+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

“Há uma escalada da violência política”, denuncia vereadora trans que sofreu atentado

A figura política de Carolina Iara deveria constar de estudos sociológicos – ela faz parte de uma importante inovação política no Brasil, os mandatos coletivos, que já estão em várias Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores de todo o País.

Juntamente com outras quatro mulheres do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), essa cientista social trans, negra, militante de movimentos de saúde e de defesa de direitos humanos também é mestranda na Universidade Federal do ABC (ela estuda a empregabilidade de pessoas negras que vivem com HIV-Aids) e integra desde 1 de janeiro a assim chamada “mandata feminista” na Câmara paulistana.

Mas, em vez de Carolina ser objeto de pesquisas acadêmicas, seu nome ganhou os jornais na semana passada por uma razão bem diferente. A casa no bairro São Mateus em que vivem Carolina, sua mãe e seu irão foi alvo de dois tiros disparados na madrugada do dia 26 passado, menos de um mês após ela “tomar posse”.

“Houve uma intimidação política sobre mim e minha família. Tive de sair corrida de casa, sem saber as motivações desse atentado. Não havia nenhum histórico que justificasse algo nesse sentido. Não temos a menor ideia de quem poderia ter feito”, resume Carolina.

Ela denuncia que “há uma escalada da violência política no País. Nos últimos três anos, tivemos uma vereadora assassinada (Marielle Franco, em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro), uma deputada federal que vive ameaçada e na clandestinidade (Talíria Petrone, PSOL-RJ), também negra, e eu, vivendo sob ameaça”.

É uma escalada da violência política contra as esquerdas, setores que defendem os direitos humanos e com as mulheres negras”.

A mandata coletiva da qual Carolina faz parte funciona assim: uma pessoa (no caso do coletivo de Carolina, Silvia Ferraro) se inscreve no Tribunal Regional Eleitoral e concorre a um cargo eletivo. Se eleita, continua a única responsável legal por seus votos e demais ações legislativas, mas divide com outras pessoas (o numero varia de caso a caso) seu salário e questões sobre o mandato.

“Não existem decisões verticais da pessoa que se inscreveu no TRE. Todas as decisões e planejamento da mandata são feitas em total consenso das cinco co-vereadoras e com consultas às forças (políticas) que nos apoiam”.

Ao saber do atentado contra Carolina, é imediata a lembrança do caso da ex-vereadora (PSOL) Marielle Franco – assassinada em 2018 no Centro do Rio quando voltava para casa com seu motorista, também morto, Anderson Gomes.

O paralelo que pode ser feito com Marielle é que somos duas mulheres negras com histórico de enfrentamento às elites econômicas e interesses de pessoas que são contra os direitos humanos e direitos sociais. Existem marcadores de raça e de gênero. Ela também era uma mulher LGBTQIA+, mas as investigações vão dizer se o meu atentado e a morte dela possuem semelhanças ou não”.

Dois ex-policiais militares, integrantes de milícias no Rio e assassinos profissionais, estão presos e acusados de serem os operadores do crime contra Marielle e Andersom.

Os acusados devem ir a julgamento em 2021 mas, devido à reconhecida lentidão do sistema de segurança pública e do Ministério Público com investigações sobre crimes cometidos contra defensores de direitos humanos no Rio, sequer existem pistas sobre os mandantes e as razões das mortes, mesmo tendo sido este o crime político de maior repercussão no Brasil desde a bomba no Riocentro, em 1981.

Com perigosa frequência, outras parlamentares negras do PSOL fluminense também recebem os mais diversos tipos de ameaças. O caso mais grave é o da historiadora e deputada federal Talíria Petrone, que é ameaçada desde 2016, quando se elegeu vereadora em Niterói (RJ). A Polícia e o MP do Rio e a Polícia Federal sequer identificaram os ameaçadores.

Talíria, sua filha de apenas um ano de idade e o marido vivem em local desconhecido e só retornam ao Rio quando conseguem escolta policial. O caso de Talíria foi denunciado em 2020 às relatorias da ONU sobre execuções sumárias, sobre racismo e sobre a situação de defensores de direitos humanos.

Outras três deputadas estaduais negras do PSOL – a produtora cultural Dani Monteiro, a socióloga Mônica Francisco e a jornalista Renata Souza, candidata do partido à prefeitura do Rio em 2020 – também passaram a receber variados tipos de ameaças desde que chegaram à Assembleia do Rio (Alerj), em 2018.

O “decano” do grupo de parlamentares ameaçados é o historiador e hoje deputado federal Marcelo Freixo. Quando deputado na Alerj, ele presidiu as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) que investigaram as milícias no Rio (em 2008, que resultou na prisão de centenas de milicianos e de parlamentares estaduais representantes das milícias na Alerj) e o tráfico de armas (2011). Há 13 anos Freixo vive sob escolta policial durante 24 horas por dia.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Impactos ambientais e sociais: licenciamento de mina de carvão que abastece a Braskem no Polo Petroquímico de Triunfo é questionado

Na última quinta-feira, a audiência pública sobre o licenciamento da Mina do Cerro, em Cachoeira do Sul (RS), trouxe à tona uma série de questionamentos sobre os potenciais impactos ambientais e sociais deste projeto de mineração de carvão. O processo administrativo, identificado pelo nº 22-0567/21-2, foi aberto junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (FEPAM-RS) e trata

Leia Mais »

Técnicos do Ibama rejeitam licença de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, mas presidente do órgão mantém discussão

Em uma decisão que reflete o impasse entre as áreas técnica e administrativa, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) analisou a concessão de licença para exploração de petróleo pela Petrobras no bloco 59 da Bacia da Foz do Amazonas A nota técnica, assinada por 26 técnicos do órgão, recomendou o arquivamento do pedido da

Leia Mais »

Biodiversidade em perigo: aquecimento dos oceanos e branqueamento dos corais

Entrevistada pelo Instituto Internacional Arayara, a bióloga responsável Biofábrica de Corais, Maria Gabriela Moreno Ávila, explica fenômeno que ameaça a vida marinha na costa brasileira A Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) ocorre a cada dois anos, constituindo o principal fórum internacional para promover a cooperação em prol da conservação e do uso

Leia Mais »

A duas semanas da COP29, o alerta: emissões máximas, esforços mínimos

A liberação de gases de efeito estufa nunca foi tão alta. Ao mesmo tempo, avaliação das contribuições nacionais para contê-los aponta uma redução de apenas 2,6% até 2026, colocando a meta principal do Acordo de Paris em risco   A duas semanas da Conferência do Clima de Baku, no Azerbaijão (COP29), que começa em 11 de novembro, dois documentos da

Leia Mais »