações. “Se tiver que ser PL, vamos fazer PL para aumentar onde a nossa APA não pegou”, declara Cida.
ARAYARA aciona Justiça para barrar o “Leilão do Juízo Final” da ANP
Além da mobilização popular, a resistência à expansão do petróleo no litoral sul também ocorre no campo jurídico. O Instituto Internacional ARAYARA, com mais de três décadas de atuação em justiça climática, transição energética e defesa dos direitos humanos e ambientais, já ajuizou cinco Ações Civis Públicas com pedidos liminares para suspender blocos de petróleo ofertados no 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP, conhecido como “Leilão do Juízo Final”, marcado para 17 de junho de 2025.
As ações apontam graves ilegalidades, como o uso de Manifestações Conjuntas vencidas entre os Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia (MME), o descumprimento da Portaria Interministerial nº 01/2022, que determina a exclusão de blocos sobrepostos a áreas protegidas, e o desrespeito a pareceres técnicos do próprio governo que recomendaram a retirada integral de blocos em áreas de alta sensibilidade socioambiental.
As ações reforçam a necessidade de respeitar os marcos legais ambientais e alertam para a ameaça de um colapso climático. A diretora executiva da ARAYARA, Nicole Figueiredo de Oliveira, alerta para a falta de escuta das comunidades locais e acadêmica em plena emergência climática. “Há pelo menos duas vozes que não estão sendo ouvidas nessa nova tentativa de expansão da exploração de petróleo no Brasil – a da comunidade científica e a das comunidades tradicionais. Continuar investindo em combustíveis fósseis é uma insistência que vai na contramão das necessidades do planeta nesse momento de emergência climática que estamos enfrentando. Precisamos ter a coragem de desenvolvermos planos sérios e robustos para começarmos uma transição energética justa em nosso país que seja realmente participativa”, afirma a diretora executiva da ARAYARA.
As audiências públicas em Garopaba e Florianópolis têm como objetivo promover um debate qualificado, regional e participativo, ancorado em dados técnicos, na vivência da comunidade local e no reconhecimento da urgência de decisões políticas compatíveis com a emergência climática. A presença e o engajamento da sociedade são fundamentais para fortalecer a mobilização coletiva em defesa do litoral catarinense e contra os impactos da exploração petrolífera.
Comunicação ARAYARA: Luz Dorneles
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Uma barbaridade sem limites!