+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Contradições na política energética expõem dilemas do Brasil às vésperas da COP30

A recente aprovação, pelo Ministério de Minas e Energia (MME), da minuta de contrato de energia de reserva para o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, expôs de forma contundente o desalinhamento entre a política energética brasileira e os compromissos climáticos assumidos pelo país no Acordo de Paris — justamente às vésperas da COP30, que o Brasil sediará em 2025.

No início do mês, o Instituto Internacional ARAYARA e a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) emitiram uma Nota de Repúdio ao contrato entre o MME e o Complexo Termelétrico JORGE LACERDA.

Segundo o gerente de Transição Energética da ARAYARA, John Wurdig, o contrato, que vigorará entre 2026 e 2040, garante a contratação de 382,48 MW médios a um custo adicional de R$1,8 bilhão por ano, dos quais cerca de R$1,2 bilhão são destinados à compra de carvão mineral para operação inflexível da usina. “Esses valores serão repassados integralmente aos consumidores cativos, anulando na prática benefícios como a tarifa social de energia elétrica e pressionando a inflação, o poder de compra das famílias e as taxas de emprego”, alerta.

A medida se apoia na Lei nº 14.299/2022, cujo objetivo é mitigar os impactos socioeconômicos na região carbonífera catarinense. Na prática, porém, especialistas apontam que a legislação consolida um modelo energético obsoleto e incompatível com as metas de descarbonização do país. Além disso, “já é alvo de ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal por violar o artigo 225 da Constituição, que garante o direito a um meio ambiente equilibrado”, afirma Wurdig.

Impactos socioambientais

Atualmente, o Complexo Jorge Lacerda é o maior emissor de dióxido de carbono da Região Sul e o principal responsável pelas emissões em Santa Catarina. O passivo ambiental da atividade também é motivo de preocupação: aproximadamente 1.625 km² da região estão contaminados por resíduos da mineração, dos quais 490 km² sofrem diretamente com a drenagem ácida, que degrada os solos e compromete os recursos hídricos.

Para a pesquisadora em Energia e colaboradora da ARAYARA, Hirdan Costa, a manutenção da indústria carbonífera, sob o argumento de proteger empregos e renda local, perpetua um modelo ambientalmente insustentável, socialmente regressivo e economicamente ineficiente — além de distorcer o mercado energético. “Subsídios por meio de Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) seguem favorecendo o carvão, em detrimento de fontes mais limpas e competitivas, como solar, eólica e biomassa”, lamenta.

Segundo Costa, dados do setor reforçam que o carvão tem peso marginal na matriz elétrica: representa menos de 3% da capacidade instalada nacional, sendo a usina Jorge Lacerda responsável por menos de 1%. De acordo com Costa, estudos revelam que sua substituição por renováveis seria viável no curto e médio prazo, sem comprometer a segurança do sistema.

Incoerência de políticas

O diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno, destaca que a chamada “transição energética justa” prevista na lei é duramente criticada por prorrogar por 15 anos a atividade carbonífera, retardando investimentos em alternativas sustentáveis e planos concretos de reconversão econômica e requalificação dos trabalhadores. “Manter a poluição não é transição justa”, pontua.

“Essa contradição coloca em xeque a credibilidade do Brasil como liderança climática no cenário internacional, justamente quando o país se propõe a liderar as discussões globais sobre clima e energia na COP30″, ressalta Bueno. O diretor da ARAYARA declara ainda que a insistência em manter o carvão na matriz ameaça a coerência das políticas públicas e desafia a imagem do Brasil como protagonista da agenda climática global.

Bueno também destaca que o Instituto Internacional ARAYARA ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7095 contra a Lei nº 14.299, de 5 de janeiro de 2022, que instituiu o Programa de Transição Energética Justa (TEJ) e serviu de base para a minuta de contrato entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina.

“O objetivo seria tratar da transição energética; no entanto, tanto a lei quanto o contrato deixam de abordar pontos essenciais, como o phase out (descomissionamento) do carvão na região carbonífera de Santa Catarina, a aposentadoria compulsória ou a requalificação dos trabalhadores da cadeia produtiva, a recuperação dos passivos ambientais e a redução dos gases de efeito estufa das usinas termelétricas a carvão mineral de Jorge Lacerda. Ou seja, em Santa Catarina está se promovendo uma transição energética subsidiada com recursos públicos, mas que, na prática, perpetua a dependência do carvão mineral”.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

ARAYARA na Mídia: Nova geração de ativistas do clima quer dar voz a quem não tem

A dificuldade de encontrar consenso em negociações, observada durante a COP30 e edições anteriores da conferência, coloca o peso da busca por soluções para frear o aquecimento global nas costas das jovens gerações de ativistas ambientais. Serão eles, que já nasceram com o DNA da conservação latente, que mais sentirão na pele os efeitos do agravamento das mudanças do clima.

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: La COP 30 fue una nueva victoria de la industria fósil, mientras la humanidad avanza hacia la barbarie climática

La COP 30 fue una victoria más para la industria fósil, lo cual no sorprende a quienes siguen estas conferencias. Pero, esta vez, fue aún más frustrante porque, al inicio de la conferencia, hubo menciones a un supuesto “mapa del camino” para reducir gradualmente la quema de combustibles fósiles en los próximos años. Sin embargo, ese “mapa del camino” resultó

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Lobby predomina e compromete negociações sobre fim dos combustíveis fósseis

Com 1.602 representantes credenciados, indústria teve papel crucial para a exclusão do “roadmap” fóssil do texto final da COP30 Uma questão antiga, mas cada vez mais presente nas conferências do clima, marcou a COP30 em Belém: a atuação intensa dos lobistas dos combustíveis fósseis. Enquanto representantes da sociedade civil e diversos países pressionavam para que a “transição para longe dos

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Cresce litigância judicial contra projetos de petróleo na Amazônia

O Brasil tem registrado uma intensificação na litigância climática, com mais de 340 ações até novembro de 2025, segundo dados do Sabin Center for Climate Change Law, da Columbia University. Essa tendência evidencia a crescente mobilização de ONGs, movimentos sociais e sociedade civil contra projetos prejudiciais ao meio ambiente, como a licença ambiental para pesquisas de petróleo na Bacia da

Leia Mais »