O Instituto Internacional Arayara participou da Audiência Pública realizada em 21 de junho de 2022 pela Comissão de Meio Ambiente da ALERJ sobre Mudanças Climáticas no Estado do Rio de Janeiro. Este evento teve por objetivo discutir a adaptação às mudanças climáticas no Rio de Janeiro e debater o que será necessário fazer para contribuir para as próximas gerações terem qualidade climática.
O biólogo e técnico da Arayara.org Thièrs Wilberger denunciou neste evento o caso da expansão de Usinas Termelétricas à gás nas zonas de sacrifício ambiental da Baía de Sepetiba e no Município de Macaé, estado do Rio de Janeiro sem a consulta prévia às comunidades tradicionais, conforme determinado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, na Constituição Federal e na legislação ambiental vigente que disciplina a realização do Estudo de Impacto Ambiental e o seu respectivo Relatório de Meio Ambiente (EIA/RIMA).
A Baía de Sepetiba é um corpo de águas salinas e salobras com aproximadamente 305 km2 de área estando 100% inserido no Bioma Mata Atlântica e com inúmeros manguezais esta região abriga mais de 8.000 espécies nativas de animais, especialmente no meio marítimo, com espécies endêmicas e ameaçadas de extinção como o caso do Boto Cinza.
No que tange às questões socioambientais no espaço marítimo da Baía de Sepetiba é bastante intenso, com a presença de grandes navios (transporte de cargas e embarcações militares), além dos barcos de pesca (artesanal, industrial e esportiva), transporte (de mercadorias e passageiros) e de turismo.
O número total de pescadores registrados na baía de Sepetiba em 2017 era de 3.307 pescadores, conforme levantamento realizado no Estudo de Impacto do Meio Ambiente do empreendimento de Ampliação do Porto Sudeste. Agora, pela primeira vez na história do nosso país um órgão ambiental estadual, no caso o Instituto Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (INEA) após receber a delegação de competência do IBAMA pelo licenciamento do empreendimento da Usina Termelétrica Rio de Janeiro (560 MW) quer licenciar este projeto sem a realização de Estudo de Impacto Ambiental e sem a realização de Audiências Públicas para consultar a população diretamente atingida por este mega projeto que pretende ser instalado na Baía de Sepetiba e localizado nos Municípios de Itaguaí e Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, conforme composição a seguir:
- a) Conjunto de quatro unidades flutuantes geradoras de energia (UTEs/Powerships – Karkey 013, Karkey 019, Porsud I e Porsud II), movidas a gás natural, com capacidade total contratada de 560 MW;
- b) Uma unidade Flutuante de Armazenamento e Regaseificação de GNL (FSRU) que será abastecida periodicamente por navio (LNG);
- c) Linha de transmissão aérea de 138 kV das subestações de alta tensão a bordo de cada Powership até a primeira Torre de Transmissão. Deste ponto percorrerá um trecho sobre a água, apoiada em torres sobre estruturas estaqueadas no leito marinho, até chegar em torres em terra e seguirá à subestação Zona Oeste, também em terra. O traçado da LT terá 14,7 km e passará por Itaguaí e Rio de Janeiro.
Destacamos que a empresa Karpowership e o INEA possuem ciência sobre o fato deste projeto não ter realizado Consulta Prévia com a comunidade de Pescadores da Baía de Sepetiba, pois eles estiveram presentes na pessoa de seus presidentes e diretores na audiência pública para debater sobre a instalação de quatro termelétricas a gás sobre balsas na Baía de Sepetiba, realizada em 12 de abril de 2022 pela Comissão de Saneamento Ambiental, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).
Na oportunidade, a Diretora do Instituto Arayara, Sra. Nicole Oliveira destacou em sua fala que a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da consulta às populações afetadas, não foi cumprida. Os pescadores não foram consultados, nem informados previamente sobre o projeto. O presidente da Colônia de Pescadores Z15, Luiz Souza, afirmou que a categoria já vem sendo penalizada e não sabe o porquê de ser tão marginalizada. Ele indagou como um empreendimento desse tamanho tem tanta facilidade para se instalar se os pescadores artesanais são tão fiscalizados e enfrentam tantas dificuldades. A região onde a empresa quer se instalar é justamente a mais piscosa da baía, já que outras áreas tiveram grandes interferências. “A única área viável para pesca é a que empresa turca quer se instalar”, apontou Isac Alves Oliveira, pescador e presidente da Associação de Pescadores e Aquicultores da Pedra de Guaratiba.
É muito importante destacar que as comunidades de pescadores e pescadoras artesanais deverão ter seus direitos territoriais e culturais observados conforme os dispostos dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, os quais prevêem a necessidade de se preservar a cultura e o livre exercício dos direitos culturais e a proteção das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, assim como assegura como patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, respectivamente.
Também lembramos que a Lei Federal n.º 11.959/2009, ao criar a categoria “pescadores profissionais” os diferencia entre artesanais e industriais, entendo por pesca artesanal aquela que, segundo o artigo 8º, I, a., é “praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte”.
Os pescadores artesanais se caracterizam como uma comunidade tradicional, nos termos delimitados pela Convenção 129 da OIT e dos Decretos n. 6.040/2007 e 8.750/2016. O Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), define comunidades tradicionais como grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possui formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição. (art. 3º, I). De acordo com o art. 1º da Convenção, os países signatários devem promover os povos considerados “tradicionais” pelo fato de descendem de populações que viviam no país ou em região geográfica na qual o país estava inserido no momento da sua conquista ou colonização ou do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independente de sua condição jurídica, mantenham algumas de suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas ou todas elas.
Sendo assim, todo e qualquer processo de EIA/RIMA ou licenciamento ambiental cujo empreendimento tenha potencial para atingir populações tradicionais deve obrigatoriamente ouvir essas populações bem como os órgãos responsáveis pela sua defesa, sob pena de absoluta nulidade.
Por fim, no que tange a expansão de Usinas no Território do Município de Macaé – RJ destacamos que está prevista a instalação de um cluster com 12 Usinas Térmicas à gás que irão impactar diretamente os recursos hídricos desta Bacia Hidrográfica que já apresenta sério cenário de escassez hídrica e impactos sobre a população de pescadores artesanais pelo impacto socioambiental negativo destes empreendimentos que driblam a legislação ambiental vigente e a garantia da consulta prévia nestes processos de licenciamento ambiental, assim não cumprindo a legislação brasileiras e acordos internacionais relacionados à questão dos direitos humanos das comunidades tradicionais.
Nestes territórios fica nítido que estão se tornando zonas de sacrifício ambiental, onde a predominância de racismo ambiental sobre as comunidades tradicionais de pescadores está cada vez mais evidente com a expansão deste empreendimento de alto potencial poluidor e que estão driblando a legislação ambiental vigente de licenciamento ambiental, conforme inclusive destacado pela Ministra do STF Carmem Lúcia ao coordenar a Pauta Verde do Supremo Tribunal Federal.
Neste sentido, a expansão das Usinas Termelétricas a Gás Natural no Estado do Rio de Janeiro somente reforçam a tese de que o estado está na contra-mão das políticas públicas ambientais para abatimento de gases do efeito estufa, conforme determinado na Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, no Decreto nº 9.073, de 5 de junho de 2017 que Promulga o Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, celebrado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, e firmado em Nova Iorque, em 22 de abril de 2016 e na Lei nº 9.072 de 27 de outubro de 2020 que altera a lei estadual nº 5.690, de 14 de abril de 2010, que dispõe sobre a política estadual sobre mudança global do clima e desenvolvimento sustentável, determina a elaboração de um plano estadual sobre mudanças climáticas e a atualização das metas de mitigação e adaptação previstas em regulamento, e dá outras providências.
Além disso, destacamos que o Estado do Rio de Janeiro precisa atualizar a sua legislação a fim de se alinhar com as novas Diretrizes Globais de Qualidade do Ar da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicadas em 22 de setembro de 2021, que mostram os danos causados pela poluição atmosférica na saúde humana, e recomenda valores toleráveis de concentração de poluentes no ar ainda menores. A poluição atmosférica é uma das maiores ameaças ambientais à saúde humana, juntamente com a mudança do clima. Melhorar a qualidade do ar pode ajudar os esforços de mitigação da mudança do clima, enquanto a redução das emissões, por sua vez, melhora a qualidade do ar. Ao se esforçar para atingir esses níveis de diretrizes, os países estarão tanto protegendo a saúde quanto mitigando a mudança do clima em nível mundial.
As novas diretrizes da OMS recomendam níveis de qualidade do ar para 6 poluentes — aqueles para os quais houve o maior aumento de evidências demonstrando que a exposição causa efeitos nocivos à saúde. Agir sobre esses poluentes, os chamados clássicos — partículas inaláveis ou material particulado fino (MP), ozônio (O₃), dióxido de nitrogênio (NO₂), dióxido de enxofre (SO₂) e monóxido de carbono (CO) — também tem impacto sobre outros poluentes prejudiciais.
Os riscos à saúde associados a partículas de diâmetro igual ou menor que 10 e 2,5 micra (µm), MP₁₀ e MP₂,₅, respectivamente, são de particular relevância para a saúde pública. Tanto as MP₂,₅ quanto as MP₁₀ são capazes de penetrar profundamente nos pulmões, mas as MP₂,₅ podem entrar até mesmo na corrente sanguínea, resultando principalmente em impactos cardiovasculares e respiratórios e também afetando outros órgãos. As MP são geradas principalmente pela queima de combustíveis em diferentes setores, incluindo transporte, energia, indústria e agricultura, bem como nas residências. Em 2013, a poluição do ar exterior e as partículas inaláveis foram classificadas como cancerígenos pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) da OMS.
No final de sua fala Thièrs protocolou para a Comissão de Defesa do Meio Ambiente da ALERJ o manifesto da Arayara com as denúncias apresentadas acima.
O acesso ao conteúdo completo desta Audiência Pública está disponível em: