+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

O ‘pré-sal caipira’: a energia que vem dos porcos

O que poderia levar um empresário há 40 anos no ramo da indústria a começar a criar porcos? “Só o que me interessa é a merda deles”, responde, rindo, Romário Schaefer, dono da cerâmica Stein, no Paraná.

Os dejetos dos suínos de sua propriedade no município de Entre Rios do Oeste (PR), a 133 quilômetros de Foz do Iguaçu, são matéria-prima para a produção de biogás. O combustível abastece um gerador que reduziu a conta de luz da empresa pela metade.

Antes um problema ambiental, os resíduos da produção agropecuária passaram a ser fonte de renda para produtores do oeste do Paraná e, entre os mais entusiasmados, já é chamado de “pré-sal caipira”.

Para gerar o combustível, é preciso instalar um biodigestor, estrutura que permite o tratamento do esterco. Com um investimento inicial relativamente elevado, de R$ 75 mil a R$ 100 mil, o negócio se tornou viável por meio do enquadramento como geração distribuída (GD), na qual o consumidor passa a gerar sua própria energia.

A modalidade, que conta com subsídios pagos por todos os brasileiros na conta de luz, é mais conhecida pelos painéis solares, mas vai muito além e inclui a energia gerada por eólicas, bagaço de cana-de-açúcar, aterros sanitários e, também, pelo esterco de animais.

Quem viaja pelo oeste do Paraná normalmente se limita a visitar as famosas Cataratas do Iguaçu. Aqueles que ficam mais dias podem passar também pelo Paraguai, para compras, e pela usina de Itaipu, segunda maior hidrelétrica do mundo. Mas, no caminho desses destinos, o turista logo vai perceber que o que movimenta a região mesmo é o agronegócio.

Dejetos

O Paraná é o maior produtor de suínos do País. Em aves, perde apenas para Santa Catarina. E foi há 12 anos, ao longo das vistorias no reservatório de Itaipu, de 1.350 quilômetros quadrados, que técnicos perceberam o acúmulo de proteína animal, proveniente dos dejetos da produção agropecuária da região.

Somente o oeste do Estado concentra 4,2 milhões de suínos, 105 milhões de aves e 1,3 milhão de bovinos. Para se ter uma ideia, a estimativa é que, por ano, eles gerem resíduos equivalentes à água que desce nas Cataratas do Iguaçu por cinco minutos.

Estender a vida útil da usina de Itaipu ao máximo – hoje estimada em 182 anos – passa por ações que evitem o assoreamento de seu reservatório. Para isso, era vital encontrar uma forma sustentável de lidar com esses resíduos. Em razão dessa necessidade, Itaipu, por meio do Parque Tecnológico da hidrelétrica, firmou parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás).

As análises do CIBiogás mostraram que uma propriedade com 800 suínos pode gerar luz suficiente para abastecer 23 residências. Para isso, é preciso tratar os dejetos e separar o biogás. De acordo com especialistas, é um composto gasoso resultante da degradação anaeróbia de matéria orgânica por micro-organismos. O processo gera também digestato, um fertilizante natural.

De acordo com o diretor-presidente do CIBiogás, Rafael González, a agroindústria da Região Sul do País tem potencial para produzir 3 bilhões de metros cúbicos de biogás por ano, o suficiente para abastecer 2,5 milhões de casas populares.

Conta de luz

Schaefer, da cerâmica Stein, não tinha experiência no agronegócio. Foi a possibilidade de economizar energia que motivou o industrial a investir na criação de suínos.

A família tem a cerâmica Stein há 40 anos e produz 40 mil tijolos por dia, com faturamento mensal de R$ 500 mil. Em 2012, Schaefer comprou um forno contínuo, que funciona 24 horas e não pode ser desligado. O gasto com eletricidade aumentou consideravelmente. “Foi quando achamos a alternativa do biogás”, informa.

Em 2013, ele investiu R$ 300 mil na construção da granja e na compra de um biodigestor e de um gerador próprio. Começou com 3 mil suínos. O biogás gerado – 446 metros cúbicos por dia – rende 28 megawatts-hora por mês, energia integralmente utilizada na indústria.

“Religiosamente”, como ele descreve, o gerador é ligado entre as 18h e 21h, horário de ponta, quando a distribuidora local pode cobrar cinco vezes mais pela energia.

Mais recentemente, o industrial automatizou processos da cerâmica e decidiu dobrar o plantel para 7 mil suínos. Agora, o biogás será também queimado diretamente em seus próprios fornos.

“Foi fantástico. Reduzi meu custo de produção, ao diminuir a conta de luz, e, ao mesmo tempo, estou criando porcos, o que gera uma receita que paga meu investimento”, afirma o produtor.

O retorno do investimento se deu em três anos. E Schaefer conseguiu reduzir sua conta de luz pela metade, para cerca de R$ 30 mil mensais. O industrial doa o biofertilizante gerado para os vizinhos.

Granja foi pioneira na geração

Sócio proprietário da granja São Pedro, Pedro Colombari foi o primeiro produtor a investir em geração distribuída no País, em 2008. Na propriedade, localizada em São Miguel do Iguaçu, ele cria 5 mil suínos e 400 bovinos, e também planta milho e soja. Com o biogás, economiza entre R$ 5 mil e R$ 7 mil mensais em energia elétrica na granja e em outros imóveis e propriedades da família.

A propriedade foi pioneira de um projeto-piloto em parceria com Itaipu. A granja gera 770 metros cúbicos de biogás por dia e produz 32 megawatts-hora por mês. A energia gerada na granja custa um terço do valor cobrado pela distribuidora.

O biofertilizante é usado no plantio de pastagens. Com o aumento da segurança energética, comprou mais máquinas elétricas para a propriedade – uma bomba de irrigação e ventiladores para a granja.

Potencial do biogás equivale ao dobro do gás que vem da Bolívia

O potencial de biogás do Brasil, considerando todas suas fontes, corresponde a até duas vezes o volume médio de gás natural importado da Bolívia em 2018. O dado integra o Plano Nacional de Energia Elétrica (PDE) 2029, divulgado no dia 11 deste mês. A ideia é utilizar o combustível para substituir o diesel, além de misturar o insumo ao gás natural fóssil na malha de gasodutos.

Se no Brasil essa tecnologia está começando a aumentar sua presença na matriz energética, na Europa já são 17,5 mil plantas que produzem energia por meio do biogás.

A Alemanha lidera o ranking, com quase 10 mil empreendimentos. O avanço se deu em meio aos conflitos entre Rússia e Ucrânia pelo gás, a partir de 2009, que cortaram o fornecimento para o país – até então, 40% do gás que abastecia os alemães chegavam por esse caminho.

Cidade tem projeto coletivo de biogás

Para granjas de pequeno porte, a geração de energia pelo biogás nem sempre é viável. Mas, por meio de uma solução coletiva, a prefeitura de Entre Rios do Oeste conseguiu colocar de pé um projeto que gerou economia e resolveu um passivo ambiental.

Com população de 4,6 mil habitantes e de 255 mil suínos, o município tinha alta carga poluidora. Para lidar com o problema, a cidade construiu uma rede coletora de 22 quilômetros para recolher o biogás gerado por 18 propriedades – cada uma pagou seu próprio biodigestor. Cerca de 40 mil porcos produzem 4,7 mil metros cúbicos de biogás por dia, que são transportados até uma minicentral termoelétrica.

A geração de energia da usina abate a conta de luz de 62 edifícios públicos. Em contrapartida, os produtores são remunerados com R$ 0,28 por metro cúbico de biogás produzido. Cada um recebe entre R$ 800 e R$ 5 mil.

Mesmo com o pagamento, a prefeitura economiza entre 5% e 15% em relação ao que gastava em energia antes do projeto, afirma o secretário municipal de Saneamento Básico, Energias Renováveis e Iluminação Pública, Carlos Eduardo Levandowski.

Qualidade de vida

Um dos produtores que integram a rede é Claudinei Jardel Stein, da granja Santo Expedito. Ele cria 7,4 mil suínos e recebe, em média, R$ 1,5 mil do município. Sua conta de luz varia entre R$ 1,2 mil e R$ 1,4 mil. O biodigestor mudou a qualidade de vida na propriedade. “O mau cheiro e as moscas diminuíram muito”, diz.

Ademir Escher, que também faz parte do projeto, concorda. Ele vive na granja com sua família e conta que, depois do biodigestor, a filha parou de reclamar do mau cheiro que impregnava em suas roupas. Ele recebe mensalmente entre R$ 1 mil e R$ 1, 2 mil da prefeitura pelo biogás gerado por 1,2 mil suínos.

O projeto, estruturado pela CIBiogás, custou R$ 17,5 milhões obtidos com verba de pesquisa e desenvolvimento (P&D), em uma parceria entre Itaipu, Parque Tecnológico Itaipu e a distribuidora Copel.

Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o País tem hoje 182 empreendimentos que geram energia a partir de biogás. No ano passado, a potência instalada dos projetos somou 36 MW, ante 110 kW em 2014.

Fonte: Agência Estado

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Licenciamento especial vai à sanção e ONGs prometem judicializar

Organizações ambientais prometem judicialização de alterações no licenciamento de grandes projetos no Brasil Por Nayara Machado – Eixos NESTA EDIÇÃO. Senado aprova MP do licenciamento especial em votação simbólica. Texto vai à sanção. ONGs classificam mudanças na lei como retrocesso ambiental e prometem levar à Justiça. Em uma votação simbólica na tarde desta quarta (3/12), o Senado aprovou a conversão em

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Lobby compromete negociações sobre fim dos combustíveis fósseis

Posições nacionais contrárias ao mapa do caminho para o fim dos combustíveis fósseis têm forte atuação de lobistas, avaliam especialistas. Uma questão se arrasta desde conferências do clima anteriores à COP30: a presença massiva de lobistas da indústria dos combustíveis fósseis. Belém recebeu mais de 1.600 deles, mostrou uma uma análise da coalizão Kick Big Polluters Out (KBPO), um número maior que

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: ‘Chance de crescer’ e ‘atrapalhava quem produz’: o que pensa a bancada do agro sobre o novo licenciamento ambiental

Medida Provisória que restabelece dispositivos vetados por Lula e amplia flexibilizações foi aprovada na Câmara na terça Os deputados Zé Vitor e Capitão Alberto Neto defendem o texto  Câmara Aprova MP que Flexibiliza Licenciamento Ambiental; Críticos Alertam para Riscos A Câmara aprovou a Medida Provisória que flexibiliza o licenciamento ambiental, restaurando trechos vetados por Lula. O Senado deve votar em

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: ‘O canto da sereia do lobby dos fósseis e os interesses políticos superaram a razão e a ciência climática’

Entrevista com Nicole Figueiredo Oliveira e Juliano Bueno | BRASIL A CIVICUS discute a cúpula climática COP30 com Juliano Bueno e Nicole Figueiredo Oliveira, diretor técnico e diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, uma organização brasileira que trabalha pela distribuição justa e sustentável de recursos. Entre 10 e 22 de novembro, Belém sediou a COP30 no coração da Amazônia brasileira,

Leia Mais »