Em matéria da contex.news, plataforma de notícias da Fundação Thomson Reuters, diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara aponta ambiguidades da política climática brasileira: Estado almeja ser um grande exportador global de combustível de baixo carbono e, ao mesmo tempo, de petróleo e gás, apostando simultaneamente nas duas agendas – porém mais em petróleo e gás.
RIO DE JANEIRO – O Brasil está se posicionando como líder na transição global para energia limpa, com a hidrelétrica como sua principal fonte de eletricidade, o rápido crescimento da energia eólica e solar, e os renováveis representando um quarto do transporte. No entanto, o Brasil também investiu pesadamente em combustíveis fósseis, e o governo planeja transformar o país de sétimo maior produtor de petróleo do mundo para o quarto até 2030.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sediará a cúpula climática das Nações Unidas, COP30, no próximo ano, assinou neste mês uma nova lei que regula a indústria de hidrogênio verde do país. “Qual país pode competir com o nosso em termos de transição energética?” perguntou ele durante a cerimônia de assinatura. Lula afirmou que pretende transformar o Brasil em um exportador global de combustível de baixo carbono e fazer do país a “Arábia Saudita das energias renováveis em 10 anos”.
No entanto, as ambições verdes do Brasil podem ser prejudicadas por propostas para aumentar a perfuração de combustíveis fósseis, inclusive perto da foz do Rio Amazonas, e pela construção de mais termelétricas, principalmente movidas a gás natural poluente. O governo afirma que o Brasil precisa produzir petróleo e gás para garantir sua segurança energética.
Por outro lado, ambientalistas argumentam que as exportações de energia verde do Brasil não trarão ganhos reais para o clima se o excedente de energia do país for alcançado queimando mais combustíveis fósseis. “Se seguirmos o caminho da expansão das termelétricas… nossa própria matriz energética terá uma pegada de carbono maior”, disse Cássio Cardoso Carvalho, pesquisador do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
O Ministério de Minas e Energia do Brasil afirmou que o gás natural tem a menor pegada de carbono em comparação com outros combustíveis fósseis, como diesel e carvão, e que sua produção e uso estão “totalmente alinhados com os planos do país de alcançar a neutralidade de carbono em 2050”.
Subsídios aos fósseis
Entre 2018 e 2022, o governo federal subsidiou combustíveis fósseis com 335 bilhões de reais (US$ 58 bilhões) – mais de cinco vezes mais do que os renováveis, segundo o Inesc. Carvalho disse que o potencial de energia verde do Brasil deveria permitir ao país prescindir do gás natural, mas ele não viu uma mudança significativa nos subsídios desde que Lula retornou ao poder em 2023.
No total, o Brasil está destinando 472 bilhões de reais para petróleo, gás natural e biocombustíveis entre 2024 e 2027, segundo uma análise do Inesc, mas apenas 0,2% desse montante está indo para o programa de transição energética.
O Ministério de Minas e Energia afirmou em um e-mail que ainda haverá demanda por petróleo e gás “pelo menos até 2050”, e que o país se tornaria um importador líquido de petróleo na década de 2030, a menos que continuasse a explorar suas próprias reservas. Felipe Peixoto, secretário de Energia do estado do Rio de Janeiro, que é o maior produtor de petróleo e gás do país, disse que os combustíveis fósseis são “fundamentais para o desenvolvimento econômico do estado. Dependemos deles para royalties, empresas e empregos”.
O Brasil está construindo 15 novas usinas movidas a gás, o que, segundo o Instituto Internacional Arayara, uma organização não governamental, deve aumentar a capacidade de geração de gás natural do Brasil em pelo menos 30%.
Elementos inconstantes
Líderes da indústria petrolífera afirmam que outro motivo para a necessidade de combustíveis fósseis é a variabilidade do fornecimento de energia renovável. Queimar gás natural “tornou-se uma necessidade diária quando o sol se põe ou o vento varia”, disse Mauricio Tolmasquim, diretor de transição energética da Petrobras, a maior produtora de petróleo e gás do país. Usinas a petróleo, gás natural e carvão representaram 7,5% da energia gerada no Brasil em 2023, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética do Brasil, enquanto cerca de 60% foi gerada por usinas hidrelétricas.
Mas quando há escassez de água, o Brasil queima mais combustíveis fósseis. Em 2021, quando uma severa seca atingiu os reservatórios hidrelétricos, 19% da energia do país foi gerada por termelétricas a combustíveis fósseis. Isso levou a um aumento nos preços da eletricidade, bem como nas emissões de carbono, algo que ambientalistas dizem que pode se tornar mais frequente à medida que o volume de chuvas do país se torna mais volátil devido às mudanças climáticas, que são um produto das emissões.
Neste mês, uma grave seca na Amazônia pelo segundo ano consecutivo forçou uma mudança de política para o uso de mais fontes térmicas na região norte do Brasil, disseram as autoridades. Mas Juliano Araújo, diretor do Arayara, afirmou que a geração a gás natural pode agravar a escassez de água em épocas de seca. “A maioria das termelétricas a gás natural consome grandes quantidades de água”, disse ele.
Com os preços do gás natural muitas vezes superiores aos dos renováveis, Araújo afirmou que o Brasil deveria direcionar fundos dos combustíveis fósseis para expandir a geração solar e eólica e preservar suas reservas de hidrocarbonetos.”Não é verdade que o gás natural seja uma fonte de energia segura e firme”, disse ele.
Fonte: Fundação Reuters | Reportagem de Andre Cabette Fabio; Edição de Jon Hemming e Jack Graham
Tradução: Instituto Internacional Arayara