Regra inédita pode movimentar R$ 3,3 milhões na economia rural e promover modelo alimentar sustentável
Pela primeira vez na história, a Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP) terá uma regra específica para a alimentação dos participantes. A COP30, que acontecerá em Belém, no Pará, em novembro de 2025, exigirá que pelo menos 30% dos ingredientes utilizados na elaboração dos cardápios venham da agricultura familiar, da agroecologia e de comunidades tradicionais, priorizando práticas de base sustentável, além de empreendimentos coletivos e organizações lideradas por mulheres e pela juventude do campo. A medida, consolidada em edital publicado em agosto pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), tem o potencial de injetar R$ 3,3 milhões na economia rural da região amazônica.
A iniciativa vai muito além de um simples requisito. Ela representa um importante passo para conectar sistemas alimentares à agenda climática, demonstrando como as escolhas de cardápio podem gerar impacto econômico positivo e fortalecer práticas agrícolas sustentáveis na Amazônia. Além disso, a medida também tem como objetivo influenciar políticas públicas de alimentação e clima no Brasil e no mundo
Polêmica
A Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) publicou o edital para selecionar ,até 25 de agosto, operadores de 87 quiosques e restaurantes da COP 30, em Belém — 50 na Blue Zone e 37 na Green Zone. Entretanto, documento listava alimentos proibidos por risco de contaminação, incluindo pratos tradicionais como tucupi, maniçoba e açaí, além de sucos in natura, maionese e molhos caseiros, leite cru, doces sem refrigeração e produtos artesanais sem registro sanitário.
Para a gerente de Relações Institucionais do Instituto Internacional ARAYARA, Sara Ribeiro, “a pergunta que fica é: porque tentaram barrar os alimentos tradicionais locais? Não há justificativa plausível para isso, tanto que a decisão foi revertida. Agora, vamos acompanhar se o edital realmente incluirá esses produtos ou se continuará privilegiando alimentos industrializados, que, de fato, estão repletos de componentes preocupantes”.
O elo entre alimentação sustentável, meio ambiente e a COP30povos
O setor de alimentos é um dos maiores contribuidores para as emissões de gases de efeito estufa. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o sistema alimentar global é responsável por cerca de um terço de todas as emissões de GEE. No Brasil, esse percentual é ainda maior, chegando a 74%, principalmente devido à agropecuária e ao desmatamento, conforme dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.
A agricultura familiar, com suas práticas agroecológicas, oferece uma alternativa viável para reduzir esse impacto. Ao priorizar o uso de alimentos produzidos sem agrotóxicos e que valorizam a biodiversidade, a COP30 se posiciona como um exemplo de como a cadeia alimentar pode ser uma poderosa aliada no combate às mudanças climáticas. Ao apoiar esses produtores, a conferência não apenas garante uma alimentação mais saudável e nutritiva para seus participantes, mas também fortalece um modelo de produção que preserva o solo, a água e a biodiversidade.
A decisão de incluir a agricultura familiar no edital está alinhada com as demandas do projeto “Na Mesa da COP30”, uma coalizão de organizações da sociedade civil liderada pelos institutos Regenera e Comida do Amanhã. O grupo defende que a alimentação da conferência deve refletir os valores de sustentabilidade e resiliência que são o cerne da discussão climática global.
Impacto financeiro e legado
O valor estimado de R$ 3,3 milhões a ser injetado na economia local é comparável a 80% do orçamento anual do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) destinado à cidade de Belém. Para as cooperativas, associações e pequenos produtores, essa injeção de recursos significa mais do que apenas um número. Representa o fortalecimento de suas atividades, dignidade e reconhecimento.
A logística para viabilizar essa compra já começou. A coalizão “Na Mesa da COP30” fez um mapeamento detalhado de cerca de 80 grupos produtores, entre associações, cooperativas e redes produtivas, que podem fornecer os alimentos. Estima-se que mais de 8 mil famílias da agricultura familiar se beneficiem diretamente da iniciativa.
A expectativa é que a experiência da COP30 deixe um legado duradouro. A meta é inspirar outras políticas públicas e práticas alimentares no Brasil e no mundo, demonstrando que é possível ter uma alimentação alinhada com os objetivos da agenda climática. A iniciativa pode ainda inspirar futuras conferências a adotarem modelos semelhantes, reforçando a mensagem de que a mudança global começa com escolhas locais e sustentáveis.
Texto: Avenida Comunicação
Foto: reprodução/ Creative Commons