No dia 29 de outubro, a geógrafa e doutora Raquel Henrique, especialista em Planejamento Urbano e Regional, foi à Tribuna Livre da Câmara Municipal de Caçapava para atualizar a comunidade e os vereadores sobre o avanço da oposição à Usina Termelétrica São Paulo.
Proposta pela empresa Natural Energia, a usina Termelétrica São Paulo de 1,74 GW, enfrentou forte resistência local devido a potenciais riscos ambientais e à previsão de emissão significativa de poluentes na região.
Entenda o caso
Em julho deste ano, duas audiências públicas sobre a instalação da UTE São Paulo foram suspensas após protestos organizados pela Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, com o apoio do Instituto Internacional Arayara e da sociedade civil. Falhas no processo foram apontadas, incluindo mudanças de última hora no local das audiências, o que dificultou o acesso e a participação da comunidade.
Apesar das contestações do Ministério Público Federal (MPF), de especialistas e da sociedade civil, a 3ª Vara Federal de São José dos Campos decidiu manter as audiências para discutir o projeto da termelétrica. O MPF avaliou que essa decisão contradiz uma determinação judicial anterior. Embora o parecer técnico do IBAMA tenha sido desfavorável ao projeto, indicando riscos socioambientais no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (EIA-RIMA), a Natural Energia, empresa responsável pelo empreendimento, conseguiu a autorização do órgão ambiental para continuar com as audiências, gerando ainda mais polêmica e resistência na região.
Falhas graves no projeto e potenciais impactos
Entre os novos projetos de geração termelétrica no Brasil, o empreendimento em Caçapava se destaca pela sua escala: se entrar em operação total, a usina poderá emitir até 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, aumentando as emissões da matriz elétrica brasileira em um momento em que elas deveriam cair para ajudar a conter as mudanças climáticas. O montante é 2.000 vezes maior do que todas as emissões da cidade de Caçapava entre 2000 e 2022.
Os dados citados fazem parte do relatório “Regressão energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”, lançado pela Coalizão Energia Limpa, este ano.
Moções de repúdio em 11 municípios
Durante a sessão na Câmara, a Dra. Raquel Henrique, ativista, educadora ambiental e membro da ONG Ecovital e da Frente Ambientalista do Vale do Paraíba, destacou erros e falhas graves no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) conduzido pela empresa Natural Energia, responsável pelo projeto da termelétrica.
Dentre os problemas apontados, Raquel destacou inconsistências na modelagem da dispersão de poluentes e omissões em relação ao fenômeno de inversão térmica durante o inverno. Esse fenômeno, comum em regiões montanhosas como o Vale do Paraíba, tende a concentrar poluentes na atmosfera, piorando a qualidade do ar e comprometendo a saúde dos moradores. Raquel também criticou a falta de diálogo direto com as comunidades que seriam diretamente impactadas pelo empreendimento.
A oposição ao projeto não se limita a Caçapava. Diversos municípios da região, como Taubaté, São José dos Campos e Campos do Jordão, emitiram moções de repúdio ao projeto em suas Câmaras Municipais. Em Caçapava, a vereadora Dandara Gissoni (PSB-SP) liderou a apresentação de uma moção de repúdio, que recebeu o apoio da maioria dos vereadores, com exceção de Wellington Felipe, cuja decisão gerou forte reação entre a comunidade e nas redes sociais.
Paula Guimarães, consultora jurídica da ARAYARA, alertou para os impactos ambientais e à saúde pública caso o projeto avance. “A geografia da região favorece a retenção de poluentes, colocando em risco o ecossistema e a saúde de mais de 2 milhões de pessoas. Até agora, mais de 11 municípios, incluindo Caçapava, Taubaté, São José e Campos do Jordão, aprovaram moções de repúdio ao projeto. Além dos impactos na Serra da Mantiqueira e na qualidade do ar, o Rio Paraíba do Sul, que abastece as regiões do Rio de Janeiro e de São Paulo, também pode ser prejudicado”, afirmou.
Um ponto central das críticas é a localização escolhida para a termelétrica. Diferente das grandes usinas de metano do Brasil, normalmente situadas em áreas costeiras ou planas com ventos fortes, Caçapava está em uma região montanhosa, cercada por encostas e com baixa circulação de ventos. Essa configuração dificulta a dispersão de poluentes, expondo potencialmente mais de 2 milhões de pessoas a níveis elevados de poluição atmosférica e agravando os riscos para a saúde pública e o meio ambiente no Vale do Paraíba.
Créditos da foto: Marcelo Caltabiano