+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Mais acusações contra Bolsonaro na COP26

Além de destruir políticas e órgãos ambientais, o Brasil, sob o atual Presidente, alcançou o nada invejável posto de quarto País em mortes de defensores e defensoras do clima

Carlos Tautz

Apesar de ser o quarto País onde mais são assassinados defensores do meio ambiente, o Brasil tem um sistema deficiente para proteger quem arrisca a própria vida por florestas em pé, rios sem poluentes, povos originários íntegros em sua cultura e a diminuição as emissões de gases que causam o Efeito Estufa na atmosfera.

O Brasil precisa urgentemente avançar nessa área, mas, o que os fatos comprovam, é que, em se tratando de defender os/as defensores/as, estamos mal, muito mal.

De acordo com o relatório Last Line of Defense, lançado em 13 de setembro passado pela organização inglesa de defesa de direitos humanos Global Witness (GW), o Brasil registrou, em 2020, 20 assassinatos de defensores do meio ambiente.

Esse é um número altíssimo (o total mundial alcançou 227 mortes no ano passado), mas os índices podem ser ainda piores. Uma quantidade sequer estimada de outros casos não chega ao conhecimento das autoridades e de organizações da sociedade civil que monitoram o tema.

São computados pela GW, somente, os crimes registrados em instâncias oficiais, como delegacias de polícia e os Ministérios e Defensorias Públicas, ou denunciados por organizações sociais.

De acordo com a GW, o nosso País alcançou, no ano passado, o nada invejável posto de quarta nação em que mais ativistas ambientais são assassinados por defender o meio ambiente em geral e, muito particularmente, o clima do planeta.

Esta situação tem tudo para complicar ainda mais a posição internacional do Brasil diante de outros países já no curto prazo. Entre 31 de outubro a 12  de novembro, acontecerá em Glasgow, Escócia, a 26a Conferência das Partes (COP26) dos países que ratificaram o Acordo de Paris, em vigor desde 2015.

Além de se tornar rapidamente um dos principais contribuintes para a piora do clima global, o que em si já nos transformaria em um dos protagonistas da crise climática, o Brasil deverá passar também pelo desconforto de apresentar um restritíssimo sistema de proteção a defensores do meio ambiente.

O País opera um sistema de proteção de defensores muito falho e que, em 2016, foi alterado para excluir de sua condução organizações da sociedade civil – o que contribui para a pouca eficácia do sistema – e diminuir o número daqueles que deveriam ser protegidos.

Em um relatório recente, Transparência Internacional Brasil (TIB), por exemplo, avalia que “mesmo diante de tantas denúncias e do alto número de homicídios de defensores, o Brasil tem uma atuação muito tímida quanto ao tema. Desde 2004, o arcabouço jurídico existente no país é baseado, em grande medida, no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), formalizado em decretos presidenciais – normas caracterizadas por sua fragilidade e fácil modificação”.

E a TIB afirma ainda mais: “Em 2016, o programa foi modificado pelo Decreto Federal nº 8.724/2016, que criou um Conselho Deliberativo para conduzi-lo, excluindo a sociedade civil do processo, e alterou o escopo do programa, direcionando-o apenas a pessoas que sofreram ameaça – o que excluiu parte importante das pessoas originalmente protegidas. Por fim, o Decreto Federal nº 9.937/2019 renomeou a iniciativa, incluindo explicitamente comunicadores sociais e ambientalistas no rol do programa, e ampliou os poderes do Conselho Deliberativo, que passa a poder emitir resoluções e criar comissões e grupos de trabalho. No entanto, o programa apresenta dificuldades mais estruturais, caracterizando-se por ações descontínuas e insuficientes, equipe reduzida e baixa integração com outros órgãos públicos e entes federativos, além da já mencionada fragilidade dos instrumentos jurídicos “, afirma o relatório, em que a TIB analisa a situação do Brasil diante da decisão oficial de não ratificar o assim chamado Acordo de Escazú.

O banho-maria em que se encontra a ratificação desse Acordo pelo Brasil, por sinal, reflete exatamente o grave momento de retrocesso quanto à defesa dos direitos humanos no País, desde que o ex-presidente Michel Temer assumiu o poder em agosto de 2016, processo que foi agravado pela chegada ao Palácio do Planalto, em 1 de janeiro de 2019, de Jair Bolsonaro.

O Brasil assinou em 2018 – mas o Congresso Nacional ainda não ratificou  – o Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe – conhecido como  Acordo de Escazú, que inova exatamente no ponto da proteção de testemunhas e defensores.

O Acordo de Escazú entrou em vigor em 22 de abril passado, após ter sido assinado por 24 países e ratificado por 12. Alicia Bárcena, secretária-executiva da Comissão Econômica Para América Latina (a Cepal, o órgão da ONU que produz estudos e estatísticas sócio-econômicas para a região e que secretariou o processo de elaboração do Acordo), observou que “o Acordo de Escazú nos convida a refletir sobre o estreito vínculo entre os direitos humanos e a construção de um desenvolvimento mais sustentável, inclusivo e integrador”.

A COP26 que começa em alguns dias provavelmente marcará um momento em que o Brasil será instado a se posicionais por denúncias que vão desde genocídio contra povos indígenas, até a destruição de órgãos e políticas ambientais, iniciados em Temer e radicalizados como nunca sob Bolsonaro.

E, sem medo de errar, já é possível antecipar que o tema da proteção a defensores e defensoras do clima será um dos principais flancos de ataque contra um governo que em pouco mais de dois anos fez tudo o que pôde para, mais do que se omitir, atentar contra os frágeis sistemas de de proteção a direitos humanos e ambientais.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

PEC das Praias: sociedade civil e organizações socioambientais relatam “repressão”

Grupo formado por manifestantes, representantes de organizações em defesa do meio ambiente e de pescadores diz que foi proibido de estar na CCJ e de expor cartazes nos corredores do Senado Sociedade civil e representantes de organizações socioambientais foram nesta quarta-feira (4/12) ao Congresso Nacional para manifestação contra a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 3 de 2022, conhecida

Leia Mais »

PL das Eólicas Offshore com ‘jabutis’ para subsidiar carvão tem votação adiada no Senado

A votação do Projeto de Lei 576/2021, que estabelece o marco regulatório da geração de energia eólica offshore, foi adiada novamente na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Senado Federal. O texto, relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), enfrenta forte resistência de senadores da base do governo, especialmente por conta dos artigos que fornecem subsídios aos geradores fósseis de

Leia Mais »

Litigância climática no Brasil é tema de webinário do JUMA e BIICL

O Instituto Internacional ARAYARA teve uma participação de destaque no webinário “Perspectivas para a Litigância Climática Corporativa no Brasil”, realizado no dia 29 de novembro. O evento, promovido pelo Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (JUMA), em parceria com o British Institute of International and Comparative Law (BIICL), discutiu o papel crucial da litigância climática no enfrentamento

Leia Mais »

ALADTI: evento reúne defensores e defensoras de territórios indígenas da América Latina

Entre os dias 25 e 27 de novembro de 2024, 28 organizações indígenas e da sociedade civil de sete países da América Latina (Peru, Colômbia, Brasil, Panamá, Costa Rica, Guatemala e México) se reuniram em Lima, no Peru, para o 2º Encontro da Aliança Latino-Americana de Defensores e Defensoras de Territórios Indígenas (ALADTI).  O evento teve como objetivo fortalecer conexões,

Leia Mais »