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COP25: carta dos povos indígenas cobra proteção e justiça

Imagine todos os povos do mundo, de todos os continentes, reunidos através de representantes para buscar um objetivo comum. Imagine que todos saibam dialogar, conciliar interesses, ouvir, respeitar, ceder, avançar. Imagine que essa reunião de diferentes povos resulte uma carta de intenções, de pedidos, de exigências e de compromisso com o futuro e com o planeta. Parece impossível. Mas, para os povos indígenas, isso é realidade. E a COP25 foi o palco desse acontecimento inédito e inspirador.

A carta foi construída em processo plural e coletivo por mais de um ano, quando mais de 400 aldeias foram visitadas e ouvidas em ação liderada pelo Instituto Arayara em parceria com 350.org Indígena e COESUS. Do processo de escuta, resultou o primeiro rascunho da Carta Climática dos Povos Indígenas. O documento foi discutido e aprofundado por aproximadamente 150 indígenas de forma presencial em Madri, durante a Cúpula Indígena da COP-25 (MINGA), evento paralelo à Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP-25) oficial, que começou no último dia 2 e termina no dia 13.

O documento histórico foi entregue em 10/12, em Madri, a Andres Landerretche, coordenador da Presidência da COP25, e a Gonzalo Muñoz, ‘champion` da COP25. O momento foi simbólico e emocionante, pois levou ao mundo um pouco dos rituais e da diversidade dos povos originários aos corredores da COP. A carta será entregue, ainda, a diversas autoridades de diversos países. O seu recado é forte, contundente e generoso: pede justiça e proteção aos povos originários, que fazem a defesa incansável do planeta em que brancos e não-brancos vivem, em que humanos e não-humanos vivem. A carta não é voltada apenas aos povos indígenas, mas a todos aqueles que vivem na Terra e dependem da Mãe Natureza para sobreviver.

“Foi um momento histórico tanto para o processo das negociações climáticas globais quanto ao processo indígena na COP. Foi a primeira vez que um grupo indígena de diferentes partes do mundo se reuniu de forma autônoma e independente. Uma das demandas da carta pede que este espaço seja reconhecido pela ONU como interlocutor desses povos. Para mim, o mais relevante é que houve um processo de reversão do centro de poder, que é influenciado por poluidores, pela indústria fóssil, por desmatadores e governos ditatoriais para um processo de empoderamento dos povos indígenas, com elevação dessas vozes. Esperamos que este processo seja fortalecido nos próximos anos”, afirma Nicole, diretora da 350.org América Latina.

Confira a íntegra da carta:

Nós, Autoridades Tradicionais de diferentes povos indígenas de todas as partes do mundo que compõem a Minga Indígena COP25, somos os protetores, protetoras, guardiões e guardiãs da vida, vivemos e convivemos nos territórios mais biodiversos do planeta, a água em todas as suas formas naturais, rios, ar, florestas, selvas, desertos, áreas úmidas, manguezais, montanhas, mares e oceanos.

Estes elementos da natureza estão diretamente ligados à nossa espiritualidade, bem como à nossa sobrevivência, aos nossos alimentos tradicionais e aos nossos medicamentos sagrados. Estamos aqui para fazer eco da nossa voz em todas as partes do mundo. Que saibam que existem povos indígenas trabalhando para bem viver e que estamos defendendo a vida, a natureza e a humanidade, indígenas ou não.

A terra e o território são essenciais para assegurar a continuidade dos seres humanos e das suas sociedades. É o sustento e o equilíbrio climático sem os quais os seres vivos, independentemente da sua origem, cor e cultura, deixariam de existir. Os seres humanos e não humanos dependem do equilíbrio entre o material e o espiritual. Desde os mais simples e humildes até aos que estão sob controlo político, todos, sem exceção, dependem deste sistema que agora está desequilibrado.

O sistema patriarcal, capitalista e colonialista nos trouxe para esta crise climática. Vemos muitos representantes de Estados considerando apenas o lucro mercantil e financeiro, sem levar em conta a importância da vida. Por esta razão, entendemos que eles são cúmplices de toda esta destruição. Se o petróleo, o gás, os minerais e o carvão estão nas profundezas da terra, é porque a Mãe Natureza os deixou lá enterrados, trazê-los para o nosso ambiente é contradizer a sua sabedoria.

A participação plena e efetiva para o consentimento livre, prévio e informado não deve ser entendida apenas como uma obrigação dos Estados, mas como um direito a ser implementado pelos próprios povos e nações indígenas, de acordo com seus costumes e tradições, respeitando sua organização política, social e territorial, de acordo com a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Os protocolos de consulta comunitária devem ser vinculantes e respeitados pelos Estados para qualquer ação relacionada com os nossos territórios, o nosso modo de vida e os nossos povos.

Por isso, recomendamos:

  1. Por fim à criminalização, perseguição, prisão, desaparecimento e assassinato de nossos líderes e autoridades tradicionais por proteger e defender nosso território.
  2. Aos Estados e Organismos Internacionais de Direitos Humanos e/ou Ambientais, para que investiguem juntos e de forma transparente e responsável os assassinatos e responsabilizem os autores intelectuais e materiais desses assassinatos. Além disso, que os Estados garantam a segurança e a proteção das lideranças indígenas que se encontrem em situação de ameaça.
  3. Rejeitar a mercantilização da natureza uma vez que as terras e os territórios são inestimáveis. Soluções Baseadas na Natureza (NBS), Emissões Reduzidas do Desmatamento (REDD+) e outros programas de compensação não são soluções reais para crises climáticas. São apenas soluções neocolonialistas que trazem conflitos dentro dos nossos povos.
  4. Que a Mãe Terra seja reconhecida e declarada como um sujeito de direitos, porque para nós os efeitos da crise climática nada mais é do que o grito de socorro da Terra.
  5. Projetar e adotar medidas reais para proteger nossa Mãe Terra, deixando os combustíveis fósseis no chão, preservando nossas águas, não queimando nossas florestas, e não explorando nossos territórios através da mineração e atividades extrativistas. Todos os esforços para a geração de energias renováveis não convencionais devem ser orientados para a geração para consumo básico e na escala das comunidades e não priorizando o extrativismo colonialista das transnacionais.
  6. Que a participação efetiva seja um direito, reconhecendo as lideranças, autoridades guardiãs dos territórios indígenas que hoje representam os espaços mais biodiversos e reservas de água do mundo.
  7. Proteger os territórios dos povos não-contatados em isolamento voluntário e dos não reconhecidos, respeitando assim a liberdade de trânsito em seus territórios ancestrais.
  8. Oficializar a Minga Indígena nos espaços estabelecidos da COP como interlocutor válido dos povos indígenas. Observa-se uma folclorização e uma invisibilidade de nós mesmos e dos nossos conhecimentos nos espaços de diálogo existentes, sendo estes insuficientes para enfrentar os desafios que enfrentamos a nível planetários. É por isso que pedimos que a UNFCCC reconheça e apoie a Minga como um órgão de seguimento da voz indígena no mundo. Como espaço de participação complementar, livre e efetiva.
  9. Que os países da América Latina ratifiquem o Acordo de Escazú.

Finalmente, fazemos um apelo à consciência e à solidariedade, que é o momento de unir todos os esforços do mundo e pôr de lado todas as nossas diferenças, étnicas, religiosas, políticas, sociais, amorosas à vida que todos somos, nossas futuras gerações não podem herdar um planeta doente, devemos curá-la. Depende de nós.

APOIE A CARTA INDÍGENA, ASSINE NOSSA PETIÇÃO: https://act.350.org/act/carta-indigena-cop-25/

Assista ao documentário que mostra um pouco do processo de construção da carta. VOZES INDÍGENAS: NÓS SOMOS O DOCUMENTO DA TERRA

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