+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Artigo de Opinião | Raul, não foi dessa vez

Por: Vinicius Nora

“A solução pro nosso povo eu vou dar
Negócio bom assim ninguém nunca viu
‘Tá tudo pronto aqui é só vir pegar
A solução é alugar o Brasil”

 

A canção de Raul Seixas e Claudio Roberto soava atual enquanto o Senado brasileiro debatia a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022. Lamentavelmente, em um momento em que o Brasil enfrenta uma das maiores crises climáticas de sua história, negacionistas do Senado Federal ignoraram o risco e abriram caminho para o debate sobre a privatização das praias brasileiras, a especulação imobiliária e o futuro de populações litorâneas inteiras.

 

Também conhecida como PEC dos Terrenos de Marinha, ela propõe a extinção e a transferência do domínio de áreas públicas da União (conhecidas como terrenos de marinha) para estados, municípios e outros. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde é relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e terá nos próximos passos um intenso lobby a seu favor. Apesar disso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já sinalizou que a pauta ficará de fora (pelo menos por enquanto).

Ontem, ocorreu uma audiência em que os defensores da PEC, ainda cegos quanto à realidade climática, argumentaram que a medida visa regularizar a situação fundiária e promover o desenvolvimento urbano. Muito da negativa da PEC na agenda do Senado pode dever-se ao fato de que houve intensa mobilização. A sessão no YouTube chegou a contar com mais de 1900 pessoas assistindo ao vivo.

Cientistas, gestoras, ambientalistas e comunidades ainda alertam que a extinção dos terrenos de marinha pode gerar impactos negativos ao meio ambiente, como desmatamento, construção irregular e degradação ambiental. Para as áreas costeiras, esses terrenos são fundamentais, pois protegem a biodiversidade, absorvem carbono e promovem a defesa de primeira linha contra os efeitos das mudanças climáticas. A degradação desses espaços aumentaria o risco de desastres naturais, como inundações e erosão costeira, exemplos já corriqueiros no litoral brasileiro.

Além disso, a PEC traria prejuízos à União, pois a transferência da propriedade dos terrenos de marinha pode representar uma perda de receita, já que a União não poderá mais cobrar taxas e impostos pela exploração dessas áreas. Esse cenário traria conflitos judiciais entre a União, os estados, os municípios e os ocupantes dos terrenos. Esse caso foi exemplificado durante a audiência e ganhou destaque na mídia com o caso do jogador Neymar.

Além desse caso específico, muitos outros são foco dos alertas no que tange à perspectiva da privatização e especulação imobiliária. Indicados por muitas vozes no assunto, esse talvez seja o maior motivador e um dos principais riscos da PEC 3/2022: a possibilidade de privatização das praias brasileiras. A transferência dos terrenos de marinha para entidades privadas pode levar à especulação imobiliária e ao aumento do preço da terra, beneficiando grandes empresas em detrimento da população de baixa renda, favorecendo a mitigação de catástrofes climáticas, ao invés de uma agenda de adaptação. Afinal, a quem interessa aprovar uma PEC com esse teor?

Enquanto escrevo esse texto, ocorre o Seminário de Apresentação do Processo de Construção da Estratégia Nacional de Mitigação 2024-2035, onde os terrenos de marinha têm um papel crucial quanto ao impacto futuro das mudanças climáticas no Brasil. Esse é um tema importante para os governos, empresas e população em geral, pois a previsão com o financiamento climático global, com o objetivo de mitigar os impactos já previstos, é estimado em US$ 1,3 trilhão, enquanto o financiamento para adaptação está avaliado em US$ 63 bilhões – boleto esse que ainda não tem dono certo.

A narrativa entre cientistas e negacionistas climáticos é um pano de fundo crucial nessa discussão. Enquanto cientistas alertam para a gravidade das mudanças climáticas e a necessidade urgente de medidas de adaptação e mitigação, negacionistas minimizam os riscos e promovem agendas que favorecem interesses econômicos imediatos em detrimento do bem comum e da sustentabilidade a longo prazo.

A PEC 3/2022 não é apenas uma questão de propriedade de terras, mas uma decisão que pode determinar o futuro ambiental e social do Brasil. É essencial que os senadores considerem os impactos amplos e de longo prazo dessa proposta. A proteção das zonas costeiras é fundamental para garantir a segurança climática, a preservação da biodiversidade e a justiça social.

Neste momento crítico, é imperativo que a sociedade civil se organize contra a PEC 3/2022. Pressionar os senadores a rejeitar essa proposta é um passo crucial para proteger nosso patrimônio natural e as comunidades que dependem dele. Não podemos permitir que interesses privados comprometam o bem-estar coletivo e a integridade do nosso meio ambiente, pois, diferente da canção do Raul, não seria tudo Free.

Quer se informar sobre a PEC? Recomendo quatro links:
– Live no Instagram da Liga das Mulheres pelos Oceanos https://www.instagram.com/liga.mulheres.pelos.oceanos/
– O artigo de opinião da Bia Mattiuzzo, da Marulho https://www.marulho.org/artigo-opiniao-bia-mattiuzzo
– O movimento de pedido de votação popular contrária a #PEC0322NÃO https://www.pec0322nao.org
– A gravação da Audiência na CCJ (27/05/2024) https://www.youtube.com/watch?v=ccj-audiencia-27-05-2024

 

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Falta de quórum impede andamento da CPI do Rio Melchior no DF pela terceira vez

A terceira reunião ordinária da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a poluição do Rio Melchior, no Distrito Federal, foi cancelada nesta quinta-feira (24), mais uma vez por falta de quórum. Desde a primeira reunião a CPI não consegue ser realizada pelo não comparecimento de todos os deputados distritais. A ausência de parlamentares, incluindo suplentes, gerou críticas por parte

Leia Mais »

Organizações do CONAMA e CNEA se posicionam contra expansão da indústria do petróleo na costa amazônica

Organizações da sociedade civil integrantes do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do CNEA (Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas), por meio de proposta do Instituto Internacional ARAYARA, manifestaram publicamente sua oposição à expansão da indústria do petróleo no Brasil, destacando especial preocupação com os impactos na costa amazônica. As entidades se posicionaram contra a realização do 5º Ciclo da

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Geração de energia no Brasil vive encruzilhada decisiva entre vanguarda renovável e retrocesso fóssil

A eficiência na geração elétrica não é mais uma escolha técnica. É uma prioridade estratégica diante da crise climática global, das pressões econômicas e das demandas por justiça social. E o Brasil precisa se posicionar. Autor: Anton Schwyter, Doutorando no Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo (USP) A geração de energia no Brasil vive um momento decisivo.

Leia Mais »