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Carvão: a Europa desiste e o Brasil insiste

Taxação de importações com alto teor de carbono integra estratégia da UE na briga com China e EUA pela hegemonia na transição energética

A decisão da União Europeia (EU) de taxar a importação de produtos intensivos em carbono acaba servindo para mostrar, mais uma vez, que o aumento da participação na matriz energética brasileira de combustíveis fósseis como o carvão e o gás natural é contraprodutivo até para as forças econômicas que sustentam o governo do Presidente Jair Bolsonaro.

As sucessivas políticas energéticas de Bolsonaro colocam sobre o Brasil o risco de ser excluído dos mais importantes fluxos de comércio mundial e de manter o País apartado da nova geopolítica que vai advir da transição energética que já vem sendo liderada pela China, a Europa e os EUA.

No dia 14 de julho, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da EU, anunciou uma série de medidas para submeter aos padrões ambientais da Europa todas as importações da UE –incluindo o grande negócio agrícola brasileiro, setor duro do apoio a Bolsonaro .

Quem não cumprir com as regras, que com variadas formas serão mais cedo ou mais tarde também adotadas pelos EUA e a China, não mais conseguirá vender aos centros dinâmicos do capitalismo global. Segundo o jornal Valor Econômico, a taxa do carbono vai entrar em operação em 2023, de forma escalonada, até 2030.

A UE espera arrecadar € 10 bilhões por ano com a taxação – o que de fato é uma quantia importante – , mas, no fim das contas, o grande valor é estratégico e não “meramente” financeiro

Visão mesquinha de País: a privatização da Eletrobrás

Como se sabe, no Brasil da era Bolsonaro predominam em todos os campos visões mesquinhas de País – e assim também é demonstrado nas estratégias e ações pelo aumento da proporção de carbono no PIB nacional.

Por exemplo, na extensão do indefensável subsídio à indústria carbonífera em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estados em que a degradação ambiental e social provocada pela extração e industrialização do carvão mineral atingiu os níveis mais elevados no Brasil. Além disso, há, também, a distribuição – tremendamente oligopolizada – dos sistemas de distribuição de gás natural por quase todo o território nacional.

Ações desse tipo foram incluídas pelos relatores na Câmara e no Senado, ambos parlamentares do DEM, na Medida Provisória (MP) da indefensável privatização da Eletrobrás. Tudo com o apoio da bancada governista.

Apesar ser historicamente responsável por uma sucessão de megaprojetos de extremo impacto ambiental e social, a Eletrobrás também foi central na construção de infraestrutura que garante segurança elétrica à Nação, a começar pelo Sistema Integrado Nacional (SIN).  Toda essa infraestrutura é baseada na hidroeletricidade, que emite uma quantidade muito menor de gases causadores do aquecimento do planeta, em comparação com sistemas baseados em combustíveis fósseis.

O SIN permite que o Operador Nacional do Sistema (ONS) otimize uma qualidade de que pouquíssimos países dispõem: dois regimes hidrológicos complementares. Quando falta água nas barragens das hidrelétricas no sul do País, aumenta-se o despacho das usinas localizada na região norte – e vice-versa.

Mas, esquartejada, como prevê a MP elaborada por Bolsonaro e próceres do Centrão, a Eletrobrás perderá o protagonismo nesse engenhoso sistema, que passará a correr seriíssimo risco operacional. E, aí, a saída prevista pelos parlamentares induz a mais e mais utilização de carvão e gás natural para gerar eletricidade.

Os parlamentares ainda permitiram dispositivos ilegais – que mídia apelidou de “jabutis” -, segundo os quais o governo federal poderá subsidiar, durante anos, a suja cadeia do carvão e o Congresso determinará a viabilização de novas usinas termelétricas – esta última uma prerrogativa não do Legislativo, mas do Executivo. Uma opção que ainda vai aumentar a conta de energia a ser paga pelo consumidor final – ou seja, nós.

Licitações de petróleo e desmatamento

Há, ainda, a 17ª Rodada de Licitação de áreas marinhas que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) planeja realizar em 7 de outubro. Cheia de irregularidades, como a ausência de Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS), a 17ª Rodada foi parcialmente suspensa pela Justiça federal em Santa Catarina, a pedido do Instituto Internacional Arayara e do Observatório do Petróleo e do Gás.

Em decisão preliminar, foi retirada do leilão da ANP a oferta de blocos localizados na Bacia Marítima de Pelotas até que haja a legislação ambiental seja cumprida e a AAAS sejam elaboradas.

O crescente desflorestamento por derrubada ilegal e as queimadas idem em larguíssima escala também contribuem para carbonizar a economia bolsonarista e afastar o Brasil do mercado europeu, formado por 446 milhões de consumidores de alto poder aquisitivo, distribuídos por 27 países.   

Para além do impacto comercial negativo e imediato, a carbonização da economia brasileira, se não for revertida, produzirá efeitos, inclusive, no campo geopolítico.

Como observou a professora Monica Bruckman, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em artigo publicado no site da Fundação Rosa Luxemburgo, os planos de descarbonização elaborados pela Europa visam, também, à disputa pela distribuição do poder no mundo, tendo como centros o Velho Continente, a China e os EUA.

A estratégia europeia para a transição energética

 “Quem pensa que o Pacto Verde Europeu é apenas uma política ambiental está enganado.  Trata-se antes de uma estratégia ambiciosa para a transformação da economia e sociedade europeias com o objetivo de alcançar a neutralidade climática e com a ambição de posicionar a UE como líder mundial neste processo, pronta a estabelecer relações estratégicas com a Ásia, principalmente com a China, África e América Latina, através da chamada “Diplomacia do Pacto Verde”, escreveu Bruckman.

Ela continua: “Esta estratégia multidimensional é colocada como o eixo articulador das várias políticas da UE em todos os sectores. Por conseguinte, tem implicações científico-tecnológicas, de segurança e defesa e um potencial impacto geopolítico a nível global”.

A acadêmica destaca também que as medidas europeias planejam a “transformação do setor industrial em todas as suas cadeias de valor nos próximos 5 anos.  Isto significará certamente a destruição ou reconversão de complexos industriais inteiros, que serão substituídos por novos complexos industriais que, por sua vez, dependerão de novos ciclos tecnológicos”.

Os planejadores e tomadores de decisão oficiais de hoje enxergam suas ações apenas de um ponto de vista do ganho particular imediato e – como a CPI da COVID19 no Senado está demonstrando – nem sempre de um ponto de vista republicano. Associam-se de forma oportunista a velhos esquemas de poder – como as indústrias carbonífera e petrolífera -, sem desejar sequer enxergar o que a realidade concreta já lhes demonstra.

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