Por: Marina Branco* – O Globo
No dia 9 de novembro de 2011, um vazamento de petróleo foi detectado nas proximidades do Campo do Frade, na Bacia de Campos, a 120 quilômetros da costa do Estado do Rio e a cerca de 1.200 metros de profundidade. A petroleira americana Chevron, operadora do campo, foi a responsável pelo acidente, provocado pelo excesso de pressão aplicada na perfuração dos poços. Com isso, surgiram rachaduras nas rochas do leito oceânico, por onde vazaram 3.700 barris de óleo.
Na ocasião, o acidente reforçou a campanha dos que defendiam o direito de o Estado do Rio – produtor de cerca de 80% do petróleo nacional – receber uma fatia maior dos royalties por conta dos riscos da exploração feita pela Petrobras e por outras empresas ao longo do seu litoral. Coincidentemente, no dia seguinte ao vazamento, mais de 150 mil pessoas protestaram, na Cinelândia, no Centro do Rio, contra o projeto aprovado no Senado que retirava cerca de R$ 50 bilhões de royalties do estado e dos municípios fluminenses até 2020.
O acidente foi similar mas em proporções bem menores ao que ocorreu, em abril de 2010, no Golfo do México, onde a plataforma Deepwater Horizon, da petrolífera British Petroleum, explodiu e provocou a morte de sete trabalhadores e derramou, durante 87 dias, cerca de 5 milhões de barris de petróleo no mar. O desastre foi considerado o pior vazamento de petróleo da História. Por coincidência, a plataforma SEDOC 706, que perfurou os três poços da Chevron de onde saiu o vazamento na Bacia de Campos, é da Transocean, a mesma empresa que operava com a British Petroleum no Golfo do México.
Em reportagem publicada no dia 19 de novembro de 2011, O GLOBO noticiou que a Chevron não foi capaz de identificar o vazamento e que foi avisada do problema pela Petrobras, que opera um campo próximo, o Roncador. Ainda segundo informações levantadas pelo jornal, a empresa americana não cumpriu o plano de emergência e, em vez de recolher o óleo, jogou apenas areia no poço.
O vazamento foi descoberto por meio de submarinos operados à distancia. Mesmo com o plano de emergência criado pela petrolífera, após uma semana a mancha de óleo já atingia 60 quilômetros quadrados. O plano da Chevron, aprovado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), consistia em utilizar uma lama pesada para ajudar a fechar o poço; e em seguida seria usado cimento para inutilizá-lo de forma definitiva. Mesmo assim o vazamento continuava e, a cada dia, o acidente tomava maiores proporções já que era no fundo do mar e o volume de óleo no oceano aumentava.
Somente após 16 dias a ANP decidiu punir a Chevron, suspendendo as atividades de perfuração em território brasileiro. A medida foi tomada por considerar que as ações da empresa foram negligentes durante o acidente. Em audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, em Brasília, o presidente da petroleira americana no Brasil, George Buck, pediu desculpas à sociedade e ao governo.
Embora não tenha acontecido perto da costa e de ecossistemas sensíveis, os prejuízos a fauna teriam sido incalculáveis, segundo especialistas do Inea (Instituto Estadual do ambiente). Uma semana após o início do vazamento a Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar o episódio. De acordo com a PF, a Chevron estaria “omitindo informações” e, com isso, o acidente parecia ser mais grave do que estaria sendo divulgado pela petroleira. Além de indiciar a Chevron pelo vazamento, a Polícia Federal a indiciou por outro crime ambiental acusando-a de afundar o óleo no mar, no lugar de removê-lo.
Em dezembro de 2011, a PF encerrou o inquérito indiciando 19 pessoas – entre elas George Buck, presidente da Chevron no Brasil – por crimes ambientais e sonegação de informações a autoridades. O inquérito concluiu que o poço não poderia ter sido perfurado por causa das pressões locais e que a empresa assumiu o risco de um desastre ambiental. O relatório do inquérito ainda afirmou que a petroleira errou ao calcular a pressão do reservatório deliberadamente ou talvez até por ganância. Com isso os executivos da companhia foram proibidos de sair do país.
A ANP, por sua vez, concluiu, em julho de 2012, que a petrolífera americana cometeu diversas falhas nos seus procedimentos, descumprindo as regras brasileiras de segurança operacional e as de seu próprio manual de gestão de risco, o que provocou o vazamento de petróleo durante a perfuração do poço no campo de Frade. Ao todo, a ANP identificou 25 infrações que resultaram no vazamento dos 3.700 barris de petróleo. O resultado do relatório foi divulgado pela diretora-geral da ANP, Magda Chambriand, que afirmou que a multa deveria ficar em torno de R$ 40 milhões. Segundo Magda, o valor foi até baixo para uma empresa do porte multinacional da Chevron.
No ano seguinte, em abril de 2013, a Chevron recebeu aval da ANP para voltar a produzir petróleo no Brasil após ter as atividades suspensas por causa de um segundo vazamento de petróleo, ocorrido em março de 2012, no mesmo Campo do Frade, na Bacia de Campos. Apesar da autorização para voltar a produzir, a companhia continuou proibida pela ANP de perfurar poços no país, enquanto estavam sendo apuradas as causas do acidente em 2011.
Poucos meses depois, em setembro de 2013, a Chevron fechou um acordo que pôs fim às ações civis avaliadas em US$ 17,5 bilhões. O acordo, negociado durante quase um ano, incluiu R$ 300 milhões em compensações pelo derramamento dos 3.700 barris no oceano. Desse total, R$ 95 milhões foram destinados a projetos sociais e ambientais. As ações constituíram o processo ambiental mais importante da História no Brasil. Segundo a ANP, o derrame de petróleo não causou danos ambientais tangíveis e nunca chegou perto da costa brasileira nem provocou feridos. Já as ações penais tinham sido anuladas em fevereiro.
De acordo com a ANP, “com a assinatura do acordo, que obriga a Chevron a estabelecer medidas sem precedentes para impedir novos incidentes e compensações pelo vazamento no poço Frade, as duas ações poderão ser resolvidas”, conforme O GLOBO noticiou em 14 de setembro de 2013. Pelo acordo assinado pelo Ibama e pela ANP, os dois órgãos farão um acompanhamento da atuação da Chevron no Brasil, informou na ocasião a procuradora da República Gisele Porto, representante das autoridades no caso.
* Com edição de Gustavo Villela, editor do Acervo O GLOBO
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