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“Desenvolvimento não pode significar destruição”, afirmou Célia Xakriabá, em audiência que debateu os  impactos da geração de energia e petróleo em terras indígenas

A Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados realizou nesta terça-feira (8) uma audiência pública para discutir os impactos da geração de energia sobre terras indígenas no Brasil. A iniciativa, proposta pela deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG), reuniu representantes de ministérios, organizações indígenas, entidades ambientais e lideranças parlamentares no Plenário 12 da Casa.

 

Estiveram presentes na audiência : nicole Figueiredo de Oliveira (Instituto Internacional ARAYARA), Bruno Potiguara, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI); Cláudia Regina de Pinho, do Ministério do Meio Ambiente (MMA); Carolina Marçal (ClimaInfo); e lideranças regionais como Kretã Kaingang (ARPINSUL), Sarapó Pankararu, Coordenador Executivo da APOINME (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo) e Paulo Tupinikim (APOINME).

O objetivo da audiência foi avaliar criticamente o avanço de grandes empreendimentos energéticos — como hidrelétricas, parques eólicos, usinas solares e projetos de exploração de petróleo — sobre territórios indígenas, questionando a ausência de regulamentação adequada para proteger esses povos. Segundo Célia Xakriabá, “modernidade e desenvolvimento não podem significar destruição”, e os direitos indígenas precisam ser garantidos frente à crescente pressão do setor energético.

Durante o debate, foram abordadas denúncias sobre a exploração de combustíveis fósseis em terras indígenas, como os planos da Petrobras para perfuração na margem equatorial, na foz do rio Amazonas. A estatal aguarda autorização para dar início às atividades de exploração na região.

Consultas ignoradas e direitos ameaçados

Bruno Potiguara, representante do Ministério dos Povos Indígenas, destacou que a Constituição Federal — especialmente os artigos 231 e 232 — e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garantem o direito à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas sobre quaisquer empreendimentos em suas terras. “Os povos indígenas têm o direito de ser respeitados. É isso que temos buscado assegurar nos âmbitos federal e estadual”, afirmou.

No entanto, lideranças indígenas presentes à audiência criticaram a forma como esses direitos têm sido desrespeitados. Kretã Kaingang, ativista indígena, foi enfático: “Essa história de consulta é muito bonita no papel, mas o que vemos na prática é um governo que fala de conciliação enquanto continua permitindo a exploração das nossas terras. Estamos sofrendo com impactos da mineração há mais de 40 anos. Isso não é brincadeira”.

Ele também alertou para os riscos da exploração de petróleo e gás, citando casos internacionais: “Vi crianças na Argentina com membros amputados e problemas de saúde por conta dessa exploração. Enquanto discutimos aqui a preservação da natureza, o governo está fazendo reuniões com a Opec (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)”.

Terras indígenas sitiadas por projetos de energia

Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional ARAYARA, apresentou dados alarmantes sobre os impactos do setor energético em terras indígenas. “Segundo dados  do Monitor Amazônia Livre de Petróleo, 230 territórios indígenas estão em áreas de influência direta de projetos energéticos existentes ou planejados, o que representa 28% do total de TIs no país”, destacou.

Oliveira chamou atenção para a falta de regulação efetiva da consulta prévia e criticou os leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP), previstos para junho. “Esses empreendimentos estão sitiando as terras indígenas. Precisamos garantir que a consulta seja feita antes dos leilões. Não adianta falar de licenciamento ambiental se os povos não são ouvidos desde o início”, declarou.

Ela também listou projetos em regiões sensíveis, como a Usina Termelétrica Verde Atlântico (1.768 MW) em Peruíbe (SP), que afeta a Terra Indígena Piaçaguera, e outras em estudo nos estados do Espírito Santo e Ceará.

 

Confira audiência:

 

Transição energética e justiça climática

A deputada Juliana Cardoso (PT-SP) ressaltou que o progresso não pode ser usado como justificativa para destruir modos de vida e culturas originárias. “Precisamos caminhar junto com os povos e instituições, monitorar audiências e barrar empreendimentos que atentam contra a vida indígena”, disse.

Já Célia Xakriabá reforçou que discutir a transição energética é também falar de economia. “Há uma pesquisa que mostra que 80% dos projetos da Amazônia vão beneficiar 57% do agronegócio brasileiro. Portanto, se o Congresso continuar apoiando a indústria fóssil, o impacto econômico será enorme — mais de R$ 338 bilhões. E estamos falando aqui de impactos irreversíveis, porque um rio ou uma vida não se recuperam”, alertou.

Violência contra mulheres indígenas também foi pauta

Além do tema energético, a deputada também destacou a aprovação na Câmara de seu projeto de lei 4381/23, que estabelece diretrizes para o atendimento de mulheres indígenas vítimas de violência doméstica e familiar. O texto prevê protocolos específicos para delegacias e órgãos públicos, com o objetivo de garantir os direitos das vítimas em todo o processo de denúncia e investigação. O projeto agora segue para o Senado.

A diretora do Departamento de Gestão Socioambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA) destacou a urgência de um novo modelo energético que respeite os limites ecológicos do planeta e os direitos constitucionais dos povos tradicionais. “A transição energética precisa ser justa, inclusiva e construída por meio do diálogo”, defendeu.

Transição energética com justiça social

O debate evidenciou a necessidade de o Brasil alinhar seus projetos de expansão energética ao respeito pelos direitos dos povos originários. Participantes apontaram como um dos principais entraves a ausência de uma legislação específica que estabeleça salvaguardas para comunidades indígenas diante de empreendimentos do setor energético — um vácuo jurídico que tem permitido o avanço de projetos sem a devida consulta ou proteção.

Para a deputada Célia Xakriabá, a audiência marca apenas o começo de uma agenda que precisa se tornar permanente no Congresso. “Queremos uma transição energética que seja feita com justiça, e não às custas do nosso povo. Energia limpa não pode ser sinônimo de apagamento cultural”, afirmou a parlamentar.

 

 

 

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