A Petrobras alega que o Brasil precisará importar petróleo em 10 anos se não descobrir novas reservas na Foz do Amazonas. Mas análise exclusiva da InfoAmazonia mostra que, se o país cumprir suas metas climáticas, as reservas já provadas duram até pelo menos 2039.
Por Leandro Barbosa and Fábio Bispo
“A gente pode voltar a ser importador de petróleo em 2034, 2035”, afirmou a diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, em 24 de outubro do ano passado, em evento no Rio de Janeiro, afirmando que novas descobertas na bacia da Foz do Amazonas seriam imprescindíveis para o país não precisar importar petróleo em 10 anos. A declaração ocorreu em meio ao aumento da pressão política do governo federal e da estatal para avançar na perfuração do bloco 59, área oficialmente delimitada que é o principal alvo para exploração da região.
Apenas alguns dias depois da declaração de Anjos, em 29 de outubro, os técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomendaram, pela segunda vez, a rejeição do licenciamento ambiental do projeto.
A estatal não desistiu e pediu reconsideração da negativa do Ibama. Com o presidente Lula (PT) se manifestando a favor do petróleo na Foz do Amazonas, e a possibilidade de uma nova negativa do Ibama para o licenciamento do bloco 59, o discurso agora é de que a atividade petrolífera na costa amazônica tem que acontecer “para financiar a transição energética”.
A InfoAmazonia analisou a dependência brasileira do petróleo em cinco possíveis cenários futuros de demanda pelo combustível e das reservas encontradas, buscando entender os argumentos de quem defende a exploração nessa área ambientalmente sensível da costa brasileira. Sem a exploração da Foz do Amazonas, as reservas de petróleo do país acabarão em 10 anos?
A resposta que encontramos é: não.
O Brasil só precisaria importar petróleo entre 2034 e 2035 se descumprir suas próprias metas climáticas, segundo nossa análise com base nos relatórios de produção da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e nas projeções de consumo no Brasil feitas pela Agência Internacional de Energia (IEA). Caso contrário, se o país neutralizar suas emissões em 2050, as reservas já descobertas no país durariam até, pelo menos, 2042.
O cientista Anton Schwyter, gerente de Energia, Clima e Geociências do Instituto Internacional Arayara, reforça que a abertura da Foz do Amazonas para a exploração de petróleo só seria necessária se “o plano for não cumprir nenhuma meta de redução de emissões”.
Os cenários para o petróleo brasileiro
As reservas são a estimativa da quantidade de petróleo que pode ser extraída em um campo de produção. Elas são divididas em três categorias: reservas provadas (1P), com 90% de chance de extração; reservas prováveis (2P), com 50% de chance; e reservas possíveis (3P), com apenas 10% de chance de que o petróleo seja extraído comercialmente. Uma mesma área pode conter simultaneamente reservas provadas — com maior chance de serem extraídas — além de prováveis e possíveis.
Em 2023, havia um total de 15,9 bilhões de barris de óleo (boe) em reservas provadas no país. Considerando o total de reservas (provadas, prováveis e possíveis) e a incerteza relacionada aos seus tipos, essa quantidade sobe para 18 bilhões de barris — quantidade que, segundo especialistas consultados pela InfoAmazonia, seria suficiente para garantir a transição energética do país.
Com base nesses dados, foram analisados cinco cenários da demanda:
- Cenário conservador: consumo e exportação de petróleo permanecem nos níveis máximos dos últimos cinco anos. Nesse caso, as reservas provadas se esgotariam entre 2035 e 2036, e as reservas totais entre 2036 e 2037.
- Aumento do consumo e exportação: as projeções da IEA indicam um crescimento contínuo do consumo e exportação. Nesse ritmo, as reservas provadas acabariam em 2032 e as reservas totais em 2033.
- Cenário Net Zero: redução de 75% no consumo e exportação global até 2050, seguindo metas de transição energética globais. As reservas provadas durariam entre 2038 e 2039 e as totais entre 2041 e 2042.
- Sem exportação: caso o Brasil cesse as exportações e mantenha um consumo interno crescente, as reservas provadas se esgotariam em 2036 e as totais em 2038. Se o consumo fosse constante, os estoques durariam até 2045 (provados) e 2048 (total).
- Exportação constante e redução de consumo: se as exportações forem mantidas e o consumo for reduzido em 75% até 2050, as reservas provadas se esgotariam em 2037 e as reservas totais em 2039.

Portanto, o esgotamento do petróleo brasileiro em 2035, como declarou Anjos, deve ocorrer apenas com a manutenção dos altos níveis de consumo e de exportação dos últimos cinco anos. Além disso, esse cenário só é válido se o Brasil contar apenas com as reservas provadas, o que é improvável.
Em um cenário ainda pior, de crescimento contínuo do consumo e da exportação, o esgotamento pode ocorrer até antes: por volta de 2032 e 2033.
Essas duas projeções desconsideram, no entanto, o Acordo de Paris (2015) para a transição energética, que tem como meta zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050, o compromisso Net Zero, do qual o Brasil é signatário. Além de não considerar também possível incremento na produção nacional com a expansão das reservas provadas nos blocos de petróleo
Segundo a análise da reportagem, no caso de o Brasil seguir as próprias metas de transição energética para contribuir com a redução de 75% das emissões do planeta, de acordo com o compromisso Net Zero, o petróleo do país duraria pelo menos até 2039 no caso das reservas provadas e, 2042, considerando as totais.
A previsão da diretora de Exploração e Produção da Petrobras não considera, portanto, nem os próprios planos da estatal, que tem anunciado seu empenho em “assumir um papel no desafio global de mitigar os efeitos da mudança climática e promover uma transição energética justa”, conforme consta no Caderno do Clima da empresa. O documento destaca as ações para minimizar as emissões de carbono em suas operações e o compromisso assumido com a transição energética.
O pesquisador Ricardo Fujii, líder de transição energética do WWF-Brasil, explica que, no contexto de Net Zero, as reservas brasileiras poderiam durar ainda mais, principalmente com possíveis novas descobertas nas bacias onde já há exploração e produção aprovadas, como no pré-sal da bacia de Santos, sem precisar explorar a Foz do Amazonas.
“Ainda há espaço para continuar adquirindo dados [sobre as reservas disponíveis] por meio de campanhas sísmicas e de perfuração de poços, o que aumenta nosso conhecimento sobre as áreas. Assim, reservas que eram consideradas possíveis podem se tornar prováveis, e as prováveis podem virar provadas, mostrando que mesmo em áreas já bem desenvolvidas ainda existem reservas não mapeadas”, explica Fujii.
Além disso, Schwyter, do Instituto Internacional Arayara, explica que o tempo médio para início de produção comercial de petróleo em um campo com reservas descobertas pode levar até 10 anos. No caso da bacia da Foz do Amazonas, sequer existem descobertas confirmadas.
“Ou seja, mesmo que a Petrobras consiga a licença para explorar o bloco 59 na bacia da Foz do Amazonas, apenas em 2034 a empresa começaria a exploração comercial do que for encontrado lá”, diz.
Transição energética x petróleo
O relatório da IEA sobre a transição energética indica que “não serão necessários novos campos de petróleo e gás natural além dos já aprovados” para que os países cumpram as metas do Acordo de Paris e neutralizem as emissões até 2050. Segundo a organização, para que isso ocorra, a demanda por petróleo precisa diminuir drasticamente e o consumo global passar dos atuais 90 milhões de barris por dia (mb/d) para 24 mb/d em 2050, uma redução de 75%.
A Petrobras planeja investir US$ 11,5 bilhões entre 2024 e 2028 em energias renováveis (eólica e solar), captura e armazenamento de carbono e biocombustíveis, como bioquerosene de aviação e diesel renovável. Além disso, a estatal destaca objetivos como apoiar o Acordo de Paris e promover a redução de emissões com soluções de baixo carbono em petróleo, gás e energia alternativa.
Questionada pela reportagem sobre sua conduta no processo de transição energética, a Petrobras encaminhou um link onde a presidente da empresa, Magda Chambriard, afirma que hoje há um investimento na produção de combustíveis mais renováveis, destacando que possui o único diesel com 5% de óleo vegetal no mundo.
De acordo com Chambriard, a companhia também desenvolve projetos de captura de carbono e reafirma seu compromisso com o objetivo de alcançar a neutralidade de emissões (Net Zero) até 2050. A presidente ainda defendeu que a estratégia atual da empresa não conflita com a transição energética, contribuindo para a geração de empregos e renda.
A InfoAmazonia também questionou a Petrobras sobre em qual base de dados e pesquisas Anjos se apoiou para afirmar a necessidade de importação de petróleo em 10 anos, e se os números levam em conta as mudanças do clima e a transição energética, contudo, não obteve resposta.
Atualmente, a produção de petróleo e gás no Brasil ocorre em 302 campos, a maior parte nas regiões Sudeste e Nordeste, localizados em 419 blocos de petróleo concedidos a petroleiras. Em 2024, a produção diária ultrapassou 4 milhões de barris, dos quais quase metade (1,9 milhão de barris) foi exportada.
Os dados da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) mostram que, além desses 419 blocos contratados, existem outros 1.068 em oferta permanente, que podem ser adquiridos pelas petroleiras, além de outros 1.325 blocos em estudo, que poderão ser ofertados após manifestações dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e de Minas e Energia.
Pressão por licenciamento aumenta
A Petrobras tem intensificado os esforços para obter o licenciamento ambiental do bloco 59, na bacia da Foz do Amazonas, justamente quando o governo anunciou um novo leilão de petróleo, marcado para 17 de junho, e que inclui 47 blocos nesta região da costa amazônica.
A bacia da Foz do Amazonas se estende por 350 mil km² entre o Pará e o Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa. Como até o momento nenhum licenciamento ambiental foi aprovado nesta área, não há reservas provadas.
No entanto, estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que realiza pesquisas e estudos do setor energético para o governo, sugerem que a região pode conter até 10 bilhões de barris que poderão ser comercializados. Esse número, contudo, ainda é incerto e só poderia ser confirmado com a perfuração de poços.
O bloco 59 já teve seu pedido de licenciamento negado três vezes pela área técnica do Ibama, devido aos riscos ambientais elevados. Depois da primeira negativa à Petrobras, em maio de 2023, a companhia pediu reconsideração e o processo seguiu aberto para apresentação de novos documentos. Mesmo assim, em outubro do ano passado e novamente em fevereiro deste ano, os analistas do órgão ambiental recomendaram negar a licença e o arquivamento do processo de licenciamento para a perfuração na área.
Os pareceres não têm poder para barrar o licenciamento, e a decisão final é do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, que tem sido pressionado por todos os lados, mas até o momento ainda não se pronunciou. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse ao jornal Valor Econômico que irá pessoalmente ao Ibama buscar a liberação da licença. Ele afirmou, ainda, que a nova negativa dos técnicos foi feita “por convicção”.
Uma eventual decisão favorável ao licenciamento do bloco 59 antes do leilão de junho pode influenciar diretamente a disputa pelo petróleo. Entre as empresas habilitadas para fazer lances, estão a britânica Shell, que já manifestou interesse na área, e a ExxonMobil, norte-americana que domina a exploração na Guiana. Além delas, a britânica BP e a francesa Total Energies, que anteriormente desistiram da região devido a entraves ambientais, também estão aptas à disputa. Caso o leilão seja bem-sucedido, o Brasil poderá quintuplicar as áreas sob concessão na bacia da Foz do Amazonas.
Investimento em petróleo pode trazer riscos financeiros para o país
Embora o governo e a Petrobras vejam a exploração da Foz do Amazonas como uma oportunidade econômica, a aposta também pode expor o país e a estatal a potenciais perdas financeiras.
Um relatório da UK Sustainable Investment and Finance Association (UKSIF) e da Transition Risk Exeter (TREX) alerta que, com a transição global para uma economia de baixo carbono, ativos financeiros de petróleo, gás e carvão estão se tornando cada vez mais arriscados e podem se tornar inviáveis. A projeção do estudo é de que até 2040 US$ 2,3 trilhões em investimentos em combustíveis fósseis sejam perdidos.
Segundo o relatório, o Brasil está entre os países mais expostos a esse risco, ocupando a sétima posição no ranking global, atrás de potências como Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido. No caso brasileiro, quase metade das perdas deve recair sobre o governo, enquanto o restante impactará corporações e fundos de investimento.
Por outro lado, se nada for feito, segundo a UKSIF, os impactos das mudanças climáticas impulsionadas pela queima dos combustíveis fósseis podem intensificar desastres naturais, resultando em perdas econômicas estimadas em US$ 12,5 trilhões até 2050.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem enfatizado que a decisão sobre a exploração na Foz do Amazonas será estritamente técnica e que não haverá interferência política. No mês passado, o Ibama trocou o coordenador de licenciamento após o presidente Lula reclamar da demora no processo. A expectativa do governo é obter o licenciamento do bloco 59 antes do leilão anunciado para junho, que poderá atrair mais investimentos internacionais para a região. Caso contrário, a disputa pela exploração da Foz do Amazonas pode ficar ainda mais distante.
COMO ANALISAMOS AS RESERVAS DE PETRÓLEO NO BRASIL?
. Nesta reportagem, analisamos os dados de reservas, consumo e exportação de petróleo no Brasil. Os dados de reservas e exportação são divulgados pela ANP e a estimativa de consumo é dada pela Agência Internacional de Energia (IEA).
. A projeção dos diferentes cenários foi calculada considerando a incerteza associada à viabilidade de obtenção de petróleo de diferentes tipos de reservas (provadas, prováveis e possíveis).
. Para reforçar nosso compromisso com a transparência e garantir a replicabilidade das análises, a InfoAmazonia disponibiliza os dados nesta pasta.
Esta reportagem foi produzida pela Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com o apoio do Instituto Serrapilheira.
Texto: Leandro Barbosa e Fábio Bispo
Análise de dados: Renata Hirota
Visualização de dados: Carolina Passos
Edição: Carolina Dantas
Direção editorial: Juliana Mori