+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Audiência Popular em Garopaba rejeita petróleo e clama por transição energética justa e segura

Audiência Pública e Popular promovida pelo Instituto Internacional ARAYARA reuniu representantes de pescadores e pescadoras, ativistas ambientais, parlamentares, comunidade científica e ativistas socioambientais da região.

 

“Mar sem petróleo. Transição energética já!” – foram as palavras de ordem que encerraram a audiência pública e popular realizada em Garopaba para alertar em relação aos riscos da expansão da exploração de petróleo no litoral sul do Brasil. Foto: Lucas Wurdig Terres

 

Na noite desta segunda-feira (9), a comunidade de Garopaba (SC), reunida em audiência pública e popular na Câmara de Vereadores do município, manifestou seu repúdio a toda e qualquer tentativa de expansão da exploração de petróleo no litoral catarinense e brasileiro e defendeu a preservação e ampliação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca. A atividade promovida pelo Instituto Internacional ARAYARA na região leva em conta a oferta de blocos para exploração de petróleo e gás no litoral de Santa Catarina. No total, 23 blocos da Bacia de Santos que abrangem a costa catarinense serão ofertados no leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP) que ocorre dia 17 de junho no Rio de Janeiro.

 

A engenheira ambiental da ARAYARA Daniela Barros e a oceanógrafa Kerlem Carvalho alertaram que há estudos para a possível instalação de um terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL) em Imbituba e lembraram que o bloco em oferta no próximo leilão da ANP mais perto da APA da Baleia Franca fica a 114km da costa.

 

Pesca proibida ao redor das plataformas de petróleo

O engenheiro ambiental e Gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA John Wurdig alertou os pescadores e pescadoras artesanais em relação à zona de exclusão de pesca. De acordo com regulamentação da Marinha do Brasil, caso uma plataforma de petróleo seja instalada no litoral catarinense, fica proibida a pesca em um raio de 500 metros ao redor da plataforma. 

A NORMAM 08/DPC. da Diretoria de Portos e Costas da Marinha, estabelece que “nenhuma embarcação poderá pescar, navegar ou se aproximar a menos de quinhentos metros das plataformas de petróleo, incluindo o seu dispositivo de embarcações (plataforma/FPSO/FSU, aliviador e rebocador), considerando esse raio de quinhentos metros como área de segurança”. A única exceção da norma é voltada a embarcações que prestam apoio marítimo às plataformas, ou seja, pescadores e pescadoras artesanais e industriais de Garopaba e Imbituba correm o risco de não conseguir mais pescar. 

 

Vamos cuidar dos nossos mares enquanto não estão sendo loteados e grilados como nossa Amazônia

Em um momento de ataques severos à APA da Baleia Franca, com Projetos de Lei em trâmite no Congresso Nacional – um para reduzir a faixa terrestre e outro para extinguir o decreto de fundação da APA, o leilão da ANP deve ofertar blocos com uma proximidade de 114 km da unidade de conservação. A situação preocupa pescadores e pescadoras locais, que lutam incansavelmente para proteger a vida marinha. A liderança ambiental Cida, da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM), lembrou da tentativa de criação de uma Reserva Extrativista (RESEX) de Pesca artesanal há aproximadamente 20 anos. “A gente lutou para trazer uma RESEX para o litoral para proteger os pescadores e fazer o ordenamento da pesca, que era só dentro da APA. E naquela época a gente dizia vamos cuidar dos nossos mares enquanto não estão sendo loteados e grilados que nem é grilada a nossa Amazônia. Está aí o desmonte ambiental a nível planetário, a nível Brasil, e são tantas contradições”, comenta Cidinha, como é chamada carinhosamente pela comunidade de Imbituba, Garopaba e região. 

A liderança socioambiental Cida da Ibiraquera, como é conhecida, luta incessantemente em defesa da APA da Baleia Franca, dos pescadores e pescadoras artesanais. Foto: Luz Dorneles/ARAYARA.org

 

Os pescadores devem se apropriar da 169 da OIT

Cida relembra da importância da união das comunidades tradicionais da região frente às tentativas de destruição ambiental, que já estão mobilizados para construir protocolos de consulta conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “O que a gente tem é a nossa força e a nossa voz. A gente não tem grana que nem eles, mas a gente tem a nossa voz. A gente tem o nosso direito pela lei de comunidades e povos tradicionais, a 169 da OIT, que toda comunidade vai ter que se apropriar. Antes de qualquer empreendimento chegar até a gente, precisa ter esse protocolo de consulta”, afirma Cida. A liderança ambiental comunitária aponta a necessidade urgente de todas as comunidades tradicionais, que incluem pescadores, quilombolas, indígenas, entre outros, apropriarem-se dos seus direitos que são frequentemente violados por grandes empresas nos territórios.

 

Vai ter lucro pra eles, pra nós não vai

O presidente da Colônia de Pescadores Z12 de Garopaba, Valmiro Agostinho do Nascimento, vive exclusivamente da pesca artesanal e lembra que o lucro da exploração do petróleo não iria para os pescadores, mas o prejuízo sim. “Eu sou a quarta geração da minha família em Garopaba, sempre vivendo da pesca. Sou representante de 500, 600 pescadores. Nós, pescadores artesanais, precisamos falar a mesma língua. Então é assim, esse negócio do petróleo, a gente sabe que vai ter lucro pra eles, mas pra nós não vai ter lucro. Nós vamos ficar sofrendo, como já estamos sofrendo pela pesca da tainha que é uma pesca que nós fazemos do tempo do meu avô, do tempo do meu pai, a gente via eles lá pescando”, comenta Valmiro, ao se referir à cota para a pesca da tainha estabelecida pelo governo federal que prejudica a atividade artesanal, reconhecida como patrimônio cultural.

O presidente da Colônia de Pescadores Z12, Valmiro Agostinho do Nascimento, representa cerca de 600 pescadores que dizem não à exploração de petróleo no litoral catarinense. Foto: Luz Dorneles/ARAYARA.org

 

O pescador Valmiro reafirmou o posicionamento da Colônia de Pescadores – “é não a esse leilão que vai ter agora” – e agradeceu à ARAYARA pela informação trazida ao território. “A gente já tá brigando pela pesca da tainha, agora mais esse problema aí. Se não fosse vocês da Arayara, a gente não tava sabendo disso”, comentou o presidente da Colônia. Valmiro também comentou em relação a embarcações maiores avistadas de dentro do mar no ano passado. “Eu ando no mar. Ano passado vinha assim dois barcos, eles estavam rastreando lá fora. Em 3.000 metros de profundidade. E vinham ficar aqui em Garopaba, a gente sabe disso. Já atrapalhou nós na pesca da tainha”, desabafa, lamentando que hoje a pesca artesanal não acontece mais como antigamente. 

 

O vereador Rodrigo Oliveira (PT), proponente da audiência pública e popular ao lado do Instituto Internacional ARAYARA, lembrou que a luta contra a exploração de petróleo no mar iniciou em 2022 no território. Foto: Luz Dorneles/ARAYARA.org

 

O vereador de Garopaba Rodrigo Oliveira (PT) celebrou as vitórias em relação à ofensiva da ANP de ofertar blocos para exploração de petróleo no litoral sul catarinense, já que em 2022 foram ofertados blocos ainda mais próximos da costa. Rodrigo também relembra dos perigos não só da perfuração, mas também da etapa de análise e diagnóstico desses blocos. “Só o fato da batimetria para poder prospectar ou estudar esses blocos de petróleo, para ver se é viável ou não, isso já impacta muito nos pescados que vem para nosso litoral. Então não precisa nem ter a exploração. O fato de pesquisar para ver se é viável ou não já impacta no nosso mar e vai impactar com certeza no pescado”, coloca o vereador proponente da audiência pública e popular na Câmara Municipal. 

 

O vazamento de petróleo que ocorreu em 2019 no nordeste também serve de exemplo para Garopaba que já se mobiliza contra a exploração de petróleo no mar há pelo menos três anos. “Em 2019, do vazamento que houve no nordeste, foram mais de dois anos para se recuperar. Os dois setores que foram impactados – o turismo e o pescado. O pescador não tá mais conseguindo vender, caíram as vendas tanto do camarão quanto do pescado no nordeste por conta daquele vazamento. Não tem dinheiro, não tem royalty, não tem fundo que repare caso aconteça um vazamento no nosso litoral. É por isso que a gente traz essa preocupação e diz mar sem petróleo”, afirma o vereador Rodrigo Oliveira.

 

500 acidentes com vazamento de óleo somente em 2024

O professor Paulo Horta, cientista climático da UFSC e representante do Programa Ecoando Sustentabilidade, alerta que a humanidade já ultrapassou os limites de segurança ambiental impostos pela própria estabilidade climática que permitiu nossa existência. “Desde 1911, superamos os níveis históricos de gases de efeito estufa na atmosfera. A estabilidade que manteve o clima previsível por milhares de anos está sendo rompida”, afirma. Como exemplo concreto, ele cita a migração da tainha, tradicionalmente marcada no calendário dos pescadores catarinenses: “Ela pode atrasar ou simplesmente deixar de vir. Estamos quebrando o relógio natural que regia os ciclos da vida”. Horta lembra que há duas décadas os cientistas vêm alertando sobre os riscos, mas em 2023 o país bateu recorde de exploração de petróleo.

O professor da UFSC Paulo Horta lembrou que os cientistas já estão alertando em relação aos perigos da indústria fóssil há 20 anos. “E em 2023 a gente teve um recorde de exploração de petróleo”, pontuou o pesquisador climático. Foto: Luz Dorneles/ARAYARA.org

 “Petróleo faz mal”, resume o pesquisador, referindo-se tanto aos impactos ambientais quanto à saúde humana. Ele relembra o desastre de 2019, quando crianças expostas ao óleo enfrentaram sérios problemas de saúde, e relata os efeitos físicos do contato direto com o combustível: “provoca queimaduras de segundo e terceiro grau”. Segundo Horta, uma nova tragédia ambiental poderia atingir ecossistemas inteiros. “Imagine uma mancha de óleo atingindo Ibiraquera ou Imaruí, contaminando peixes, camarões, caranguejos”. O professor compartilhou dados da ANP de 2024 que apontam a ocorrência de mais de 1.000 incidentes relacionados à indústria de petróleo somente no ano passado, sendo aproximadamente 500 acidentes com vazamento. “É uma contradição dizer que é seguro enquanto temos 100% de chance de agravamento climático e continuamos alimentando a crise com mais gasolina, literalmente petróleo. Os lucros são privatizados, os prejuízos socializados”, comenta o cientista Paulo Horta.

 

População de Garopaba propõe moção de repúdio à exploração de petróleo no litoral de SC

Durante a audiência pública e popular que ocorreu em Garopaba na noite desta segunda-feira (10), uma moção de repúdio à exploração no litoral catarinense e brasileiro foi redigida e assinada por representantes da sociedade civil organizada, parlamentares, pescadores e pescadoras artesanais e comunidade científica presente. De acordo com a moção aprovada, o leilão da ANP não deveria sequer acontecer, tendo em vista a emergência climática e a violação da convenção 169 da OIT, entre outros fatores. O texto também reforça a necessidade de preservação e ampliação das unidades de conservação em Santa Catarina, com atenção especial à APA da Baleia Franca. O vereador Rodrigo Oliveira comprometeu-se a levar esta moção a Brasília, juntamente com um documento que solicita o arquivamento dos Projetos de Lei de autoria da deputada federal Geovânia de Sá (PSDB) que ameaçam a APA da Baleia Franca.

Na foto, o Gerente de Transição Energética da ARAYARA, John Wurdig, abraça e agradece a educadora ambiental Jane Recicla por sua atuação em defesa do meio ambiente em Garopaba. Foto: Luz Dorneles/ARAYARA.org

 

LEIA A MOÇÃO DE REPÚDIO COMPLETA

 

MOÇÃO DE REPÚDIO À EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Nós, representantes de pescadores, pescadoras, marisqueiros, marisqueiras, comunidade científica, ativistas socioambientais, moradores e moradoras do litoral Sul catarinense, representantes dos legislativos municipais, estaduais e federais, manifestamos nosso repúdio a toda e qualquer tentativa de expansão da exploração de petróleo e gás no litoral de Santa Catarina e do Brasil. Compreendemos que o Leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP) previsto para ocorrer no dia 17 de junho não deveria sequer estar ocorrendo, considerando o cenário de emergência climática que estamos vivendo, considerando a violação do direito internacional dos povos e comunidades tradicionais à consulta livre, prévia e informada conforme prevê a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – uma violação que promove o racismo ambiental. 

Compreendemos que o governo federal, a ANP e as empresas privadas deveriam investir em uma transição energética justa e segura. Atualmente, o modelo de desenvolvimento proposto é violento para nossos territórios, para a vida marinha e terrestre. Concentra-se o lucro nas mãos de poucos, divide-se o prejuízo da destruição entre todos e todas – em especial às comunidades mais vulneráveis. Defendemos também a preservação e a ampliação das nossas Unidades de Conservação, com atenção especial à Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, que hoje sofre ataques no legislativo federal.

Em Santa Catarina, temos a Lei nº 19.247/2025, que institui o Dia Estadual da Promoção da Cultura Oceânica e reconhece os oceanos como parte integrante dos ecossistemas naturais, com direitos intrínsecos como a integridade e a proteção contra danos. A lei busca promover a conscientização e o cuidado com os oceanos, incentivando práticas sustentáveis e a preservação do meio ambiente. Qualquer tentativa de exploração de petróleo em Santa Catarina também fere o bem-estar oceânico, definido nesta lei como “condição de equilíbrio e saúde dos oceanos, garantindo sua capacidade de sustentar a vida e os ecossistemas” e pode prejudicar a sustentabilidade da comunidade oceânica, definida nesta lei enquanto “indivíduos, organizações, povos tradicionais e comunidades locais que dependem dos oceanos para sua subsistência e identidade cultural”.

Pelos direitos humanos, da natureza, dos povos e comunidades tradicionais. Pelo cuidado e proteção à vida na Terra e no mar. Por um mundo saudável a todas as espécies e livre de crimes e desastres ambientais, nós dizemos: Petróleo no mar NÃO! Transformação ecológica já!

 

Garopaba, 9 (nove) de junho de 2025.

 

Esta moção é fruto da audiência pública e popular “SOS Litoral Sul – SC – Garopaba diz não ao petróleo” realizada pelo Instituto Internacional ARAYARA no dia 9 de junho de 2025.

 

Assinam esta moção:

Associação Ecosociocultural Abambaé (AECOA)
Coletivo de Mulheres Negras Shikoba
Instituto Biomas Costeiros (IBC)
Associação Amigos do Meio Ambiente – Garopaba (AMA)
Associação Cultural Assistencial e Ambiental Raiz de Garopaba
Colônia de Pescadores Z12 de Garopaba-SC
Deputado estadual Padre Pedro (PT/SC)
Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM)
Ecoando Sustentabilidade – UFSC
Vereador Rodrigo Oliveira (PT) – Garopaba

_____

 

COMUNICAÇÃO ARAYARA: Luz Dorneles – 51991349156 – luz.dorneles@arayara.org

 

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Povo Haliti-Paresi denuncia ausência de consulta prévia sobre 5º leilão de Oferta Permanente de Concessão

No último dia 5/6, o Instituto Internacional ARAYARA, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e  Kretã Kaingang, coordenador executivo da APIB/Sul, realizou a segunda oficina informativa sobre os riscos associados ao 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP, que acontece no próximo dia 17/6. O encontro ocorreu na Aldeia Rio Verde, no estado do Mato Grosso, e contou

Leia Mais »

Projeto Conexões Oceânicas Sudeste em Vila Velha (ES) reforça compromisso com a justiça climática e a proteção dos oceanos

Entre os dias 6 e 8 de junho, o Instituto Internacional ARAYARA participou da oficina presencial do projeto Conexões Oceânicas Sudeste, realizada em Vila Velha (ES). O encontro marcou o encerramento do ciclo de oficinas virtuais e presenciais do projeto, reunindo representantes de comunidades tradicionais, pescadores, surfistas, pesquisadores, ativistas e organizações da sociedade civil comprometidas com a defesa dos ecossistemas

Leia Mais »

Audiência Popular em Garopaba rejeita petróleo e clama por transição energética justa e segura

Audiência Pública e Popular promovida pelo Instituto Internacional ARAYARA reuniu representantes de pescadores e pescadoras, ativistas ambientais, parlamentares, comunidade científica e ativistas socioambientais da região.     Na noite desta segunda-feira (9), a comunidade de Garopaba (SC), reunida em audiência pública e popular na Câmara de Vereadores do município, manifestou seu repúdio a toda e qualquer tentativa de expansão da

Leia Mais »