+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Energia cara e poluente: o leilão extinto que pode voltar como vetor de emissões

O encerramento do processo do Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência de 2025 (LRCAP), anunciado nesta terça-feira (20) pela diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), vai além de uma simples decisão técnica. Em um momento crítico para a agenda climática global, a medida expõe uma ameaça estrutural à transição energética brasileira e levanta questionamentos sobre a coerência do país diante de seus compromissos ambientais.

O estopim para a suspensão envolve mudanças nos parâmetros do leilão, como o polêmico “Fator A”, que afeta os preços ofertados pelos empreendimentos. A Eneva conseguiu liminar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendendo a aplicação do fator, enquanto a Abrace — entidade que representa grandes consumidores de energia — pediu o adiamento do processo, alegando riscos financeiros e contradições com a transição energética.

Com a decisão da ANEEL, o governo terá agora de reavaliar as regras do leilão e, segundo especialistas, abrir espaço para um debate mais transparente, técnico e alinhado aos desafios climáticos e econômicos do país.

Embora formalmente extinto após a revogação da Portaria Normativa GM/MME nº 96/2024 — substituída pela Portaria nº 106/2025 —, o leilão pode ser reativado a qualquer momento. Antes mesmo da extinção oficial, o próprio Ministério de Minas e Energia já havia sinalizado a intenção de lançar uma nova consulta pública ainda em 2025 — justamente no ano em que o Brasil sediará a COP 30, em Belém (PA), o que intensifica o debate internacional sobre as decisões energéticas do país.

Leilão das emissões

Apelidado de “Leilão das Emissões” pelo Instituto Internacional ARAYARA, o certame visava contratar potência elétrica de usinas hidrelétricas, termelétricas a gás natural e biocombustíveis. Segundo o Boletim Energético recém – lançado pela instituição, 67% dos 74 GW (327 projetos cadastrados) seriam provenientes de térmicas a gás fóssil (228 empreendimentos) — o que transformaria o leilão em um potente vetor de emissões de gases de efeito estufa. “Um leilão com sérios problemas foi extinto. Agora, esperamos que a ANEEL abra um diálogo verdadeiro com a sociedade civil para que os próximos certames não repitam os mesmos erros”, afirma Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora-executiva da ARAYARA.

Ela ressalta que, se reativado nos moldes anteriores, o leilão significará uma guinada perigosa rumo à intensificação da dependência brasileira de fontes fósseis.

Dados revelados e riscos climáticos

Dados do Boletim Energético revelam que a contratação dos 61 GW previstos em termelétricas a gás poderia gerar até 1,11 gigatoneladas de CO₂ equivalente (GtCO₂e) entre 2025 e 2050 — o que representaria cerca de 5,3% das metas anuais brasileiras no período de 2030 a 2050. Mesmo um cenário mais conservador, com 7 GW contratados, resultaria em 0,126 GtCO₂e — volume comparável às emissões anuais de estados como Santa Catarina.

Apesar de contar com uma matriz elétrica potencialmente renovável, o Brasil já possui 19 GW em térmicas a gás. Em 2023, segundo o Balanço Energético Nacional, as emissões da geração elétrica chegaram a 38,9 MtCO₂e — quase 30% oriundas do gás natural.

“Estamos indo na contramão da transição energética. Em vez de priorizar fontes limpas e descentralizadas, o país parece pavimentar uma nova era de dependência do gás fóssil”, alerta John Wurdig, gerente de Transição Energética da ARAYARA.

Necessidade de reforma estrutural

De acordo com Wurdig, além dos impactos ambientais, o leilão proposto traria consequências econômicas significativas. O modelo de contratação por disponibilidade onera os consumidores, que pagam pela geração mesmo quando não há demanda, afetando especialmente os usuários do mercado regulado e agravando o desequilíbrio com o mercado livre.

Às vésperas da COP 30: Brasil diante de um dilema

A possível retomada do leilão em ano de COP 30 coloca o Brasil diante de uma encruzilhada: reafirmar seu protagonismo climático ou ceder à pressão de setores interessados na expansão do gás fóssil.

“A Amazônia está próxima do ponto de inflexão, e sediar a COP 30 exige coerência entre o discurso e a prática. Apostar em gás fóssil como solução energética contradiz tudo o que o Brasil promete ao mundo”, adverte Nicole Figueiredo de Oliveira.

O Instituto Internacional ARAYARA reforça a urgência de um debate público transparente e participativo sobre os rumos da política energética nacional. O Boletim Energético, recém-lançado, será o primeiro de uma série de publicações bimestrais que acompanharão as decisões do setor, com foco em justiça climática, transição energética e responsabilidade socioambiental.

Imagem: reprodução/ Creative Commons

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

1 Comentário

  1. Isabela Damilano Vieira

    Urgência Climática exige muito mais que coerência, tem que haver consciência que usurpamos muito além que as nossas necessidades e que a Natureza não repõe suas reservas tão rapidamente , ou até mesmo nunca .

    Responder

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Novo estudo do Inesc aponta queda nos subsídios aos fósseis, mas Brasil ainda privilegia combustíveis poluentes

Na tarde desta quinta-feira (23), diretores do Instituto Internacional ARAYARA participaram do lançamento da oitava edição do Monitoramento dos Subsídios às Fontes de Energia no Brasil (2023-2024), realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O estudo revela que, pela primeira vez em oito anos, os subsídios aos combustíveis fósseis caíram 42% em 2024. Apesar da redução, o Brasil ainda mantém

Leia Mais »

Ato em Belém denuncia ameaça da exploração de petróleo na Foz do Amazonas

Na noite desta terça-feira (21), movimentos sociais, organizações ambientais, pescadores e lideranças comunitárias se reuniram em Belém (PA) para protestar contra a autorização de perfuração do bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas. O ato — que teve concentração na Escadinha do Cais do Porto e seguiu até a Estação das Docas — reuniu dezenas de pessoas em defesa da vida,

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Ambientalistas entram com ação para interromper perfuração da Petrobras na Margem Equatorial

Oito organizações e redes dos movimentos ambientalistas, indígena, quilombola e de pescadores artesanais entraram na quarta-feira, 22, com uma ação na Justiça Federal do Pará contra o Ibama, a Petrobras e a União, pedindo anulação do licenciamento do bloco FZA-M-59, que permitiu à Petrobras iniciar a perfuração de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial brasileira.

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: NGOs sue to suspend Petrobras drilling in the Foz do Amazonas basin and challenge Ibama’s license, focusing on environmental impact and traditional peoples.

NGOs file a lawsuit in the Federal Court of Pará to block Petrobras’ drilling in the Foz do Amazonas basin, alleging environmental risks and questioning the license granted by Ibama. This Wednesday (22), a group of NGOs filed a public civil action in the Federal Court of Pará to suspend drilling of oil by Petrobras in the Foz do Amazonas basin. According to information

Leia Mais »