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Artigo de Opinião : Mais uma Medida Provisória que ameaça a sustentabilidade do setor elétrico brasileiro

Na última sexta-feira (11), o governo editou a Medida Provisória nº 1.304/2025, reacendendo o debate sobre a sustentabilidade econômica e ambiental dos subsídios no setor elétrico. Embora apresentada como uma tentativa de conter custos e estabilizar o setor, a MP levanta mais dúvidas do que soluções e pode, na prática, aumentar a insegurança regulatória, encarecer a energia e perpetuar modelos insustentáveis.

A MP propõe três grandes eixos de ação. O primeiro busca fortalecer a política de comercialização do gás natural, permitindo à Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA) ofertar gás a preços mais competitivos para setores estratégicos como a indústria química, de fertilizantes e siderurgia. O segundo tenta mitigar os impactos econômicos da derrubada de vetos da Lei nº 15.097 de 10/01/2025 (que disciplina o aproveitamento de potencial energético offshore no Brasil) ao propor alternativas para limitar aumentos tarifários e trazer mais estabilidade. E o terceiro introduz limites ao crescimento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), revoga a obrigatoriedade de contratação de termelétricas e cria novas diretrizes para o mercado de gás.

No papel, os objetivos parecem nobres: reduzir custos para o consumidor, modernizar o setor e evitar impactos fiscais ao orçamento público. No entanto, ao olhar mais de perto, percebe-se um conjunto de medidas desconectadas entre si, com potencial de aprofundar problemas já existentes.

A inserção do mercado de gás na MP revela uma insistência na exploração de combustíveis fósseis, mesmo que direcionada majoritariamente à indústria. Essa opção contraria a necessidade de acelerar a transição energética e reduzir a dependência de fontes poluentes. Além disso, a ênfase em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) ignora a crescente instabilidade hídrica causada pelas mudanças climáticas e os impactos ambientais dessas usinas, mesmo de pequeno porte, durante períodos de estiagem.

Outro ponto preocupante é a definição do teto para a CDE. O limite proposto parece se basear apenas no cenário de 2025, sem considerar as necessidades futuras nem oferecer mecanismos claros para evitar que os custos sejam, de qualquer forma, repassados ao consumidor. Da mesma forma, a criação do chamado “encargo de complemento de recursos” carece de transparência: os encargos serão pagos por geradores e consumidores sem uma política pública bem definida a que estejam vinculados, desvirtuando a lógica dos encargos setoriais e impondo novos custos sem justificativa robusta.

Há ainda um problema institucional importante: medidas de tamanha complexidade deveriam ser discutidas amplamente no Congresso, com participação social e análise técnica detalhada. A edição de uma Medida Provisória, com vigência imediata e espaço reduzido para debate, ameaça a transparência legislativa e abre margem para distorções.

Em resumo, a MP nº 1.304/2025 tenta vender a ideia de que reduzirá custos e trará estabilidade ao setor, mas seu conteúdo contraditório indica justamente o contrário: riscos maiores de custos para o consumidor, insegurança regulatória, distorções de mercado e compromissos frágeis com a sustentabilidade. O setor elétrico brasileiro precisa de reformas, sim — mas elas devem ser planejadas com visão de longo prazo, responsabilidade ambiental e foco no consumidor, e não como remendos apressados que perpetuam velhos problemas de lobby no setor elétrico brasileiro favorecendo especialmente a expansão da indústria fóssil, não levando em consideração a situação de emergência climática, especialmente no ano de realização no Brasil da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30. 

Por:

John Wurdig – Gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA, mestre e engenheiro ambiental

Hirdan Costa – Colaboradora, especialista em energia do Instituto Internacional ARAYARA, advogada, economista e pós-doutora em energia.

 

Foto: reprodução/ Creative Commons

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