“Era dia 29 de abril, eu estava na casa da minha vó, no município de Guaíba, e comecei a ficar muito impressionado com o volume de chuvas”, essa é a memória que o gerente de transição energética do Instituto Internacional Arayara, o técnico em Meio Ambiente e Engenharia Ambiental John Würdig, tem do início das enchentes no Rio Grande do Sul, que completam um ano nesta semana.
A quantidade alarmante de água precipitada no curto período de tempo em que John observou indicava que o cenário mudaria drasticamente nas próximas horas. No final daquela quarta-feira, mais de 470 municípios já haviam sido afetados pelas tempestades e impactado não só ele, mas milhares de pessoas pelo estado.
“Estava com um parente internado e minha família se revezava para cuidar da minha avó (Jacilda Würdig). No mesmo dia eu consegui voltar para a minha casa, em Barra do Ribeiro, que foi a maior sorte, porque em seguida começaram todas as inundações”, lembra.
Entre o final de abril e o início de maio de 2024, várias cidades chegaram a receber de 500 a 700 mm de chuva, o equivalente a um terço da média histórica de precipitação para um ano inteiro.
O município de Barra do Ribeiro é o último da bacia do lago Guaíba antes de encontrar a Lagoa dos Patos. Não é incomum que a região sofra com enchentes de dois pontos: a jusante, que ocorre no sentido de fluxo de água do rio, pela cheia, e inunda a orla, e a montante, que sobe o arroio Ribeiro, proveniente da chuva que vem da zona serrana.
“A gente começou a ver o rio subindo, a enchente vindo, a água descendo o arroio. Foi desesperador”, lembra.
Ele conta que precisou voltar para buscar a avó em Guaíba, que estava sem água e sem energia. Outros familiares também precisaram ser resgatados por meio de uma estrada vicinal. A esta altura, o acesso à capital, Porto Alegre, já estava bloqueado. Posteriormente, a cidade de Barra do Ribeiro teve o acesso ao gás afetado.
“Eu notei uma ausência da Defesa Civil. Houve uma atuação muito forte em conduzir as pessoas aos ginásios, mas não tínhamos boletins de alerta, monitoramento e informações sobre o quanto choveu”, relata John, que fundou o coletivo Centro Climático e Ambiental de Barra do Ribeiro para realizar um cercamento e monitoramento voluntário na cidade durante o período.
A iniciativa contou com a participação de mais de 50 pessoas e teve apoio do Instituto Internacional Arayara. A ação foi fundamental para a emissão de alertas independentes, que ajudaram a população a se situar em meio ao caos. Ele relata que houve inclusive a tentativa de fazer uma parceria com a prefeitura da cidade na época, mas a sugestão foi declinada pelo então prefeito. Procurada pela reportagem, até o momento desta publicação, a Defesa Civil ainda não havia se posicionado.
Um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) após as enchentes mapeou cerca de 18 mil km² e identificou 16.862 movimentos de massa. Boa parte desta terra foi parar dentro dos rios, o que conferiu o aspecto da lama das enchentes.
Pai do ativista e engenheiro ambiental John Würdig, na época, Paulo Würdig tinha um barco de pesca, que foi utilizado para ajudar no resgate e monitoramento das casas no período das tragédias. Tempos antes das enchentes, ele tinha comprado um casarão antigo, de 1911, que ficava à beira do rio e foi completamente inundado.
“Todo mundo tinha muito medo de ser roubado, assaltado ou ter a casa depredada. Foram tempos muito difíceis, havia um clima de desconfiança enorme de todo mundo”, conta Paulo. “Gente bem de vida conseguiu se reerguer, difícil é ver a população que sofre com isso até hoje. Conheço pessoas que ainda estão sem ter onde morar”, completa.
O Instituto
O Instituto Internacional Arayara é a maior organização da América Latina no que tange à mitigação climática e ambiental, e atua especialmente em ações civis públicas ou processos judiciais para efetivar compromissos climáticos no Brasil.
Além da atuação efetiva no âmbito político e social, Arayara promove ações de proteção a ativistas climáticos, como é o caso do programa Defensores dos defensores, que presta assistência a ambientalistas climáticos no Brasil
Com atuação marcada por campanhas contra combustíveis fósseis e emissão de mais CO2, o Instituto tem como principais eixos de trabalho energia e clima, direitos humano, saúde, democracia, liberdade e segurança.
Fonte: Veja