“O Brasil está fora do compasso dos países que levam a sério o aquecimento global”, afirma o ex-Secretário (com status de Ministro) do Meio Ambiente, o físico paulista José Goldemberg. Dois fatos recentes, segundo ele, provam que o Brasil é o vilão do clima global. O primeiro foi a ausência do presidente Jair Bolsonaro da lista de 80 chefes Estado convidados para a celebração virtual dos cinco anos do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas (a Cúpula de Ambição Climática 2020, realizada em 12 de dezembro passado). O segundo foram as críticas generalizadas às metas de emissões de gases causadores da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), documento atualizado periodicamente conforme o Acordo de Paris e divulgado em dezembro passado pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
“A Comunidade Europeia, que está negociando o ingresso do Brasil na Organização Para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, está adiando as medidas necessárias. Se o Brasil fosse membro da OCDE, teria vantagens comerciais”, observa Goldemberg. A OCDE é um clube fechado de grandes e médias economias que recomenda políticas neoliberais a seus membros, e é atualmente a única grande aposta da política externa do governo Bolsonaro.
“E esta situação só vai se agravar”, prevê Goldemberg. “A eleição de Joe Biden e o retorno dos EUA ao Acordo de Paris reforçarão o Acordo e os países que estiverem à margem, ou não cumprirem corretamente os compromissos que assumiram, vão acabar sendo penalizados, sobretudo pelo que acontece na floresta amazônica”, alerta o ex-Ministro, que gravou uma entrevista exclusiva para Arayara.org. A posse do Democrata na Presidência dos EUA, prevista para esta quarta feira, 20 de janeiro.
“Biden tem uma visão muito mais positiva em relação a tomar medidas contra o aquecimento global do que o presidente (Donald) Trump, e isso vai ter consequências para o Brasil”, diz ex-Ministro, que já ocupou vários cargos nos primeiros escalões do meio Ambiente, Educação e Ciência e Tecnologia. Em São Paulo, Goldemberg foi reitor da USP, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa e da Companhia Energética e Secretário do Meio Ambiente. No governo federal, foi Secretário (equivalente a Ministro) de Ciência e Tecnologia e Ministro das pastas do Meio Ambiente e também da Educação.
“Perdemos os recursos da Noruega e da Alemanha, que já estavam no caixa do BNDES. Não estavam prometidos, estavam no caixa!”, lamenta Goldemberg. Ele se refere à suspensão, anunciada em agosto de 2019, das contribuições de quase 220 milhões de dólares que os dois países europeus faziam voluntariamente ao Fundo Amazônia, uma linha de investimentos em projetos locais que desestimulam a emissão de gases causadores das mudanças no clima. As declarações de Goldemberg foram dadas no contexto na entrevista à Arayara.org, sobre a antecipação do fechamento das minas de carvão no Brasil. Goldemberg e outros/as pesquisadores/as defendem a antecipação no relatório elaborado pelo Instituto Clima e Sociedade e pelo Instituto de Defesa do Consumidor.
A primeira parte da entrevista com Goldemberg pode ser ouvida aqui.
A seguir, mais dois blocos da entrevista, em que Goldemberg fala do fechamento de usinas termelétricas alimentadas a carvão mineral e de sua substituição no Brasil por energias renováveis.
“Térmicas a carvão são obsoletas e seu fechamento deve ser antecipado”
José Goldemberg atribui a lobby de mineradoras a manutenção das usinas e prevê que após fechamento previsto em lei novos empregos serão criados para recuperar áreas degradadas
“Há um hábito profundamente enraizado em Brasília que continua a manter essas atividades que são obsoletas e que já tem até lei para desativação. Isso é o que todos os países estão fazendo. O carvão é o principal vilão” entre os combustíveis fósseis, afirma o físico José Goldemberg, ex-Ministro do meio Ambiente, nesta entrevista à Arayara.org.
Nesta segunda parte da conversa, Goldemberg defende a antecipação do fechamento das 23 usinas termelétricas movidas a carvão mineral em operação no Brasil. A desativação está prevista na Lei
“Mas, todo ano o lobby que se formou naquela região, sobretudo com a mineração do carvão, elas são mantidas. A desculpa é que, se parar de retirar carvão daquela maneira que está sendo retirada, vai gerar desemprego”, lamenta Goldemberg. Segundo relatório elaborado pelo físico para o Instituto Clima e Sociedade e para o Instituto de Defesa do Consumidor, “a queima do carvão nacional receber um subsídio, estabelecido em lei, que até 2028 representa uma transferência anual de R$710 milhões (2019)”.
“O governo poderia acelerar o fechamento das térmicas e incentivar a produção de energias renováveis. Sobretudo na região de Santa Catarina e Paraná, onde o litoral é muito bom para produção de energia eólica”, sugere.
As mineradoras, segundo Goldemberg, apelam ao argumento de que o fechamento das minas e das usinas vai gerar desemprego – o que seria particularmente grave numa época em que a crise na economia se mistura às medidas de isolamento social necessárias para enfrentar a pandemia de COVID-19. Mas, o professor aposentado da Universidade de São Paulo observa que a situação, em verdade, será outra.
“Haverá uma relocação dos empregos. As pessoas que faziam um certo tipo de atividades farão outras. Precisarão de retreinamento. Isso ocorreu no passado no Brasil com sucesso no caso do etanol. Os empregos vão mudar, serão outros tipos de emprego. Mas, não será mais a mineração a céu aberto e que é extremamente agressiva”, diz.
“No começo tem uma certa preocupação porque as pessoas perdem o emprego e parece ser uma desgraça sem fim. Mas, desativar usinas de carvão é uma das atividades que mais ocorrem em vários países – sem falar na Alemanha, que desativou praticamente todas. Mesmo a China, que ainda depende muito do carvão, assumiu compromissos novos com o Acordo de Paris em que ela se compromete a eliminar o uso do carvão de maneira gradual entre 2030 e 50”. (CT).
Ouça a segunda parte da entrevista aqui:
“As próprias usinas estão descobrindo que é um mau negócio”, diz Goldemberg sobre antecipação do fechamento das térmicas a carvão
Ex-Ministro rejeita a tese de que opção seria a energia atômica: “só se for na Europa. Aqui fontes de energia renováveis já caíram muito de preço”
“As próprias usinas estão descobrindo que não é um negócio tão bom para elas continuar desse jeito. Essa é uma boa oportunidade para a desativação”, chama a atenção o ex-Ministro do meio Ambiente José Goldemberg, nesta terceira e última parte da entrevista que deu à Arayara.org. “Mesmo na Inglaterra, que era extremamente dependente de carvão, o uso desse combustível foi completamente eliminado. Há amplas outras oportunidades”, indica.
Goldemberg observa que as característica do Brasil facilitam a opção por outras fontes de energia que não o uso do poluente e degradante carvão mineral. “(O Brasil) tem solo abundante – portanto, a (fonte) fotovoltaica é uma fonte importante. Tem vento e tem bioenergia que podemos utilizar – e muito melhor do que na Alemanha e na Inglaterra”.
Ele também chama a atenção para o fato de que fechar agora as termelétricas a carvão dará vantagens á economia brasileira quanto o ritmo de crescimento for retomado – provavelmente, após a pandemia de Covid-19. “Na medida em que se começa a desativar essas térmicas, quando houver uma retomada do aumento do consumo de eletricidade, que deve ocorrer quando a pandemia começar ma desaparecer, podemos começar a estimular essas outras fontes. O que a Aneel (a agência reguladora do setor elétrico brasileiro) está fazendo com a energia dos ventos e energia fotovoltaica é na direção correta e poderia fazer mais. A energia eólica no Brasil tá ficando muito barata, e o mesmo está ocorrendo com energia fotovoltaica”.
O professor lembra que até grandes consumidores de energia estão optando por investir em fontes renováveis, devido ao custo ser mais baixo do que as fontes convencionais. “O grupo Pão de Açúcar, que tem centenas de estabelecimentos espalhados pelo Brasil e usa muita eletricidade, está produzindo a própria energia. Eles estão produzindo energia em “fazendas” fotovoltaicas que ficam longe da loja. Antigamente se colocavam painéis fotovoltaicos nos telhados das lojas. Mas, a lei permite que se produza energia a quilômetros de distância e jogue na rede, o que é considerado auto-produção, que não tem impostos federais nem estaduais e fica de 30 a 40% mais barata” (CT).
A terceira parte da entrevista pode ser ouvida aqui: