Projeto aguarda aprovação de licenciamento ambiental do Ibama. Movimentos questionam impactos ambientais e sociais sobre área que receberá instalação
FOTO: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Manifestações em seminário sobre a UTE Brasília
Está em discussão desde março a aprovação de licença ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para a UTE (usina termelétrica) Brasília, no Distrito Federal. Se instalada, a unidade será a maior das capitais brasileiras em geração de energia movida a gás natural.
Moradores e entidades contrárias afirmam que a usina trará malefícios ambientais e sociais à área onde está prevista sua instalação, principalmente com a possível realocação de uma escola.
Para o licenciamento, a Termo Norte Energia, responsável pelo projeto da usina, precisou contratar consultoria para estudos de impacto ambiental – que identificou 23 pontos de impacto negativo e 4 positivos.
Em 12 de março, uma audiência pública que trataria do licenciamento do projeto foi suspensa por não considerar tempo hábil para que a população participasse. Uma nova audiência sobre o tema está prevista para junho.
Neste texto, o Nexo conta como será a termelétrica em discussão, quais pontos de impacto prevê o relatório contratado e o que está por trás da instalação da usina.
A projeção da UTE Brasília
A UTE Brasília foi projetada para ser movida a gás natural, com capacidade para produção de 1.470 megawatts de energia. A produção excedente ao consumo da região será distribuída para o país por meio do SIN (Sistema Interligado Nacional).
A empresa responsável pela usina é a Termo Norte Energia, que tem sede em Porto Velho (RO). Ela é controlada pela CS Energia SA, do empresário Carlos Suarez, e tem outras duas termelétricas: Termonorte I e Termonorte II, localizadas na capital de Rondônia.
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Se autorizada, a nova usina será implantada em terreno cedido pela Fazenda Guariroba. O espaço fica em Samambaia, região administrativa a 35 km de Brasília. Considerada periférica, a área tem 102,64 km² e foi criada em outubro de 1989 para assentar famílias vindas de ocupações.
8,01%
da população total do DF está em Samambaia
De acordo com o projeto da Termo Norte, a implantação da usina deve levar 40 meses. A conclusão das obras está prevista para dezembro de 2028. A planta do empreendimento considera três caldeiras de recuperação, uma turbina a vapor e um condensador resfriado a ar.
A construção prevê ainda a construção de um gasoduto (um tipo de tubulação) para fornecimento do gás natural às turbinas da usina – já que Brasília não dispõe desse combustível. O modelo projetado também aguarda licenciamento e terá origem em São Carlos, no interior de São Paulo.
Para a operação, cerca de 110 m³/hora de água serão captados do Rio Melchior – no qual também serão descartados os resíduos. O uso do rio foi outorgado em dezembro de 2023 pela Adasa (Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal).
O processo de licenciamento ambiental da UTE foi iniciado em março daquele ano. Por ter capacidade superior a 300 megawatts, a usina ficou sob avaliação em nível federal pelo Ibama, de acordo com o decreto federal que regula o procedimento.
Os impactos da instalação e operação da usina
Para identificar e caracterizar quais modificações a instalação da usina pode provocar, a Termo Norte contratou a produção de um relatório. Finalizado em agosto de 2024, o documento identificou 27 impactos futuros decorrentes da instalação e operação da usina.
Entre os impactos considerados positivos, estão a geração de expectativas favoráveis sobre o empreendimento, a geração de trabalho e renda, a dinamização da economia regional e o fortalecimento do SIN. Os pontos reforçam os argumentos da Termo Norte para a execução do projeto.
Por outro lado, 23 pontos foram identificados como negativos. Segundo o relatório, os impactos de alta magnitude estão relacionados a modificações ambientais na implantação e operação da usina, afetando a população e a fauna local.
Os principais impactos negativos
ALTERAÇÃO DA QUALIDADE DO AR
De acordo com o levantamento e assim como em outras instalações do tipo, a operação pode liberar gases e partículas associados à queima de combustíveis fósseis – como o monóxido de carbono, o dióxido de carbono e nitratos.
ALTERAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA
A construção da usina e seu funcionamento podem levar resíduos ao rio Melchior, como a água recuperada do tratamento de resíduos oleosos e químicos e da estação de tratamento de esgotos.
PERTURBAÇÃO DA FAUNA LOCAL
Altos níveis de iluminação, ruídos decorrentes da construção e operação, além de acidentes, podem afetar animais presentes na região – causando estresse, redução dos períodos de descanso e desempenho de funções vitais.
PERDA E ALTERAÇÃO DE HABITATS
Para a execução do projeto, parte da vegetação do local (incluindo árvores nativas) podem ser retiradas. O relatório indica que ações de terraplanagem e impermeabilização das superfícies serão feitas durante a construção, apesar de afetarem a infiltração da água no solo e o reabastecimento do lençol freático. Além de afetar estoques de carbono e o refúgio da fauna, a retirada interfere em populações do entorno.
A realocação de uma escola
A possível realocação da Escola Classe Guariroba (de educação infantil pública) também está entre os impactos negativos percebidos pelos moradores. A mudança é considerada pelo projeto, já que o colégio é vizinho do terreno onde será instalada a usina.
500 é o número aproximado de alunos atendidos na escola Guariroba
A instituição recebe crianças da área rural de Samambaia e de outras regiões do entorno, como a comunidade do Monjolinho e Boa Esperança.
A pressão de movimentos contrários
Mesmo que parte do estudo considere impactos negativos de alta importância, o relatório contratado conclui que a instalação da UTE Brasília “se configura como um empreendimento viável, conforme planejado”. A avaliação não convenceu moradores e entidades da sociedade civil.
O Instituto Internacional Arayara é um dos órgãos mobilizados contra o projeto. Ele organiza uma petição online, que já recebeu mais de 500 mil assinaturas. A entidade protocolou um mandado de segurança contra uma audiência marcada para 12 de março de 2025, alegando falhas na divulgação da agenda. O evento, que pretendia discutir o licenciamento ambiental da usina, foi cancelado.
Dois meses depois, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados reuniu moradores, alunos da escola Guariroba e representantes de entidades para discussão dos impactos sociais e ambientais da usina. A Termo Norte Energia não compareceu.
Para Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional de Consumidores Energia, a instalação da usina também pode impactar o custo da energia elétrica no Brasil – em boa parte pela necessidade de construção do gasoduto.
“Nós, consumidores, não estamos dispostos a pagar mais caro. Energia elétrica no Brasil tem todas as condições de ser uma das mais baratas do mundo. Mas, ao contrário, é uma das mais caras porque uma série de decisões equivocadas são tomadas”
Luiz Eduardo Barata
presidente da Frente Nacional de Consumidores Energia, durante fala em 13 de maio de 2025 no seminário da Câmara dos Deputados
Barata ainda lembrou a lei que regulamenta a geração de energia eólica offshore no Brasil. Segundo ele, há emendas inseridas na tramitação do texto que também favorecem a instalação de usinas térmicas como a UTE Brasília. Essa não seria a primeira vez que os chamados “jabutis” – medidas estranhas ao objeto central da proposta – privilegiariam as termelétricas.
As medidas anteriores ao projeto
Desde a crise hídrica de 2020-2021, o acionamento de usinas termelétricas vem sendo incentivado no Brasil. O objetivo seria aliviar a pressão sobre as hidrelétricas. Mas há suspeitas de que a medida atenda a demandas do lobby do setor privado de gás.
Isso porque, em 2021, uma lei publicada no governo de Jair Bolsonaro abriu caminho para as termelétricas junto à privatização da Eletrobras. Durante a tramitação do texto no Congresso, parlamentares incluíram trechos sem relação com o tema principal.
O principal deles foi a obrigação do governo de contratar quantidades fixas de energia de usinas termelétricas movidas a gás. Nessa toada, a lei estabelece que regiões que não possuam suprimentos de gás natural em pelo menos duas capitais – que é o caso do Centro-Oeste – podem instalar usinas para garantir o abastecimento.
Outro ponto é que, para funcionamento dessas usinas, é necessária a instalação de gasodutos para o transporte do gás. Em 2022, políticos do centrão tentaram convencer Bolsonaro a editar uma medida provisória para criação de um fundo de financiamento público dessa infraestrutura.
A medida beneficiaria Carlos Suarez, dono e sócio de empreendimentos do segmento, conhecido como “rei do gás”. Duas dessas empresas são a Termo Norte Energia e a Transportadora de Gás Brasil Central (que fará a implantação do gasoduto necessário na nova usina).
Fonte: Nexo