O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisará um recurso especial sobre a exploração de gás de xisto por fraturamento hidráulico (fracking) na Bacia do Paraná. A ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal (MPF), questiona a Agência Nacional de Petróleo (ANP) por não apresentar estudos técnicos suficientes sobre os impactos ambientais antes de realizar licitações para a exploração do recurso. Na última quinta-feira (13) o Instituto Internacional ARAYARA foi admitido como amicus curiae no caso.
O amicus curiae, ou “amigo da corte”, tem a função de contribuir com informações relevantes em processos judiciais de grande impacto social. Previsto no Código de Processo Civil, sua participação depende da aceitação ou convite do Juízo, que define seus poderes de atuação.
“Quando fizemos o levantamento de ações sobre fracking, identificamos um recurso especial no STJ que discutia a possibilidade dessa técnica na Bacia do Paraná, ofertada na 12ª Rodada de Licitações. Logo, requeremos ingresso como amicus curiae e fomos admitidos pelo STJ ontem”, declarou o advogado Luiz Ormay.
O MPF argumenta que as licitações foram autorizadas sem a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), exigida pela Portaria Interministerial nº 198/2012. O Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTPEG), coordenado pelo Ibama, alertou sobre a ausência de regulamentação adequada no Brasil e destacou os riscos ambientais e à saúde pública. Em parecer técnico, o GTPEG recomendou a suspensão das licitações até que protocolos regulatórios garantam segurança ambiental e jurídica para a atividade.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região já reconheceu a possibilidade de danos ambientais irreversíveis. A decisão judicial destaca que a falta de informações detalhadas sobre os impactos socioambientais configura falha administrativa, justificando a suspensão das licitações e a anulação dos contratos firmados.
Para a gerente do departamento jurídico da ARAYARA, as licitações violam o princípio da precaução, um pilar do direito ambiental que determina que, diante da incerteza científica, nenhum empreendimento deve avançar sem a devida avaliação de suas consequências.
“Embora o benefício inicial do Fracking possa parecer positivo, os impactos futuros podem ser devastadores. Portanto, quando há risco de danos ambientais irreversíveis, a legislação prevê que a atividade deve ser impedida, cabendo ao poder público essa responsabilidade”, destacou Fernanda Coelho.
Coelho comparou o caso com os leilões de blocos de petróleo, “é inadmissível autorizar a exploração por fracking para, só depois, constatar os prejuízos ambientais irreparáveis que a atividade pode causar”.
Estudos científicos internacionais onde o fracking é amplamente utilizado, apontam que o técnica pode causar alto consumo de água potável, descarte inadequado de resíduos químicos, contaminação de aquíferos e aumento de tremores sísmicos. Além disso, a própria ANP admitiu desconhecer os efeitos do fracking no solo brasileiro.
“Em regiões de exploração, observou-se um aumento nos casos de leucemia infantil, nascimentos prematuros, bebês com baixo peso e más formações congênitas. A contaminação não se restringe à água, mas também afeta o ar, comprometendo a saúde de comunidades e animais, além de desvalorizar propriedades rurais”, afirmou a diretora executiva da ARAYARA, Nicole Figueiredo de Oliveira.
Gás de Vaca Muerta: riscos e o impacto para o Brasil
Além da produção de gás por fracking no Brasil, também está em andamento um projeto para a importação de gás extraído dessa técnica na Argentina, especificamente do campo de Vaca Muerta. “Tanto lá quanto aqui, a exploração do fracking é amplamente promovida como uma solução para a segurança energética e um motor do desenvolvimento econômico. No entanto, essa abordagem contraria os compromissos climáticos globais e acarreta uma série de impactos ambientais, sociais e econômicos que questionam sua viabilidade a longo prazo”, alerta o Gerente de Energia, Clima e Geociências da ARAYARA, Anton Altino Schwyter.
O campo de Vaca Muerta, na Argentina, tem sido alvo de investimentos para exportação de gás de fracking para países vizinhos, incluindo o Brasil. No entanto, essa aposta levanta preocupações ambientais e econômicas. Segundo Schwyter, o gás extraído na região contém metano, um gás com potencial de aquecimento global 80 vezes maior que o CO₂ nos primeiros 20 anos após sua liberação na atmosfera. Além disso, comunidades da Patagônia já enfrentam escassez hídrica e poluição, enquanto o fracking tem sido associado ao aumento da atividade sísmica, fenômeno observado em outras partes do mundo que adotaram essa técnica.
Para o gerente de Energia, Clima e Geociências da ARAYARA o projeto Vaca Muerta é um verdadeiro “elefante branco”, que pode se tornar um investimento insustentável a longo prazo. Ele revela que, no aspecto econômico, o governo argentino subsidia fortemente o desenvolvimento de Vaca Muerta, mas os custos de produção permanecem elevados.
“A viabilidade do projeto depende da construção de gasodutos e infraestrutura para exportação, incluindo o recente acordo com o BNDES para financiar essa operação. Entretanto, essa estratégia pode se tornar uma armadilha, atrasando a transição energética de Argentina e Brasil e colocando ambos os países na contramão das tendências globais”, destaca.
Brasil e o Gás para Empregar
Outra iniciativa controversa revelada por Schwyter é o programa Gás para Empregar, apresentado como solução para a reindustrialização do Brasil e a redução dos custos energéticos. Na prática, o gás no país segue caro, com infraestrutura limitada e altos custos de transporte e importação, impactando diretamente os preços finais. Por outro lado, o Brasil possui um dos maiores potenciais mundiais para geração de energia renovável, com fontes solar e eólica em plena expansão.
Segundo ele, ao insistir em um combustível fóssil que pode se tornar obsoleto em poucas décadas, o governo desperdiça recursos que poderiam ser direcionados para tecnologias do futuro, como hidrogênio verde, baterias e modernização da rede elétrica.
“O programa Gás para Empregar pode parecer uma solução imediata, mas, na realidade, prende o Brasil a um modelo energético ultrapassado, oneroso e poluente. Enquanto outras economias aceleram sua transição para energias renováveis, o Brasil corre o risco de consolidar uma dependência do gás natural que pode comprometer sua competitividade e sustentabilidade a longo prazo”, argumenta.
Contra-Cúpula do Gás e Mobilização Global
Embora o Brasil tenha a décima maior reserva de gás do mundo, o movimento de oposição ao fracking tem avançado significativamente. Em dezembro de 2024, a ARAYARA participou ativamente do protesto global Pare o Lobby do Gás – FRACK OFF!, a Contra-Cúpula do Gás, reforçando sua oposição à expansão da indústria do gás fóssil e defendendo a transição para energias renováveis.
O evento ocorre simultaneamente ao World LNG Summit, um dos principais encontros internacionais do setor, e tem como objetivo não apenas barrar o avanço do GNL, mas também alertar a comunidade global sobre os impactos socioambientais e econômicos desse modelo energético insustentável.
Na ocasião, a ARAYARA também esteve presente em evento para ministrar o workshop “COP30 host at crossroads: LNG/gas push in Brasil”, onde foi lançado o estudo técnico atualizado sobre a expansão do GNL no Brasil, com ênfase na vulnerável região amazônica.
Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS)
Desde 2016, a ARAYARA, por meio da Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS), lidera a campanha Não Fracking Brasil, que já resultou na sanção da primeira lei anti-fracking do país, no Paraná, em 2019, e na proibição da técnica em Santa Catarina no mesmo ano.
Mais recentemente, em dezembro de 2024, a Justiça Federal suspendeu a exploração de gás de xisto no Recôncavo Baiano, marcando um avanço na luta contra o fracking. Atualmente, a técnica já foi proibida por lei em 391 municípios e dois estados brasileiros devido aos seus graves impactos ambientais.