+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Onde há proteção social, recessões não aumentam a mortalidade por impacto do coronavírus

Estudos mostram que, em países desenvolvidos e áreas com mais investimento no Brasil, crises econômicas não resultam em mais mortes

Um dos argumentos para afrouxar imediatamente as medidas de confinamento impostas pela pandemia de coronavírus é que o aprofundamento de uma posterior recessão, conforme afirmou o presidente Jair Bolsonaro em uma transmissão via internet na quinta-feira (26), poderia levar a um número ainda maior de mortes do que o provocado pela doença.

Mas a evidência científica mostra que não existe vínculo direto entre crises econômicas e aumento na mortalidade mesmo quando terminam em disparada do desemprego. Nos países desenvolvidos, chega a ser o contrário: pesquisas demonstram que depressões resultam em queda na mortalidade, enquanto em países em desenvolvimento o impacto costuma variar conforme as condições de vida da população analisada. No Brasil, um estudo indica que a recessão verificada entre 2014 e 2016 foi nociva principalmente para homens negros, mas não em cidades onde havia bons níveis de investimento público em saúde e proteção social. Ou seja, quando os governos fazem o seu trabalho, ninguém precisa morrer.

Veja mais notícias sobre o #Coronavírus: https://www.arayara.org/tag/coronavirus/

Publicado em 2009, o artigo científico “Vida e Morte Durante a Grande Depressão” ganhou destaque na edição de setembro daquele ano na respeitada revista americana Science. O estudo elaborado por cientistas da Universidade de Michigan demonstrou que a megacrise de 1929 resultou em uma melhora nas condições de saúde no período imediatamente posterior de 1930 a 1933 nos Estados Unidos. Houve redução generalizada na mortalidade de homens,  mulheres, brancos e não-brancos neste período, o que resultou em aumento médio de seis anos na expectativa de vida. Apenas os suicídios cresceram, mas, como responderam por menos de 2% do total de mortes, e todas as outras causas registraram queda, o resultado final foi mais tempo de vida.

Não foi um fenômeno isolado. Após a recessão de 2008, o cenário se repetiu em 27 países europeus analisados por outro estudo publicado há dois anos. A conclusão do pesquisador José Tapia Granados é que cada ponto percentual de desemprego resultou em redução de 0,5% na taxa de mortalidade dos europeus. Outro trabalho, centrado nos EUA e divulgado em 2017 pela universidade canadense McGill, encontrou a mesma relação entre aumento de desocupação e recuo no índice de mortes em áreas metropolitanas.

— A relação entre recessões e taxas de mortalidade mais baixas é tão forte quanto a evidência de que fumar faz mal à saúde — declarou Granados à revista científica Nature em janeiro do ano passado.

Ainda não está claro por que apertos econômicos muitas vezes poupam vidas. Uma das hipóteses é que períodos de prosperidade estimulem o consumo de álcool e tabaco, menos sono e mais estresse profissional, além de acidentes de trabalho e de transporte. Períodos de baixa econômica, em contraste, poderiam favorecer mais tempo para descansar, dormir, fazer atividade física e até cuidar de outras pessoas com saúde frágil.

Isso não quer dizer que crises sejam desejáveis. Estão associadas à deterioração na saúde mental e, em países em desenvolvimento como o Brasil, podem aumentar a mortalidade em populações mais vulneráveis pela falta de estruturas de apoio. Também há provas disso. 

Um estudo publicado em novembro por pesquisadores brasileiros e estrangeiros na revista científica inglesa The Lancet revela que a crise econômica teve impacto negativo na saúde entre 2014 e 2016. A descoberta foi o oposto do verificado nos países desenvolvidos: cada ponto percentual a mais de desemprego resultou em um aumento de 0,5 na taxa de mortes por 100 mil habitantes. 

Mas há um ponto fundamental nessa divergência, conforme explica o texto do trabalho: “em cidades com alto investimento em saúde e programas de proteção social, não foram observados aumentos significativos na mortalidade relacionada à recessão”.  As principais vítimas da crise, nas regiões onde os governos não investiram o suficiente para criar uma rede de apoio, foram homens, negros ou pardos, e na faixa de 30 a 59 anos.

Como as recessões impactam a saúde

Países desenvolvidos

  • Após a depressão de 1929, nos EUA, expectativa de vida aumentou em seis anos
  • Na Europa e nos EUA, após recessão de 2008, cada ponto percentual de desemprego resultou em 0,5% menos mortalidade

Brasil

  • Na crise de 2014-2016, cada ponto percentual a mais de desemprego, em média, aumentou em 0,5 o número de mortes por 100 mil habitantes
  • Nos municípios onde havia bom investimento em saúde e proteção social, não houve aumento de mortalidade
  • A população branca, mulheres, adolescentes e idosos não sofreram impacto
  • O aumento de mortalidade se concentrou em homens, negros ou pardos, e na faixa de 30 a 59 anos

Fonte: GaúchaZH

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

ARAYARA na Mídia: Projeto de usina termoelétrica em Caçapava não obtém licença ambiental e fica fora de leilão de reserva de capacidade

O projeto da Usina Termoelétrica (UTE) São Paulo, planejado para se instalar em Caçapava-SP, não obteve licença prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e, por isso, não poderá participar do leilão de reserva de capacidade deste ano. Segundo o Instituto Arayara, uma ong que acompanha essas questões ambientais, o Ibama apontou que o

Leia Mais »

Estado do petróleo sofre com onda de calor extremo

A população do estado do Rio de Janeiro, maior produtor de petróleo do Brasil, tem sofrido como poucos as consequências do aquecimento global. Na segunda-feira 17 de fevereiro, a capital do estado chegou a registrar 44ºC, a maior marca desde o início do sistema de alerta climático, há mais de uma década. O petróleo explorado no Rio de Janeiro, naturalmente,

Leia Mais »

Monitor do Carvão Mineral: plataforma passa a disponibilizar passivos ambientais da ACP Carvão

O Monitor do Carvão Mineral agora oferece informações detalhadas sobre os passivos ambientais da região carbonífera de Santa Catarina. A plataforma passou a incluir dados da Ação Civil Pública nº 93.8000533-4 (ACP Carvão), que busca responsabilizar mineradoras pela recuperação ambiental de uma área de 274 km² impactada por rejeitos e minas subterrâneas. Monitoramento e Impacto Ambiental A plataforma integra o

Leia Mais »

Fracking na mira da Justiça: STJ avalia suspensão de licitações da ANP por risco ambiental

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisará um recurso especial sobre a exploração de gás de xisto por fraturamento hidráulico (fracking) na Bacia do Paraná. A ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal (MPF), questiona a Agência Nacional de Petróleo (ANP) por não apresentar estudos técnicos suficientes sobre os impactos ambientais antes de realizar licitações para a exploração do

Leia Mais »