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Na COP30, evento debate ameaças do petróleo na Amazônia e lança livro-reportagem “Até a Última Gota”

O ARAYARA Amazon Climate Hub sediou nesta segunda (10), durante a COP30 em Belém (PA), o evento “Petróleo na Amazônia – Ameaças, Resistências e Caminhos para a Transição”, que marcou o lançamento do livro-reportagem Até a Última Gota, produzido pela InfoAmazonia em parceria com veículos da Pan-Amazônia, e do relatório de incidência desenvolvido pela Fundación Avina e pelo Instituto Internacional ARAYARA.

O encontro reuniu pesquisadores, jornalistas, lideranças indígenas e especialistas para discutir os riscos da expansão da fronteira petrolífera no bioma e propor alternativas para uma transição energética justa. O debate também destacou a necessidade de alinhar ciência, políticas públicas e participação comunitária.

Panorama crítico da exploração na Amazônia

Juliana Mori, diretora da InfoAmazonia, destacou que o livro-reportagem surge após mais de um ano e meio de investigação em cinco países que concentram mais de 80% do bioma amazônico. A iniciativa nasceu, segundo ela, da ausência de informações consolidadas sobre os impactos da exploração petrolífera em toda a região, especialmente após o Ibama negar a licença de exploração de um bloco na Margem Equatorial.

“Precisávamos enxergar o mosaico completo. O Brasil explora petróleo e gás, mas não está sozinho: outros países amazônicos também avançam sobre a floresta e a costa. Este momento, na COP, é fundamental para repensar o que acontecerá com o petróleo no mundo — não só no Brasil”, afirmou.

Fábio Bispo, repórter do especial da InfoAmazonia, relatou que a expedição realizada em parceria com a Arayara revelou um panorama preocupante na Guiana e na Amazônia brasileira. Segundo ele, a Guiana está praticamente dominada pela ExxonMobil, que paga apenas 2% de royalties e deixa grande parte do país sem acesso adequado à energia elétrica, enquanto a população local recebe poucos benefícios da exploração.

Bispo destacou que a exploração petrolífera na costa amazônica brasileira remonta à década de 1970 e que hoje a região enfrenta riscos socioambientais graves, incluindo recifes de corais e manguezais sensíveis, além de comunidades dependentes do território para subsistência. O lançamento do livro e relatório de incidência visa estimular um diálogo baseado em dados sobre a exploração petrolífera, alertando para a necessidade de proteger ecossistemas e populações locais diante da expansão do petróleo e do gás na região.

Expansão fóssil e ausência de consulta às comunidades

Nicole Figueiredo, diretora-executiva da Arayara, declarou:

“A Arayara começou acompanhando os leilões ainda em uma pequena sala, sem sequer saber onde ficavam os blocos ofertados. Foi daí que nasceu a campanha ‘Amazônia Livre de Petróleo’, baseada no monitoramento e na coleta de dados. Esse trabalho gerou as informações que agora contribuem para o livro e revelam a real dimensão da expansão petrolífera na região.

A Petrobras se apresenta como líder em transição energética justa, mas na prática é líder continental da expansão fóssil. O pré-sal é explorado há muitos anos e estados como o Rio de Janeiro recebem os maiores volumes de royalties — Maricá em primeiro lugar e Macaé em segundo. Ainda assim, Macaé não tem sequer tratamento de água para parte da população, nem atendimento adequado para doenças como o câncer. A narrativa de que a expansão do petróleo financia a transição energética não se sustenta quando observamos que 95% do faturamento da Petrobras segue destinado ao próprio petróleo. A empresa poderia estar liderando projetos de energia offshore, mas essas iniciativas estão nas mãos de outras companhias, sem coordenação nacional — algo que poderia ser conduzido pela Petrobras.

O bloco 59 é a porta de entrada para toda a expansão na costa amazônica. Fizemos litigância e campanhas para demonstrar isso. Todas as bacias deveriam passar por Avaliações Ambientais de Área Sedimentar (AAS), que identificam os impactos reais sobre a biodiversidade. Hoje, apenas duas bacias no Brasil possuem AAS; mesmo assim, estamos abrindo a ‘porteira’ da costa amazônica para licenciamentos sem esse estudo. A base hidrodinâmica usada é antiga — tanto que o Ibama exigiu da Petrobras uma nova modelagem. Infelizmente, as decisões não estão sendo guiadas pela ciência.

O que mais me preocupa é que as comunidades não foram consultadas, o que viola a Convenção 169 da OIT. Nem o Ibama, nem o Ministério de Minas e Energia, nem o Ministério Público Federal, nem a Petrobras realizaram consultas adequadas. O Brasil quer se tornar o quarto maior produtor de petróleo do mundo — isso significa que essas populações continuarão sendo ignoradas e não terão voz no processo.

Estamos aumentando a energia solar e eólica, mas ao mesmo tempo ampliando termelétricas que vão operar pelos próximos 30 anos, carbonizando ainda mais a matriz. Hoje, cerca de 50% da nossa matriz energética é fóssil. Precisamos discutir a transição energética com base na ciência, não em narrativas. É urgente trazer fatos para o centro desse debate.”

Informação como ferramenta de incidência pan-amazônica

Juliana Strobel, diretora de Ação Climática da Fundación Avina, destacou a importância da articulação regional.

“Este é um trabalho pan-amazônico. Há exploração na foz do Amazonas no Peru que chega à Amazônia brasileira. Precisamos de ações de incidência e litigância que atravessam fronteiras. Informação é um bem público e deve ser acessível para que a sociedade entenda o que está em jogo.”

Ela reforçou que apenas com colaboração real entre organizações é possível influenciar tomadores de decisão e combater modelos energéticos que ameaçam o bioma.

A voz dos territórios: urgência e resistência

A liderança indígena Luene Karipuna, da Terra Indígena Uaçá (AP), trouxe a dimensão humana e territorial para o centro da discussão.

“A importância deste material é que ele fala a verdade. É independente, não tem vínculo com governo, e mostra o que realmente acontece nos territórios”, afirmou.

Luene recordou que o debate sobre o bloco 59 só ganhou visibilidade após o mapeamento apresentado pela ARAYARA nas mobilizações do ATL (Acampamento Terra Livre).

“Ficamos em choque. Não sabíamos da dimensão dessa ameaça. O material despertou nossas lideranças e mostrou que a transição energética precisa ser justa — feita conosco, não de cima para baixo.”

Ela relatou ainda o agravamento de conflitos e pressões políticas na região:
“O que mais dói é quando colocam parentes contra parentes. É uma região sensível, de fronteira, e esquecida. Há sobrevoos constantes, grilagem legalizada e insegurança territorial gigantesca.”

Luene fez um apelo emocionado:
“Não vamos conseguir parar a perfuração sozinhos. O bloco 59 é responsabilidade do mundo. Essa COP não pode ser só de implementação, mas de ação concreta. Não podemos pagar a conta dos países desenvolvidos com nossas vidas e nossos territórios.”

Ciência, jornalismo e justiça climática como caminho comum

O evento reforçou a necessidade de unir dados, investigação e ação política para defender a Amazônia diante da intensificação dos projetos petrolíferos.

O livro-reportagem e o relatório de incidência consolidam informações inéditas e oferecem recomendações para reduzir a dependência dos fósseis e construir uma transição energética baseada na justiça climática e na ciência — não em narrativas.

O ARAYARA Amazon Climate Hub seguirá com programação ativa durante a COP30, com debates, oficinas e transmissões ao vivo, articulando saberes técnicos, ancestrais e comunitários para fortalecer a resistência amazônica e construir caminhos reais para a transição.

 

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