Indicado por Bolsonaro, o Procurador-Geral da República descumpre a obrigação Constitucional de denunciar o ocupante do Palácio do Planalto por crimes ambientais.
Em carta subscrita por 56 ongs brasileiras, incluindo o Instituto Internacional Arayara, organizações da sociedade civil apontam que a direção do Ministério Público Federal, de responsabilidade de Augusto Aras, decidiu recuar de sua responsabilidade Constitucional de apontar crimes cometidos pelo ex-capitão Jair Bolsonaro – que desde 1 de janeiro de 2019 está no Palácio do Planalto desempenhando um papel que só poderia ser cumprido por Presidentes da República legítimos, que tivessem pelo menos o mínimo de compromisso com a defesa da vida do povo brasileiro. (CT)
O texto da carta vai, na íntegra, abaixo.
“Brasília, 20 de julho de 2021
Ao Procurador Geral da República
Exmo. Sr. Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras
Ao Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF)
Exmo. Sr. Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras (Presidente do CSMPF)
Exmo. Sr. Dr. José Bonifácio Borges de Andrada (Vice-presidente do CSMPF)
Exmo. Sr. Dr. Alcides Martins
Exmo. Sr. Dr. Humberto Jacques de Medeiros
Exmo. Sr. Dr. José Adonis Callou de Araújo Sá
Exmo. Sr. Dr. José Bonifácio Borges de Andrada
Exmo. Sr. Dr. José Elaeres Marques Teixeira
Exma. Sra. Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen
Exma. Sra. Dra.Maria Caetana Cintra Santos
Exmo. Sr. Dr. Mario Luiz Bonsaglia
Exmo. Sr. Dr. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto
C/C
À 4ª Câmara de Coordenação e Revisão – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural
Exmo. Sr. Dr. Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho
Exmo. Sra. Dra. Julieta Elizabeth Fajardo Cavalcanti de Albuquerque
À 6ª Câmara de Coordenação e Revisão – Populações Indígenas e Comunidades tradicionais
Exma. Sra. Dra. Eliana Peres Torelly de Carvalho
Ref.: Atuação do MPF no combate ao crime e à degradação ambiental na Amazônia
Os seguidos retrocessos nas políticas ambientais e a diminuição das ações de fiscalização têm deixado o caminho livre para o avanço de ações criminosas e da degradação ambiental na Amazônia. Como consequência, tivemos entre 2019 e 2020 a maior taxa de desmatamento da região nos últimos 12 anos, bem como o aumento das queimadas, da exploração ilegal de madeira e do garimpo ilegal.
Os crimes ambientais deixam um rastro de destruição ambiental e violação de direitos, especialmente de povos indígenas e comunidades tradicionais, e ameaçam a integridade de áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Ao lado disso, podem causar danos econômicos, como restrições à entrada de produtos brasileiros em mercados estrangeiros, fuga de investimentos e obstáculos à assinatura de acordos comerciais.
Por sua gravidade, essas são as faces mais visíveis e debatidas do problema. Mas, por trás dos crimes ambientais existem grupos organizados que realizam diversos outros ilícitos para alcançar os seus objetivos, como demonstram operações do próprio Ministério Público Federal e da Polícia Federal, a exemplo da Arquimedes, Karipuna e Ojuara.
Corrupção, lavagem de capitais, fraude, evasão fiscal, falsidade ideológica, formação de milícias, tráfico de drogas são exemplos de parte desses ilícitos.
Os crimes ambientais, portanto, além de impossibilitarem a sustentabilidade socioambiental e poderem prejudicar a economia do país, ainda representam graves ameaças à segurança pública, ao funcionamento das instituições e ao próprio Estado de Direito.
Como instituição detentora de competência privativa para promover ação penal pública e a quem incumbe o papel constitucional da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público Federal possui papel central no enfrentamento desse problema.
Por esse motivo, a notícia da criação da Força-Tarefa Amazônia, em agosto de 2018, foi bem recebida pela sociedade civil, pois apontou para o reforço da atuação da instituição na região. Os resultados foram expressivos, seja no campo criminal, por meio de 19 operações contra crimes ambientais, seja em iniciativas voltadas à reparação de danos, promoção da tutela coletiva e controle de políticas públicas. Como exemplo do seu impacto, as operações Karipuna e Floresta Virtual, realizadas em parceria com Polícia Federal e com o apoio de lideranças indígenas e organizações da sociedade civil resultaram na queda de 40% do desmatamento na terra indígena Karipuna em 2020.
Tais resultados foram possíveis, pois o modelo de Força-Tarefa permitiu uma atuação mais coordenada entre procuradores(as), facilitando o intercâmbio de métodos e conhecimentos, a especialização de seu trabalho e a despersonalização da atuação, o que é especialmente relevante no enfrentamento do crime organizado. Além disso, fortaleceu a interlocução do MPF junto a outros órgãos públicos, instituições de pesquisa e a organizações da sociedade civil que atuam na região. Vale mencionar que tais resultados foram alcançados praticamente sem custos adicionais para a instituição.
O encerramento da Força-Tarefa Amazônia, em fevereiro deste ano, sem a sinalização sobre a sua renovação e sem a criação de uma estrutura que a substitua, é extremamente preocupante. Além de um sinal de recuo da atuação do MPF no enfrentamento aos crimes e à degradação ambiental – o que se soma ao enfraquecimento da atuação dos órgãos ambientais federais na região –, a descontinuidade da Força-Tarefa implica a perda de uma ação mais estratégica e coordenada, bem como dos demais benefícios que tal modelo proporciona.
Consideramos a criação dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECOs), apresentados como substitutos das Forças-Tarefas do MPF, uma iniciativa relevante para o enfrentamento do crime organizado. Porém, acreditamos que seria de fundamental importância a existência de uma estrutura especializada no enfrentamento aos crimes ambientais na Amazônia, dadas as especificidades de tais ilícitos e a gravidade do problema.
Visando contribuir com esse propósito, as organizações signatárias deste documento apresentam as seguintes recomendações que consideram essenciais para que o MPF possa realizar sua missão de combater a ilegalidade e garantir a aplicação da lei na Amazônia:
● Renovação da Força-Tarefa Amazônia ou estabelecimento de uma estrutura
permanente do MPF para a região, que permita maior coordenação e escala de atuação, especialmente dedicada ao combate dos crimes ambientais e da degradação ambiental;
● No caso da criação de uma nova estrutura, a definição do melhor desenho institucional pode ser realizada aproveitando-se a experiência da própria Força-Tarefa Amazônia, dos recém-criados GAECOs do MPF e dos Grupos de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMAs), esses últimos existentes no Ministério Público de alguns Estados, como São Paulo e Paraná;
● Independentemente do desenho institucional escolhido, ressaltamos a necessidade de que a estrutura possua os recursos materiais e humanos necessários, incluindo a desoneração de procuradores(as), a participação de procuradores(as) de ofícios da Amazônia e de outras regiões, mesmo que sem desoneração, além da existência de equipes técnicas e administrativas de apoio;
● Fortalecimento do MPF na Amazônia de forma ampla, em especial a garantia de um número e distribuição territorial adequados de ofícios e procuradores(as) dedicados à defesa do meio ambiente e dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como a existência de equipes técnicas e administrativas de apoio;
● Manutenção e fortalecimento de iniciativas do MPF que incidem na região, como o Amazônia Protege, que de forma inovadora permite a instauração de ações civis públicas na escala necessária para o enfrentamento do desmatamento no bioma.
Renovando os votos de estima e consideração, nos colocamos à disposição das instâncias e membros do Ministério Público Federal para dialogar sobre os temas e as propostas apresentadas neste documento”.